O vídeo mencionado pelo nosso leitor é postado por alguém que pretende mostrar como os que lêem a Bíblia, especialmente os crentes, se enganam e com isso, enganam também aos outros. A sua tese é que a Bíblia diz coisas horrorosas, que não podem vir de Deus. Para defender a sua convicção, usa um texto de Isaías 13,14-16
Então, como cabritinha assustada ou como ovelha que ninguém consegue achar, cada qual voltará para o seu povo, cada um vai se esconder na sua própria terra. Quem for encontrado, será transpassado; quem for alcançado, morrerá ao fio da espada. Suas crianças serão despedaçadas diante de seus olhos; suas casas serão saqueadas e suas mulheres serão violentadas.
Obviamente não podemos concordar com aquilo que diz. Quem não acredita em Deus não deveria perder tempo com a Bíblia. Ela é um bilhete de amor e só pode entendê-la bem quem está apaixonado. As críticas e estudos podem ser feitas, é claro, por todos, também por pessoas que não creem, afinal a Bíblia não é uma propriedade privada. Mas quem se atreve a isso, deve ter um fundo de autoridade, que pode vir do estudo ou da sensibilidade e respeito em relação a quem vê nela a Palavra de Deus. São duas características que não transparecem no autor desse video.
O autor, como dito, toma Isaías para mostrar como deveríamos ter repugnância pela Bília. Ele não consegue entender como Deus pode querer que crianças sejam "despedaçadas" e mulheres "violentadas". Ele provaca seu auditòrio: Deus não tinha nada de melhor para dizer? É isso que Deus reserva para algumas pessoas? Ele então diz que os que acreditam na Bíblia, para explicar esse texto usam a "exegese", que segundo ele é o apoio a outros textos, os paralelos que aparecem em outros livros.
Essa compreensão de "exegese" mostra a completa falta de conhecimento, por parte desse autor, das ciências Bíblicas. Exegese é a ciência que procura entender um texto bíblico, usando instrumentos científicos que vão da crítica textual, passam pela análise linguística e estudo do contexto histórico em que tal texto nasceu, oferecendo conclusões que serão usadas como elementos basilares para uma interpretação teológica. Estudar exegeticamente um texto não significa simplesmente ver os paralelos, mas entrar no texto e buscar entendê-lo com todos os recursos científicos à disposição, iluminados pela fé.
Uma das primeiras conclusões da exegese, ponto de partida para toda aproximação bíblica, é que a Bíblia é Palavra de Deus inserida em um contexto humano. Deus não dita a sua palavra aos autores sagrados. A sua Palavra é revelada na história do Povo de Israel. Existe um progresso da revelação, que será plena em Cristo. Por isso, não é estúpido entender o contexto histórico de Isaías e de seus interlocutores.
Hoje sabemos que Deus nunca mataria alguém, por que assim revelou Jesus Cristo. Mas, para os hebreus, Desu lutava com ele, fazia suas guerras, tinha os mesmos inimigos: era um Deus com o povo. A Babilônia, inimiga de Israel, era também inimiga do povo de Deus. E Deus estava do seu lado, contra essa grande potência. Essa era a visão do povo de então, era também a visão de Isaías.
Lendo Isaías, não devemos pensar que Deus queira despadaçar o inimigo, que é como um soldado, que destroe tudo o que encontra do inimigo derrotado. Aquilo que devemos conservar é que Deus tem um percurso traçado, que a potência de algumas nações não é nada diante do plano de Deus, que se atuará na história. Esse é o cerne da mensagem; o resto é a roupa dessa mensagem, influenciada pelas compreensões de então, pelos autores bíblicos. O verdadeiro exegeta sabe discernir, sabe entender essa diferença.
Outro aspecto muito mesquinho e limitado desse vídeo é taxar o sentimento de Israel em relação à Babilônia de "inveja": Babilônia era rica, enquanto que os hebreus comiam pó. Essa reflexão tem muito de anti-semita e pode ter consequências muito perigosas, tais como aquelas acontecidas durante a II Guerra Mundial. Israel não tinha inveja da Babilônia: tinha medo de desaparecer diante de uma super potência; via a própria sobrevivência ameaçada. E contra isso precisava lutar, se defender. E tinha certeza que Deus estava com ele.
Depois o autor convida a se afastar de pessoas fundamentalistas, daqueles que dizem que a Bíblia tem razão. Realmente não podemos matar ninguém e nos apoiar em textos bíblicos. Mas os verdadeiros cristãos não fazem isso. O radicalismo cristão não existe; não é verdadeiro cristianismo, mas são consequências de distúrbios. O verdadeiro cristão sabe discernir, sabe ler a mensagem de Deus na história e deve entender os limites próprios da nossa natureza, que estão muito aquém da sublimidade de Deus.
A disponibilidade dos meios que existem hoje faz com que qualquer um se sinta autorizado a falar e ter a pretenção de ser o dono da verdade. A virtude, com certeza, é muito mais evidente na escuta do que no grito. E a humildade de reconhecer o próprio limite em algumas áreas é um princípio básico que leva à sabedoria das próprias ações.
Se você ficou curioso, assista aqui abaixo o vídeo em questão.