Nessas vésperas da eleição no Brasil, muita gente gostaria que o papel divino fosse aquele do clássico "Deus ex machina", esquema literário que faz aparecer do nada um personagem que traz consigo uma solução inesperada, improvável e mirabolante que põe fim a uma trama. Muitos veem, então, a oração como uma arma para "obrigar" e ou apressar a vinda desse deus que resolve todas as nossas complicações, todas as brigas típicas desse período e traga uma situação pacífica, onde o povo possa escolher a pessoa mais adequada para governar a nação, que seja, oxalá, aquele que escolhi como candidato.
O oração é imprescindível nesse momento importante da vida social do país. Todavia, podemos ter certeza que o fruto dessa oração não será uma solução "ex machina". De fato, o poder da oração não está em fazer milagres, em resolver situações complicadas criadas por nós, mas na intimidade com Deus, da qual é expressão. Esse é o grand problema: pensamos que a oração é uma moeda, com a qual compro a intervenção divina. Isso já aconteceu no final da Idade Média, com a história das indulgências, quando com um pouco de dinheiro se pretendia comprar um pedaço do céu. Mas, infelizmente, continua acontecendo, com outras modalidades, ainda hoje.
Deus sabe daquilo que precisamos e, sendo perfeito, não precisa ser incensado para que encontramos graça diante dos seus olhos. O pai e a mãe amam sempre o filho, independente daquilo que faz por eles.
Por outro lado, é verdade que Deus nos pede que oremos sempre (veja Lucas 18). Mas a intenção divina não é a de ser alertado sobre nossos problemas, mas reflete a esperança que ele tem na nossa perceverança no seu caminho, fieis a ele. A oração faz com que sentimos Deus ao nosso lado e essa é a nossa arma, pois travamos uma luta contínua contra a injustiça, contra o mal e, como Moisés, se abaixamos os braços, perdemos essa batalha (veja Êxodo 17). Deus é nosso aliado e a fé nelle é a nossa força, sendo a oração a expressão desta fé. É nesse sentido que precisamos entender a pergunta final do texto sobre o "juiz iníquo e a viúva imprtuna" de Lucas: "Mas, o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar a fé sobre a terra"? (Lucas 18,8).
O caos antes da vinda de Cristo
A Parusia, a vinda de Cristo no fim dos tempos, é uma esperança que todo cristão precisa ter. Mas façamos atenção como entendemos esse aspecto teológico. Fim dos tempos é mesmo o "fim do mundo"? Não deveríamos entender "fim" como "meta", ideal, ponto de chegada? Todos nós vamos chegar lá, um dia; é o nosso destino, a nossa meta. Não pensemos que Deus destruirá o mundo. Afinal, prometeu, depois do Dilúvio, que não faria coisa parecida (veja o arco-íris, como sinal da aliança divina - Gênesis 9,12-16).
Já no tempo de Paulo havia um problema parecido com aquilo que você menciona. Veja o que ele diz em 2Tessalonicenses 2,1-2:
Agora, irmãos, quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e ao nosso encontro com ele, pedimos a vocês o seguinte: não se deixem perturbar tão facilmente! Nem se assustem, como se o Dia do Senhor estivesse para chegar logo, mesmo que isso esteja sendo veiculado por alguma suposta inspiração, palavra, ou carta atribuída a nós.
Alguns, no tempo de Paulo, viam como eminente a segunda vinda de Cristo e se perguntavam se era o caso de labutar, de viver normalmente, visto que a vinda parecia eminente. Alguns nem trabalhavam mais e viviam às custas da comunidade, que colocava as coisas em comum e permitia a alguns de viver sem fazer nada. Paulo dá uma bronca e diz (2Tessalonicenses 3,11-13):
Ouvimos dizer que entre vocês existem alguns que vivem à toa, sem fazer nada e em contínua agitação. A essas pessoas mandamos e pedimos, no Senhor Jesus Cristo, que comam o próprio pão, trabalhando em paz. Quanto a vocês, irmãos, não se cansem de fazer o bem.
Em outras palavras, esperar a Parusia de Jesus não nos dispensa do compromisso com este mundo, mas, ao contrário, nos torna responsáveis diante do Juiz divino em relação ao nosso comportamento nesse mundo, fazendo com que cresça a nossa responsabilidade para trabalhar em e para este mundo.
O caos é inerente à natureza humana, que vive combatente entre o bem e o mal, como o joio que se encontra misturado com o trigo. A proximidade com Deus pode ajudar a combater o caos e estabelecer a ordem, como uma nova criação (Gênesis 1), estabelecendo uma cidade no céu, a Nova Jerusalém, a Jerusalém Celeste (Apocalipse 21).