“Foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe uma carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por motivo de prostituição, faz com que ela adultere; e aquele que se casa com a repudiada comete adultério”.
O ensinamento sobre o repúdio (“apostasia” em grego) constitui a segunda parte do discurso de Jesus sobre o mandamento de não cometer adultério e significa uma reflexão que é retomada mais tarde por Mateus, em 19,9, e encontrada também nos textos paralelos dos outros evangelhos: Mc 10,11-12 e Lc 16,18.
Regulamentação de uma prática tolerada
O divórcio era comum entre os povos orientais também no tempo de Moisés. Ele, todavia, tenta colocar limites com a lei apresentada em Deuteronômio 24,1:
Se um homem se casar com uma mulher e depois não a quiser mais por encontrar nela algo que ele reprova, dará certidão de divórcio à mulher e a mandará embora.
A “certidão”, um documento produzido pelo homem, tinha como objetivo proteger a mulher que ficava, graças a esse documento, livre e não era condenada como adúltera, pois tal certidão afirmava que legalmente não pertencia mais ao marido. Mas, na prática, essa situação acabava excluindo a mulher: os sacerdotes, por exemplo, não podiam se casar com ela e a sua situação fazia parte de questões jurídicas severas e restritivas, demonstrando que, em todos os casos, era considerada uma mulher “contaminada”, de menor valor.
Desejando impor um limite ao arbítrio do marido, a disposição prevê uma específica condição. O texto de Deuteronômio 24 fala de “alguma coisa de inconveniente” (‘erwat dabar), mas não detalha o que é entendido. Na época de Jesus, existiam duas correntes de pensamento, cujos exponentes eram os rabinos Shammai e Hillel. O primeiro, mais severo, dizia que somente culpas muito graves, como o adultério, comportamento imoral grave ou o fato de não ser virgem no momento do casamento podiam ser razões para o repúdio; Hillel, ao invés, defendia que qualquer motivo bastasse para afastar a esposa.
Repúdio e adultério
Qual a posição de Jesus em relação a este tema? Ele parece julgar o repúdio com visão radical, conforme uma tradição rabínica da sua época, mas também a torna mais radical. Para ele, repudiar é o mesmo que cometer adultério, primeiro de tudo da parte do marido, que toma a iniciativa de repudiar a esposa, mas também da parte do outro homem que se casa com a mulher repudiada. Não é uma ação nova aquela de Jesus. De fato, já o profeta Malaquias condenava essa prática injusta com palavras duras:
E vocês ainda perguntam: «Por que isso?» Porque Javé é testemunha entre você e a mulher de sua juventude, à qual você foi infiel, embora ela fosse a sua companheira, a esposa unida a você por uma aliança. 15 Por acaso, Deus não fez dos dois um único ser, dotado de carne e espírito? E o que é que esse único ser procura? Uma descendência da parte de Deus! Portanto, controlem-se para não serem infiéis à esposa de sua juventude. 16* Eu odeio o divórcio - diz Javé, Deus de Israel - e quem cobre sua veste de violência - diz Javé dos exércitos. Controlem-se e não sejam infiéis.
Um divórcio admissível?
No texto de Mateus 5 encontramos uma referência a uma exceção que justificaria o repúdio, um tipo de divórcio tolerado, que não se encontra em outros textos do Novo Testamento. Trata-se do famoso caso de “porneia”, que a Bíblia de Jerusalém traduz como “Prostituição”. Para entender de que exceção se trate, é necessário ter em mente a comunidade de Mateus, feita de judeus e também de cristãos vindos do paganismo, junto aos quais, como sapemos através de 1Coríntios 5,1, existiam casos de convivência entre consanguíneos (parentes) ou pessoas assim consideradas pelo direito judaico, como madrinhas, cunhados, noras, genros e sogros. Provavelmente a consideração inerente à porneia tenha servido para disciplinar estas situações que contrastavam com a revelação do Deus de Israel, no sentido que o divórcio era tolerado entre os cristãos se fosse motivado pela intenção de terminar uma convivência caracterizada como incesto.
Realizar a vontade de Deus
Mateus explica em detalhes a sentença de Jesus em outra passagem, em 19,3-9. Em uma clássica situação de debate entre rabinos, alguns fariseus perguntam a Ele de dizer o que pensa em relação à lei. Naquela situação, Jesus motiva a lei dada por Moisés com a “sclerocardia”, dureza de coração daquele que impõe o afastamento da esposa, expondo-a a um grave perigo, não somente material e social, mas também espiritual. Para Jesus, nenhum documento protege do adultério. Unidos através do casamento, homem e mulher se tornam “um”: unindo os esposos, Deus soprou neles a vida, gerando um corpo único. Separar-lhes significa interromper o respiro desse novo ser. Jesus relembra que esta determinação bela de Deus está nas mãos do casal e adverte contra o perigo que pode significar a dureza do coração.