O leitor provavelmente se refere a um dos pontos centrais da doutrina paulina, um argumento delicado e complexo, ainda mais se considerarmos que Paulo fala como judeu, portanto, observante da Lei, isto é, de todos os preceitos e mandamentos que encontramos no Primeiro Testamento e que encontraram seus desenvolvimentos na subsequente doutrina dos mestres de Israel, especialmente da corrente farisaica.
A afirmação que o leitor tem presente é encontrada em Gálatas 2.16:
"Sabemos, entretanto, que o homem não se torna justo pelas obras da Lei, mas somente pela fé em Jesus Cristo. Nós também acreditamos em Jesus Cristo, a fim de nos tornarmos justos pela fé em Cristo e não pela observância da Lei, pois com a observância da Lei ninguém se tornará justo".
Como explicar tal afirmação feita por um fariseu como era Paulo?
Sua experiência de encontro com Jesus provocou nele uma releitura completa da fé de seus pais, e lhe fez descobrir que, no sacrifício de Cristo, todo homem e mulher são verdadeiramente salvos, isto é, todos podem, gratuitamente, alcançar o objetivo que busca todo judeu praticante. Paulo entendeu que o fato de termos recebido Jesus no Batismo, nos fez filhos no Filho, e iniciou um processo que nos leva cada vez mais para a realização de nossa plenitude e santidade, exatamente como o Filho.
Este processo Paulo chama de "justificação", um dinamismo, um ser em movimento, mas sempre para frente, para a capacidade de viver a própria vida de Deus, que é o propósito da Lei. E por que isso? Porque, incorporados no Filho através do Batismo, temos o Espírito Santo que nos faz viver de acordo com os mandamentos do Senhor, nos torna capazes de observar sua Palavra, nos faz viver uma vida que já está em conformidade com a vida de Cristo.
Essa certeza pra Paulo parte de uma constatação: a Lei, que serve para indicar ao homem onde está o bem e o mal, não tem a força, infelizmente, para nos fazer sempre escolher o bem, ele é indefeso. A Lei é essencial para indicar o caminho, mas, na verdade, pode até levara à transgressão, de modo que a Lei, mesmo sendo necessária, me coloca contra a parede: eu sei o que devo ou não devo fazer, mas a carne, a minha inclinação ao mal, leva-me a fazer o contrário (cf Rm 7,21ss).
O Espírito, que permite o crescimento progressivo do homem e da mulher verso à plenitude da comunhão com Deus, é o que anima a letra de toda a lei. Quem possui o Espírito (e o possuímos) observa tudo o que prescreve a Lei, conhecendo-a ou não.
O ponto central, para Paulo, está no poder "justificador" do Espírito que nos foi dado em Cristo. Isso não significa que os cristãos estão sem Lei: ao contrário! Aqueles que seguem o ensinamento de Jesus vivem como Ele, a lei na plenitude de toda a sua justiça e são "justificados", isto é, liderados pelo Espírito Santo para se tornarem cada vez mais como o Filho.
“Agora, porém, já não existe nenhuma condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo. A lei do Espírito, que dá a vida em Jesus Cristo, nos libertou da lei do pecado e da morte”(Rom 8,1-2).