Na verdade, a pergunta foi abreviada acima. Na íntegra, ela é muito mais complexa. Você a encontra transcrita aqui abaixo:

Quando Jesus diz "deixe que os mortos enterrem seus mortos" é por que quem morreu só pode receber alguma assistência por aqueles que já morreram. Ou seja, só os espíritos do mundo espiritual podem socorrer àqueles que já se foram. Lá no mundo espiritual ninguém vive de papo pro ar; mundo espiritual é escola, hospital tudo menos lugar de ócio. A vida no universo não para; tudo tem uma função. Deu pra entender bem?

Essa passagem que você menciona, que aparece em Lucas 9,51-62, é bem curiosa e certamente chama a atenção de muitos. Também por que o pedido daquele que quer seguir a Jesus, mas que pede poder ir primeiro a «sepultar meu pai», parece muito legítimo e até mesmo em conformidade com o mandamento que pede que os pais sejam honrados (veja Êxodo 20,12; Deuteronômio 5,16).

Penso que a leitura que você faz dessa passagem seja totalmente equivocada. É evidente que Jesus não está querendo ensinar como é o mundo dos mortos, mas aquele dos vivos, daqueles que o seguem ou que pelo menos assim dizem querer fazer.

 

Vendo o contexto

Com esse texto, Lucas abre a segunda parte do seu evangelho, que narra a viagem de Jesus a Jerusalém, onde será preso, condenado e crucificado. Inspirando-se no arrebatamento de Elias, o Evangelho conta que Jesus está para ser elevado aos céus (análempsis). Lucas conta que Jesus tomou uma firme decisão:

Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém.

Sabendo que ía na direção de um final trágico, ele também precisava derrotar o medo que o assolava. É verdade que normalmente não pensamos nas dificuldades de Cristo, no medo, na angústica que ele viveu. A sua condição de ser plenamente humano faz com que ele não fosse imune a essa situação, especialmente diante da eminente morte trágica. Humanamente, Cristo provou o desconforto, como Elias peseguigo por Jezabel (1Reis 19), a angústica, como Jeremias, que se sentia como um cordeiro levado para ser imolado (Jeremias 11,19), teve dificuldades, como o Servo, em aceitar dar sua vida pelos pecadores (veja Isaías 53,12).

Nesse contexto, Jesus envia mensajeiros, que são rejeitados pelos samaritanos. E então vem a reação dos discípulos Tiago e João, que disseram: «Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para acabar com eles?» Assim havia sido feito no tempo de Elias. Mas Jesus os repreendeu. Faz isso para mostrar que mesmo para os discípulos, que estavam com ele, não era fácil aceitar a debilidade, a possibilidade de falir na missão, entender o ministério de Jesus não como algo caracterizado pela condenação, mas pela salvação do pecador. Não era fácil nem mesmo para os apóstolos.

Depois dessa reação com os apóstolos, Lucas descreve que mesmo se os discípulos têm dificuldades de entender a missão de Cristo, existem muitos que o querem seguir e conta o que acontece com outras três pessoas e um deles é o que você menciona: 

Enquanto iam andando, alguém no caminho disse a Jesus: «Eu te seguirei para onde quer que fores.» Mas Jesus lhe respondeu: «As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça.» Jesus disse a outro: «Siga-me.» Esse respondeu: «Deixa primeiro que eu vá sepultar meu pai.» Jesus respondeu: «Deixe que os mortos sepultem seus próprios mortos; mas você, vá anunciar o Reino de Deus.» Outro ainda lhe disse: «Eu te seguirei, Senhor, mas deixa primeiro que eu vá me despedir do pessoal de minha casa.» Mas Jesus lhe respondeu: «Quem põe a mão no arado e olha para trás, não serve para o Reino de Deus.» (Lucas 9,57-62)

O primeiro deles demonstra entusiasmo, mas Jesus sabe bem que não basta e sublinha que a vocação não é algo fácil, sem renúncias, feita por todos. Cristo diz com clareza que o caminho é feito de dificuldades e não é sua intenção recrutar qualquer um.

O segundo, que você notou, se apoia em um mandamento: honrar pai e mãe. "Deixa que os mortos sepultem seus próprios mortos"! São palavras duras, que ensinam como Jesus peça que, seguindo a ele, se interrompa a ligação com a ordem familiar e com a religião da lei, dos deveres. Quando Deus chama, não é possível colocar nada como mais prioritário, mesmo que seja um mandamento: ou se escolhe segui-lo radicalmente ou se continua caminhando entre os "mortos", fazendo a vida de antes.

O último interessado a seguir a Cristo pede somente um momento para se despedir da família, assim como havia feito Eliseu, que pedira a mesma coisa a Elias, depois de ter sido chamado pelo profeta (1Reis 19,20). Jesus proclama com força que se alguém coloca a mão no arado para preparar a terra, que é o Reino de Deus, e olha para trás, cava mal com o arado, não se concentrando na meta e, por isso, não é adapto para o Reino de Deus.

 

Concluindo

É evidente que Lucas não está ensinando aqui como é a vida depois da morte, mas quer mostrar o que significa seguir a Cristo. As expressões usadas por Lucas são hipérboles e não significa que Cristo pede o abondono dos próprios pais. Deus quer saber até onde somos capazes de ir, colocando em primeiro lugar o amor a Ele.