Marcião é um cristão da igreja dos inícios, do Século II. Tudo o que sabemos dele são informações que nos chegaram através daqueles que o combatiam, tendo sido ele o fundador de uma doutrina chamada marcionismo, cujo conteúdo explicarei abaixo.
Parece que era filho de um bispo e outros inclusive dizem que ele mesmo era um bispo de uma cidade chamada Sinope, da atual Turquia. Viveu em Roma, onde parece ter começado os conflitos com a Igreja e onde aconteceu a sua excomunhão, fato bastatante discutível, visto que naqueles tempos as estruturas eclesiásticas não eram tão claras quanto poderíamos imaginar com os olhos de hoje.
Tendo sido expulso da comunidade, voltou a sua região de origem e ali continou a propagar a sua doutrina.
Marcionismo
O centro da sua ideia é a incompatibilidade entre o Deus do Antigo Testamento e o Deus do Novo Testamento. Para ele, o Deus Pai anunciado por Jesus não tinha nada a ver com o Deus que consta nos livros do Antigo Testamento, que era violento e ligado ao povo hebreu. Por isso ele rejeitou todo o Antigo Testamento e sugeriu um cânon composto unicamente pelo evangelho de Lucas e pelas cartas de Paulo. Mesmo do Evangelho de Lucas tirou aqueles capítulos que ligavam Jesus às promessas feitas no Antigo Testamento, como por exemplo o "evangelho da infância de Jesus", os primeiros capítulos de Lucas (veja aqui mais detalhes).
Em síntese, essa seita acredita na existência de duas divindades: o Deus dos hebreus, autor da Lei e do Antigo Testamento, e o Deus Pai de Jesus Cristo. Somente o segundo era verdadeiro, Deus que deve ser adorado e que traz a salvação; o Deus do Antigo Testamento não serve para os cristãos e deve ser deixado de lado.
Importância de Marcião para a Igreja
A interpretação alternativa da vida de Cristo feita por Marcião ajudou a igreja nascente a fortalecer os princípios teológicos sobre a revelação divina e sobre a cristologia, criando a noção de teologidas ditas "ortodoxas" e taxando outras, que não concordavam com essa, de "heréticas". Esse processo ajudou a igreja a aguçar a sua reflexão e criar um percurso de reflexão teológica linear.
Marcião ajudou também na criação de um cânon bíblico, isto é, na criação de uma lista de livros considerados pertencentes à Bíblia. Alguns dizem que o primeiro cânon foi exatamente aquele de Marcião. A partir desse momento histórico, a igreja passou a refletir sobre os textos que se alinhavam com uma "régua de medida" (em grego kanon) que era conforme a um pensamento teológico "ortodoxo", aceito e aprovado pela igreja como um todo. A discussão sobre quais livros deveraim estar nessa lista se propagou até à época de Lutero, quando os católicos fixaram em 73 os livros e os protestantes decidiram incluir apenas 66.