Continua a consideração do Rafael:
Segundo a versão NVI observa-se que “A lâmpada de Deus (referência a Sua presença) ainda não havia se apagado e Samuel estava deitado no santuário do Senhor, onde se encontrava a arca de Deus.” Além disso ele saiu e entrou por três vezes, quando achou que era Eli quem o chamava. Alguém que não fosse o Sumo Sacerdotete seria fuminado pela presença de Deus se entrasse no Santo dos Santos (local onde ficava a arca da Aliança)? Mesmo se fosse dia da expiação, ele não poderia entrar.
Você lembrou bem da passagem da infância de Samuel, diríamos da sua vocação, da chamada de Deus, que é contada em 1Samuel 3. É claro que a mensagem central desse capítulo é a vocação de Samuel em contraste com o comportamento iníquo dos filhos de Eli, que era o sacerdote do Senhor. Samuel será aquele que faz a transição entre os juízes e os três primeiros reis de Israel: Saul, Davi e Salomão. Ungirá os dois primeiros! É ao mesmo tempo um juiz e um profeta. É o responsável pela reflexão sobre o papel da monarquia na vida do povo de Israel, sublinhando que o Povo Eleito pode ter um rei, mas quem o governa será sempre o Senhor.
Com essas premissas, para responder a sua pergunta, é necessário fazer algumas anotações.
1. Em termos cronológicos, o contexto de Samuel antecede aquele do templo. Ele será construído somente por Salomão, algumas décadas mais tarde. Samuel não viu o templo conforme o imaginamos, com o Santo dos Santos e o Sumo Sacerdote. Samuel presta serviço diante do Senhor no templo de Silo; não era aquele de Jerusalém.
2. Antes do Exílio na Babilônia, não é bem clara a figura do Sumo Sacerdote. O sacerdote principal era dito "sacerdote", como é o caso de Eli em 1Samuel. O sumo sacerdote provavelmente era um descendente de Araão, irmão de Moisés, e sacerdote principal do primeiro e segundo templo.
3. As normas sacerdotais foram escritas cerca de 500 anos depois de quanto viveu Samuel. Os escritos que contam detalhes sobre a vida litúrgica do povo judeu são bem recentes e é impossível aplicá-los à vida quotidiana do período do templo de Silo. É provável que naquele tempo as regras eram bem mais simples e não como aquelas que conhecemos segundo as normas do Levítico, por exemplo.
Concluindo
Quando lemos a Bíblia, se quisermos tirar conclusões lógicas em relação a temas concretos, é fundamental colocar o texto no seu contexto. A falta desse exercício tem como consequência deduções que não são corretas e a criação de várias dúvidas, pois se tornam paleses incongruências históricas e textuais.
Aplicando esse princípio ao seu quesito, é provável que no tempo de Samuel não existiam todas as regras que posteriormente foram usadas no Templo de Jerusalém. É provável que o templo de Silo fosse uma realidade pequena e não sabemos se existia um "santo dos santos". É por isso que a narração da vocação de Samuel provoca algumas perplexidades, se comparada com a prática litúrgica descrita por textos sacerdotais bíblicos.