Essa não é só uma pergunta, mas uma verdadeira reflexão, que acomuna muitos cristãos. Aqui você a pode ler integralmente:

O verdadeiro e genuíno arrependimento e a verdadeira mudança só podem ser realizados por Jesus, por meio do Espírito Santo. Sei, por experiência própria, que toda e qualquer tentativa de mudança por esforço próprio seja por conhecer a Bíblia e crer em Jesus, ou pelo que for, leva apenas à religiosidade e não ao nascer de novo. Pois bem, se eu tenho de alguma forma consciência - pela opinião de pessoas amadas que me conhecem bem, pela necessidade de ter a vida transformada, pelas consequências de não conhecer Jesus de verdade - de que preciso "nascer de novo" em Jesus, se tenho consciência de que estou cega espiritualmente - pelas minhas atitudes naturais e verdadeiras, pois é fácil fingir ser quem não se é -, enfim se eu tenho desejo de "nascer de novo", há algo que eu possa fazer, já que meus esforços são inúteis e só o Espírito de Deus tem esse poder? Orar de madrugada, me humilhar para o Senhor, ler a bíblia, jejuar ou outras ações fazem com que Deus queira operar esse milagre? Pois Deus faz o que Ele quer, quando Ele quer. Mas então devo "esperar sentada" enquanto eu pioro cada dia mais e me destruo cada vez mais até que Deus resolva agir? Por que conhecer a Bíblia, crer em Jesus não é suficiente pra "nascer de novo"; o diabo também conhece a Bíblia, não? Ele também sabe que Deus existe, mas ter a experiência de novo nascimento, ter o Espírito Santo e ser guiada por Ele é muito diferente. Pois bem, resumindo tudo, há algo que eu possa fazer para de alguma forma tocar o coração de Deus e fazer com que ele queira operar o novo nascimento em mim através do Espírito Santo? Ou nada posso fazer?

 

É uma reflexão bem feita e mostra tensões existentes nos corações de muitas pessoas que temem a Deus. Mais do que responder com um “sim” ou “não”, escrevo algumas linhas que podem ser de ajuda para que você reflita sobre esse argumento teológico complexo. Leia com calma e não se sinta, no final, sem uma resposta.

Suas palavras têm um background protestante, pentecostal que certamente influenciam a conclusão do seu pensamento. O tema da justificação pela fé vem à nota de maneira sútil: a salvação é recebida somente pela fé, independente das obras que como cristãos possamos realizar (Sola fide). Não são as obras, você sublinha, que podem nos trazer a salvação, mas a ação de Deus. Interpretando suas palavras, concluo que você pense que Deus age sozinho, sem algum grau de sinergia nosso com a ação divina. Isto está muito próximo de outro princípio da reforma protestante, que é o “sola gratia”, que pode ser interpretado, destacando o seu pensamento, que a graça divina é sempre eficaz, sem qualquer cooperação humana.

A teologia protestante foi uma bênção para a reflexão sobre o mistério da salvação trazida por Jesus à humanidade. Graças a ela, foi sublinhada a ação gratuita divina, o dom da salvação gratuitamente trazido por Jesus e oferecido à toda humanidade. A teologia tradicional, tida como católica, sublinhava, ao invés, a ação humana no processo de salvação.

 

Esclarecendo com Paulo

Para entender bem essa questão é fundamental ler Paulo, principalmente quando ele fala de pecado e justificação. Ele, nas cartas aos Romanos e aos Gálatas, sublinha a miséria do ser humano, que é o pecado: “Todos pecaram”. Só a fé em Jesus tem o poder de transformar essa situação, porque incendia o processo da ação “justificante” do Espírito.

Mas as coisas não são assim simples, como vemos em Romanos 7. O ser humano vive uma profunda divisão e usa a Lei para sublinha-la. Essa “norma” serve ao ser humano como pedagogia, indica onde está o mal, o que nos afasta de Deus. Seria, em si, uma coisa boa, mas ela nos oprime, por que ativa dentro de nós uma vontade de agir contrário às suas indicações e por isso, parece que é a própria Lei que nos leva à transgressão. Essa inclinação é o pecado que está dentro de nós, que poderíamos chamar, como se fez na tradição, de pecado original.

Resumindo, a Lei e as obras que dela derivam é boa porque indica a estrada de Deus, porém, ao mesmo tempo, me leva para a morte, pois sou atraído egoisticamente pela transgressão e por que, mesmo não querendo transgredi-la, mas observá-la, não consigo observá-la toda. Nasce uma situação paradoxal.

Entramos agora no âmago da sua reflexão. De fato, Paulo resolve o problema acima, da inclinação ao pecado que fica evidente através da lei, com a justificação de Cristo: Paulo descobriu que Jesus é o único que pode verdadeiramente realizar aquilo que a Lei não pode, isto é, tornar capaz de não pecar, de observar toda a Lei, pois em Jesus e no Batismo tem o dom do Espírito, que ESCREVE a lei nos corações come em cima de uma tábua de carne, como se os orações se tornassem a Tábuas de Moisés.

 

Entendendo o que é justificação

A ação de Deus através de Jesus realiza o projeto divino para a sua criatura, que é que ele seja a sua imagem. E esta imagem de criatura humana Paulo nos diz que a temos na pessoa de Cristo. Com a caída no paraíso, o ser humano perdeu essa condição, criando uma desvantagem entre o ser humano e Deus. Com a justificação trazida por Cristo, esta desvantagem é anulada e se conquista um empate. No caso de Deus, o “empate” é o seu agir conforme si mesmo, com aquilo que Ele é. Se Ele é aquele que salva, então para ser fiel a si mesmo, a sua justiça será a salvação. Deus é justo porque age conforme si mesmo. Também Deus deu para si mesmo uma lei: é a Aliança com o seu povo e a fidelidade a esta aliança se reflete sobre todo o seu agir.

 

E então? Para concluir

A Justificação começa com o batismo, com a remissão dos pecados, a libertação da escravidão da lei do pecado. No batismo, primeiro de tudo, Deus “desencalha” a pessoa do banhado no qual se atolou. Em segundo lugar, tendo iniciado a estar em contínuo contato vital com Cristo, a pessoa é inundada pelo Espírito que a renova constantemente, desde que viva escutando-o e em sintonia com ele: “se vivemos do Espírito, caminhamos também segundo o Espírito" (Gálatas 5,25).

A justificação, dom de Cristo, é incalculável na medida e na beleza. É, de verdade, a criação renovada, a possibilidade dada à humanidade de realizar o sonho de divino de ser “a imagem e semelhança” de Deus e de morar no mundo junto com Ele, como era no princípio. Estamos disposos a abraçar essa proposta, a aceitar esse presente?