É uma pergunta interessante e de difícil resposta.

Essênios, que viviam em Qumran, às margens do Mar Morto, próximo a Jericó, eram contemporâneos de João Batista, que "habitava nos desertos" (Lucas 1,80) e batizava no Jordão (Marcos 1,9). Essas duas informações não definem claramente a área de atuação do Batista. É verdade que a região de Qumran é toda desértica e que o Jordão desemboca no Mar Morto, a cerca de 10 quilômetros  de Qumran. Hoje, o lugar que recorda o batismo de Jesus, que na prática coincide com aquele que recorda a entrada dos Hebreus na Terra Prometida, fica a cerca de 20 quilômetros de Qumran.

Se assumimos que João vivesse nesse contexto geográfico, é de verdade provável que os dois grupos se conhecessem, mesmo não tendo nenhuma menção desse contato, tanto na Bíblia quanto nos inúmeros manuscritos encontrados próximos do Mar Morto, que são daquela época. A distância entre os locais aonde agia João e a sede dos Essêncios, em Qumran, é muito pequena e também precisamos considerar que a zona não é super habitada e por isso é racional pensar no mútuo conhecimento.

Feita essas considerações, precisamos chamar a atenção para outros elementos para então fazer uma suposição. E isso principalmente comparando o modo de viver da comunidade e as ações de João Batista.

Graças aos escritos dos essêncios achados em Qumran, há cerca de 70 anos, conhecemos bem essa seita dentro do judaísmo do tempo de Cristo. Trata-se de um grupo de judeus ortodoxos, praticantes, que se dissociaram do judaísmo oficial, aquele vivido pelos sacerdotes do Templo; não concordavam com o comportamento e com as lógicas praticadas em Jerusalém, principalmente aquelas incentiviadas pelos saduceus. Essa contravérsia fez com que tomassem uma decisão radical: viver a própria fé em YHWH separados do judaísmo oficial, refugiando-se no deserto, próximo ao Mar Morto. Se consideravam os "filhos da luz" e tinham a missão de fazer o combate final, contra os "filhos das trevas", que eram os inimigos do Senhor, provavelmente aqueles que seguiam o judaísmo oficial. Viviam do próprio trabalho e eram muito rígidos com as normas de pureza. Tinham as coisas em comum e se reuniam para comer juntos. Não se misturavam com pessoas de fora da comunidade e eram muito críticos contra tudo o que não tinha a ver com a "comunidade", que era considerado a única estrada para a salvação, que seria dada na batalha final entre os filhos da luz e aqueles das trevas (leia aqui mais sobre a comunidade e os manuscritos de Qumran).

Acredito que João conhecia a Comunidade de Qumrãn, mas seguia outra estrada. O fato de estar no Jordão batizando quem se aproximava dele, como fez com Jesus, é algo que não poderia ser feito por um essênio, pois não se misturavam com quem não era da comunidade. Sabemos que João tinha discípulos. Vieram de Qumran? Tal hipótese não pode ser categoricamente excluída, mas não existe nenhuma evidência disso e nenhum indício que nos permita dizer que isso pode ter acontecido. De qualquer forma, se alguns dos seus discípulos tivessem vindo de Qumran, teriam feito a escolha de deixar a comunidade. Mas, nos escritos do Mar Morto, nunca se fala de membros da comunidade que a tenham deixado.

 

Outra questão para aprofundar

Outro elemento que só menciono, para provocar a reflexão, é que João é da classe sacerdotal. Basta lembrar que seu pai, quando soube que teria um filho, estava oferecendo incenso no Templo, coisa reservada aos sacerdotes. Era normal que João seguisse o mesmo caminho do pai, mas ele quebrou essa tradição. Não sabemos por que ele se comportou assim, pois nada sobre isso foi transmitido para nós e nenhuma hipótese fundamentada pode ser feita. Teria ele também, como os essênios, rejeitado o sacerdócio que se exercia em Jerusalém? Porém, precisa ter presente que os essênios se separaram de Jerusalém alguns anos antes de João Batista.