A Bíblia não fala sobre greve, mas isso não significa que não podemos nos inspirar nela para refletir sobre esse tema.
A Palavra de Deus é a mensagem divina revelada através da vida do Povo Eleito e, especialmente, através da vida de Cristo e da primeira comunidade. Ela, portanto, não é alheia às peripécias da vida quotidiana. É claro que greve é algo muito moderno, mas também no tempo bíblico o povo protestava e revindicava condições de vida melhores. Ele fazia isso contra quem os governava (veja a história dos Macabeus), contra quem os oprimia (veja as profecias de Amós ou Oseias) e, por mais incrível que pareça, mesmo contra Deus.
Êxodo 17,1-7 narra uma situação tensa no deserto. Depois de ter saído do Egito, o povo sente sede e não tem água. Protesta contra Moisés:
«Dê-nos água para beber». Moisés respondeu: «Por que vocês discutem comigo e colocam Javé à prova?» 3 Mas o povo tinha sede e murmurou contra Moisés, dizendo: «Por que você nos tirou do Egito? Foi para matar de sede a nós, nossos filhos e nossos animais?» 4 Então Moisés clamou a Javé, dizendo: «O que vou fazer com esse povo? Estão quase me apedrejando!» 5 Javé respondeu a Moisés: «Passe à frente do povo e tome com você alguns anciãos de Israel; leve com você a vara com que feriu o rio Nilo; e caminhe. 6 Eu vou esperar você junto à rocha de Horeb. Você baterá na rocha, e dela sairá água para o povo beber». Moisés assim fez na presença dos anciãos de Israel, 7 e deu a esse lugar o nome de Massa e Meriba, por causa da discussão dos filhos de Israel e porque puseram Javé à prova, dizendo: «Javé está no meio de nós, ou não?»
Esse protesto do povo aparentemente é sinal de contraste contra Moisés e Deus. Mas não é assim exatamente: o povo quer saber se Deus está no seu meio ou não, se foi correto ter deixado pra trás o Egito e seguir o líder Moisés. Deus conhece o desespero do povo e, através de Moisés, tira a sua sede. Paulo, em 1Coríntios 10,4, vê nessa água que matou a sede do povo um símbolo de Cristo, fonte de água viva.
O Salmista (95,8-9), mais tarde, nos faz um convite bastante duro, que coloca em cor negativa o protesto do povo:
«Não endureçam seus corações como aconteceu em Meriba, como no dia de Massa, no deserto, quando seus antepassados me provocaram e tentaram, mesmo vendo as minhas obras».
Embora devemos reconhecer que temos um coração duro, sabemos também que Deus escuta os protestos, como escutou o povo em Massa e Meriba. Isso é confirmado também pela frase dita no contexto do martírio dos 7 irmãos e da sua mãe em 2Macabeus 7,6:
«O Senhor Deus nos observa e certamente terá compaixão de nós, conforme afirmou claramente Moisés no seu cântico: ‘Ele terá compaixão de seus servos’».
Esses exemplos mostram como a Bíblia tem consciência que existem pessoas que dominam e outras que sofrem injustiça e que é necessário lutar para que isso não aconteça, para que a justiça seja preservada e colocada em primeiro lugar. Como saber se algo é justo ou não? Essa é a grande questão.
Nas situações que vivemos, é provável que existem protestos coerentes e outros que estão longe da verdade, que são manipulados para defender interesses que não condizem com a vontade divina. A informação, a participação na vida política e social ajudam a discernir. O cristão deve particpar da vida política e social no lugar onde vive, pois deve transformar o seu mundo em Reino de Deus, atuando a vontade divina. É preciso refletir e pedir a Deus clareza para entender o que é justo ou errado e protestar contra a injustiça. É um dever cristão!
São muito fortes e emblemáticas as palavras sapienciais de Qoelet (Eclesiastes 8), exatamente quando nos convida a sermos sábios para que interpretemos bem tudo o que acontece entorno a nós:
2 Obedeça às ordens do rei e, por causa do juramento feito a Deus, 3 não se apresse em se afastar dele, nem persista no mal, porque o rei pode fazer o que quer. 4 De fato, a palavra do rei é soberana, e ninguém pode perguntar a ele: «O que é que você está fazendo?» 5 Quem obedece às ordens, não incorre em pena alguma. A mente do sábio conhece o tempo e o julgamento, 6 porque para cada coisa há um tempo e um julgamento. Sobre o homem pesa um grande mal: 7 ninguém sabe qual será o seu futuro. De fato, quem pode saber o que vai acontecer? 8 Ninguém é capaz de dominar sua própria respiração: o dia da morte está fora do nosso domínio. Da luta na vida ninguém pode fugir; nem a maldade salva aquele que a comete. 9 Vi tudo isso, e refleti sobre todas as coisas que se fazem debaixo do sol, enquanto um homem domina outro homem para arruiná-lo.