No passado dia 4 de setembro nasceu, em Israel, uma bezerra vermelha, coisa que apareceu em muitos jornais, também no Brasil (veja no globo.news). Dizem as manchetes que esse evento é um 'sinal do fim dos tempos' ou que 'reascende o debate sobre o 3º Templo'.
Escrevo essas linhas para esclarecer um pouco esse assunto, às vezes tratado superficialmente pelos jornais.
A novilha vermelha em Números 19
O ponto de partida para refletir sobre esse tema é o texto que encontramos no Pentateuco, em Números 19,1-10:
Javé falou a Moisés e Aarão: «Este é o estatuto legal que Javé ordena: Diga aos filhos de Israel que tragam para você uma novilha vermelha, sem mancha e sem defeito, e que nunca tenha usado canga. E a entreguem ao sacerdote Eleazar, que a levará para fora do acampamento e a mandará imolar na presença dele. Eleazar molhará um dedo no sangue dela e salpicará sete vezes na direção da tenda da reunião. Depois mandará queimar a novilha na presença dele: serão queimados o couro, a carne, o sangue e os intestinos. O sacerdote pegará, então, galhos de cedro, hissopo e púrpura escarlate, e jogará tudo isso no fogo onde a novilha está sendo queimada. A seguir, o sacerdote lavará suas roupas, tomará banho, e voltará para o acampamento. Ficará impuro até à tarde. Quem tiver queimado a novilha, também deverá lavar suas roupas e tomar banho. E ficará impuro até à tarde. Um homem puro ficará encarregado de recolher as cinzas da novilha e colocá-las em lugar puro, fora do acampamento. A comunidade dos filhos de Israel conservará as cinzas para preparar a água purificadora: é um sacrifício pelo pecado. Quem tiver recolhido as cinzas da novilha, deverá lavar suas roupas e ficará impuro até à tarde.
Depois desse texto, segue as indicações para a purificação de uma pessoa que toca um cadáver. Essa purificação será feita com as "águas lustrais", a mesma obtida com as cinzas da novilha (veja em Núm 19,17-22). Portanto esse parágrafo está falando de como apagar a impureza contraída no contato com um morto; é a descrição de um sacrifício de expiação.
A novilha de cor vermelha precisa ser inserida em um contexto em que tudo aquilo que se aporoxima do vermelho tem valor profilático, pois esta cor evoca o sangue, princípio de vida e, por isso, protege contra a morte.
Existem outras duas referências a este texto: Números 31,23 e Hebreus 9,13. Números 31 fala da purificação por meio das "águas lustrais" (água lustral = água usada nos sacrifícios de expiação, água que lustra, que limpa...) e Hebreus 9 recorda essas águas que purificam, mas as coloca em um patamar inferior, comparando-a com o sangue de Cristo, que "há de purificar a nossa consciência das obras mortas para que prestemos culto ao Deus vivo".
A Mishnah, um texto da tradição rabínica, diz que no templo existiam piscinas (miqwot) para a imersão para os sacerdotes e que uma destas era ligada à água que entrara em contato com as cinzas da novilha vermelha. A vaca vermelha, que em hebraico se diz "pará adumá", era um animal extramamente raro (todos seus pelos, sem excessão, tinham que ser vermelhos). Quando uma era encontrada, era sacrificiada e suas cinzas, misturadas com água e outros ingredietes, serviam para purificar quem era ritualmente impuro.
Portanto, a partir da Bíblia não vemos nenhuma ligação entre a novilha vermelha e o "fim do mundo" e nem com o templo, que é o tema mais ligado com o evento do nascimento desse bezerro particular em Israel, fruto de inseminações e mudanças genéticas.
Tradição judaica
Foi a tradição rabínica a atribuir um poder bastante mágico à novilha vermelha. Segundo quanto dito pela literatura rabínica, na história existirão somente 10 novilhas vermelhas e a última dela coinciderá com a era messiânica. Assim diz, por exemplo, Maimônides, na Idade Média:
“a décima novilha vermelha será realizada pelo rei, o Messias; Que ele seja revelado rapidamente, Amém, Que seja a vontade de Deus".
Se até agora não se encontrou mais uma vaca que satisfazesse os requisitos para marcar a vinda do Messias, segundo os rabinos, é por que a humanidade - e Israel em particular - não está pronta para tal evento.
O 'Instituto do Templo'
Essa novilha não nasceu por acaso, mas foi o resultado de pesquisas que vem realizando essa curiosa organização chamada "The Temple Institute", que tem como objetivo manter viva a memória dos dois templos de Jerusalém, o primeiro destruído há 600 anos de Cristo, pela Babilônia, e o segundo pelo romanos, 70 anos de depois de Cristo. Outro seu objetivo é tornar realidade o sonho da construção do terceiro templo, realizando o que eles dizem ter sido prometido na Bíblia, isto é, o restabelecimento do Santo Templo em Jerusalém.
O rabino Chain Richman, diretor do Temple Institute, recordando quanto dito por Maimônides, como mencionamos acima, disse a respeito do nacimento da bezerra vermelha:
“Se não houve nenhuma novilha vermelha nos últimos 2.000 anos, talvez seja porque não havia chegado o tempo; Israel estava longe de estar pronto. Mas agora … o que poderia significar para os tempos em que vivemos, ter os meios de purificação tão próximos? Com as palavras de Maimônides em mente, não podemos deixar de nos maravilhar e orar: se há agora novilhas vermelhas … nossa é a era que vai precisar delas?”
Conclusão
A novilha vermelha é um sacrifício do Antigo Testamento, do qual não temos mais necessidade, visto que Jesus se sacrificou uma vez por todas para a nossa salvação, comprando gratuitamente a nossa salvação.
Mesmo entre os judeus, o grupo tradicional que se movimenta para a criação do terceiro templo é uma realidade muito pequena e pouco influente na religião judaica atual.
Toda o espaço dado a este tema pela imprensa é uma oportunidade acolhida por alguns jornalistas que visamexplorar temas religiosos misturados com temas pseudo-misteriosos para ganhar audiência, que nada tem a ver com a verdadeira religião.