Na primeira carta de João, no Capítulo 5, onde aparece a menção a "pecado de morte", o autor se dirige à comunidade e fala principalmente da oração:

14 Ao nos dirigirmos a Deus, podemos ter esta confiança: quando pedimos alguma coisa conforme o seu projeto, ele nos ouve. 15 E, se sabemos que ele nos ouve em tudo o que lhe pedimos, estamos certos de que já obtivemos o que lhe havíamos pedido.

Sublinhando a importância de rezar uns pelos outros, João confirma que Deus escuta os nossos pedidos. A oração é muito eficaz se rezamos uns pelos outros; principalmente quando o outro peca, ela serve para que o pecador seja reconduzido à vida:

16 Se alguém vê o seu irmão cometer um pecado que não leva à morte, que ele reze, e Deus dará a vida a esse irmão. Isso quando o pecado cometido não leva para a morte. Existe um pecado que leva para a morte, mas não é a respeito desse que eu digo para se rezar. 17 Toda injustiça é pecado, mas existe pecado que não leva para a morte.

A lógica da oração pelo irmão pecador da comunidade não funciona se esse pecado leva à morte. E aqui aparece a sua pergunta.

 

O que é o pecado de morte?

Muitas intrepretações desse texto ligam o "pecado de morte" com o pecado imperdoável citado por Jesus em Mateus 12,31-32:

“Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem nesta era, nem na outra”

As palavras de Jesus são ditas no contexto do milagre da libertação de um endemoniado, quando os fariseus acusam Cristo de expulsar os demônios pela força de Beelzebu. Dentro desse contexto, é evidente que a “blasfêmia contra o Espírito Santo” é atribuir a Beelzebu uma ação feita pelo Senhor. O pecado é agravado pelo fato que a falta não é simplesmente um sinal de dúvida ou de fraqueza, mas, depois que se presencia a manifestação da força divina, sabendo portanto a quem se está contradizendo, declara-se deliberadamente “guerra” contra Deus. Essa atitude é um rejeito irremediável de Deus, fruto da escolha consciente do pecador de se afastar de Deus, cotra a qual nem mesmo Deus, por causa do dom da liberdade que nos dá, pode intervir.

 

Gênesis nos ajuda a entender o pecado

Essa lógica de pecado foi revelada já nos primeiros capítulos da Bíblia, onde o autor sagrado explica os elementos básicos da vida do ser humano. Ele revela que dentro de nós temos uma tendência ontológica a nos afastar de Deus, que com Agostinho se passou a chamar de pecado original.

Existem dois aspectos do afastamento do Senhor, que Gênesis descreve em dois episódios emblemátidos.

No primeiro episódio, Adão e Eva no Jardim pecam e se vergonham: “Ouvi teu passo no jardim (...) Tive medo porque estou nu e me escondi” (Gênesis 3,10). Os primeiros seres humanos transgridem a norma divina e pecam, colhendo do fruto da árvore do bem e do mal; decidem eles o que é bem e o que mal, no lugar de Deus. Deus aparece e lhes dá a possibilidade de analisar o que fizeram. Eles se arrependem, têm vergonha...

O outro episódio é o fraticídio de Caim. Caim não aceita o fato de Deus ter escolhido o seu irmão, do Senhor ter o menor como privilegiado. A sua ira lhe conduz ao assassínio. Como a Adão e Eva, também a ele Deus aparece, fazendo uma pergunta essencial: “onde está seu irmão Abel?” Caim não se envergonha, não reconhece o mal que fez, mas diz: “Não sei. Acaso sou guarda de meu irmão?” (Gênesis 3,9). Caim não só não reconhece o mal que fez, mas até mesmo acusa Deus, pois segundo ele seria o Senhor que deveria cuidar do seu irmão Abel. Além disso diz que não sabe onde está o irmãos, coisa não verdadeira.

Nos episódios citados existem dois elementos centrais: no primeiro a vergonha e no segundo a mentira. A vergonha revela a consciência do mal feito. No outro caso, quando Caim mata seu irmão, aparece a justificação, que se torna mentira. Não reconheço que errei, mas digo algo que não é verdadeiro, que procura justificar o meu comportamento. Recordo as palavras de Jeremias que diz:

Deveriam envergonhar-se, porque praticaram coisas abomináveis, mas não se envergonham e nem sabem ficar vexados. Por isso cairão entre os que caem, no tempo em que eu os visitar, tropeçarão (Jeremias 6,15).

Por que não rezar para eles? Nem Deus pode fazer nada. Ali está a liberdade de quem pecou, que escolheu, na sua liberdade, permancer no pecado.