Conhecemos bem o texto ao qual você se refere. Trata-se de uma estória ou parábola contada por Jesus e recordada pelos três Evangelhos ditos “sinóticos” (Mateus, Marcos e Lucas).
Aqui temos o texto de Lucas 16,1-8:
Dizia ainda a seus discípulos: Um homem rico tinha um administrador que foi denunciado por estar dissipando os seus bens. Mandou chamá-lo e disse-lhe: Que é isso que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, pois já não podes ser administrador! O administrador então refletiu: Que farei, uma vez que meu senhor me retire a administração? Cavar? Não posso. Mendigar? Tenho vergonha… Já sei o que vou fazer para que, uma vez afastado da administração, tenha quem me receba na própria casa. Convocou então os devedores do seu senhor um a um, e disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor? Cem barris de óleo, respondeu ele. Disse então: Toma tua conta, senta-te e escreve depressa cinquenta. Depois, disse a outro: E tu, quanto deves? – Cem medidas de trigo, respondeu. Ele disse: Toma tua conta e escreve oitenta. E o senhor louvou o administrador desonesto por ter agido com prudência. Pois os filhos deste século são mais prudentes com sua geração do que os filhos da luz.
Esse texto não é muito amado pelos pregadores, pois como explicar o louvor a um homem considerado desonesto, denunciado por ter “dissipado os bens” do seu patrão? Portanto, a sua pergunta condiz muito com a reação que se tem diante desse texto. Como entende-lo?
Uma primeira interpretação, muito difundida, é o elogio do Senhor à astúcia do “administrador”, que sabe ser previdente em relação ao seu futuro. O cristão seria então chamado a aplicar todas as suas forças e recursos para ganhar a vida eterna. Mas será que aqui Jesus estaria aceitando o princípio que será sintetizado posteriormente por Maquiavel, que diz que uma boa finalidade justifica eventual meio desonesto? Sinceramente parece pouco provável que Jesus queira passar essa mensagem.
Uma segunda linha de pensamento vê Deus como o proprietário milionário, que tem muitas terras e concede a alguns administradores o “uso” dessas suas propriedades, esperando receber, quando volta sem aviso, algum fruto. Nós seríamos os administradores desses bens de Deus e teríamos que prestar contas da nossa administração, que pode ser feita com liberdade, mas que deverá, um dia ser medida pelo patrão que volta.
Tendo mais para uma interpretação que leva em conta a questão econômica, especialmente a relação com os bens, pois o texto termina (Lucas 16,13) com a máxima:
Ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.
Acredito que Jesus esteja querendo nos questionar sobre o que fazemos com o dinheiro que temos ou com a nossa economia em geral. É ela uma maneira de exercer o nosso cristianismo ou simplesmente uma expressão da nossa ganância de acumular? A riqueza em si não é um mal, mas quando um rico é rodeado por situações de injustiça, por pobreza, é óbvio que ele não pode viver tranquilo, não pode ser alheio à situação de quem lhe está a sua volta. Os padres da igreja diziam que um rico é um injusto ou filho de um injusto. É provável que seja um juízo bastante severo, pois há muitas pessoas ricas que são boas. Todavia há algo de verdade nisso: o dinheiro, como dizia Francisco de Assis, é o “esterco do demônio” e tende a nos conquistar, afastando-nos de um ideal de vida tipicamente cristão, onde predomina a solidariedade, a partilha.
O administrador infiel é o símbolo de todos nós, da nossa relação com o dinheiro. Todos nós somos puxados pela vontade de acumular, muitas vezes oprimindo o próximo, mesmo de maneira inconsciente. Esse administrador, quando descobre o erro que cometeu, quando vê que o seu Senhor está voltando, cai em si e se converte. No fundo essa é uma história de conversão: invés de ser instrumento de divisão, a riqueza agora se torna causa de amizade, esperança de vida pois não é mais guardada para si, mas partilhada.