A sua pergunta está intimamente ligada ao tema das traduções da Bíblia. Cada tradução tem uma linha própria, principalmente quando se trata de definir temas polêmicos ou ao menos discutidos pelos críticos. Por exemplo, os cristãos, quando fizeram a tradução com Jerônimo, a tradução em latim, dita Vulgata, já fizeram algumas escolhas, como a de deixar entre os livros bíblicos os assim ditos "livros deuterocanônicos" do Antigo Testamento. Do mesmo modo, muito séculos mais tarde, os protestantes decidiram deixá-los fora.
Outra linha das traduções é a linguagem que se usa ou até mesmo a escolha de verter certos vocábulos de uma forma ou outra. Por exemplo, os autores bíblicos usaram, muitas vezes, o termo "homem" para indicar "ser humano". Põe-se, então a questão: quando faço uma tradução, digamos, em português, uso "homem", conforme o original, ou me adequo à sensibilidade hodierna e uso a expressão "ser humano"?
Exemplos como esse servem para mostrar quão amplo pode ser o raio de possibilidades que existem em uma tradução da Bíblia, como aquelas que você mencionou.
No passado, as traduções da Bíblia eram raras. Era difícil traduzir principalmente pela falta de recursos, mas também por uma razão ideológica, visto que era importante manter a homogeneidade do texto, perigo que se corre com o aumento das traduções. A igreja católica, por exemplo, até o Concílio Vaticano II, na década de 60 do século passado, usava quase exclusivamente a versão latina, a Vulgada. Só a partir de então começaram a multiplicar-se as traduções. Os protestantes começaram antes esse processo, já a partir do Século XVI, depois da Reforma.
Sendo a Bíblia, o texto original, um texto sem copyright, todo mundo pode tomá-lo e traduzi-lo, com toda liberdade. Basta encontrar uma editora que o publique. Como isso cada vez é mais fácil, as traduções se multiplicam e, com elas, as diferentes perspectivas que se aplicam ao texto traduzido.
Um desafio que sem dúvida deve estar sempre presente, na mente de tradutores conscientes, é a fidelidade ao texto. A pergunta que fica sempre no ar é se um tradutor é um traidor. Sinceramente, da minha experiência, por trás de um projeto de tradução existe sempre a tentativa de fazer com que a Bíblia chegue de maneira mais direta possível ao público. A fronteira entre a fidelidade ao texto original e a traição é muito sútil.
Sobre os diferentes métodos de abordagem do texto bíblico, é excelente esse documento: A interpretação da Bíblia na Igreja.