(Publicado no Jornal de Opinião, 22 a 28/07/2002)
Frei Jacir de Freitas Faria, OFM
Torá que o povo recebeu como presente de Deus, no Sinai, pro intermédio de Moisés. Torá, palavra tantas vezes pronunciada pelo povo da Bíblia, tantas vezes decantada na experiência com Deus, O Eterno. Torá, substantivo mal entendido pelos cristãos que o identificou com a Lei e o contrapôs ao Evangelho. Três afirmações e três questões: a) Que relação existe entre os dois Testamentos e a Torá? b) Qual é o significado do substantivo hebraico Torá? c) Que relação podemos estabelecer entre Jesus e Torá? Saíamos à procura de possíveis respostas.
A leitura bíblica feita de forma ecumênica não pode deixar de considerar o Segundo Testamento (ST) como releitura do Primeiro Testamento (PT). Em muitos de nós, cristãos, essa idéia causa espanto. E não seria por menos! Séculos a fio, nós ouvimos a afirmativa: Somos a comunidade do "Novo"Testamento que rompeu com "Velho"Testamento/Judaísmo, pois esse não foi capaz de aceitar Jesus como Messias. No diálogo inter-religioso, as diferenças devem ser mantidas. Importa perguntar pelo que nos une e não pelo que nos desune. Por isso, urge redescobrir Jesus judeu, nascido no seio de uma comunidade judaica, filho de mãe judia. As comunidades do ST compreenderam Jesus de modo judeu. Elas deixaram por escrito nos evangelhos o esforço comunitário de reler Jesus à luz da Torá. Assim, os primeiros cristãos testemunharam a experiência de fé que eles tiveram de Jesus-Messias, aquele que viveu e assumiu plenamente a Torá. Toda a sua vida foi marcada pela presença da Torá, desde batismo até à morte. E, ao mesmo tempo, eles nos ensinaram a velha lição: judaísmo e cristianismo são duas culturas distintas, mas com dois caminhos afins. O objetivo de cada uma é chegar a Deus, seja através do seguimento da Torá, seja através da Torá-Jesus. E viva a diferença, querida e manifestada a nós por nosso Deus, o Eterno! O judaísmo com seu projeto de santificação e o cristianismo com seu projeto de salvação serão sempre caminhos diferenciados, mas que igualmente levam a Deus. E nisso está a maravilha da manifestação de Deus entre nós.
O judaísmo entende Torá como Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia), assim como os Escritos (livros históricos e sapienciais), Profetas e a tradição oral. Em outras palavras, quanto se diz Torá, entenda-se Pentateuco, Bíblia Hebraica (Pentateuco, Escritos e Profetas) e tradição oral. E Torá está dividida em Oral e Escrita. Normalmente se traduz Torá por Lei. Na verdade, no judaísmo Torá significa mais do que Lei, como nós entendemos essa terminologia. Torá é caminho, conduta, modo de ser. Na literatura sapiencial do Primeiro Testamento, Torá é o ensinamento da mãe e do pai oferecido aos seus filhos, para que eles aprendessem o caminho de Deus. A Torá é um projeto de vida, conservado para nós nas Dez Máximas do Sinai ou Dez Mandamentos. Todo judeu tem como projeto de vida, viver a Torá. Só a morte o libera dessa faina diária. Sem a Torá o judaísmo e o cristianismo deixam ser, pois ela é o projeto de vida que Deus nos oferece. A Torá ensina que a vida deve ser vivida numa relação de justiça e igualdade. Nem ricos, nem pobre, mais irmãos. A Torá, enquanto Pentateuco, é o sonho da terra prometida, sempre sonhada e esperada a cada dia. É essa a grande mensagem dos cinco primeiros livros da Bíblia (Torá). O conjunto deles termina com a morte de Moisés e sem a entrada na terra. Todo judeu, ao ler a Torá/Pentateuco sente-se qual um judeu que viveu na escravidão do Egito, passou pelo deserto e sonha com a entrada na terra. A terra é sempre um caminho a ser conquistado, um modo de ser, uma esperança. Isso é Torá! Um caminho sempre aberto....
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