A assunto inerente aos autores dos livros bíblicos atrae muito, pois é um âmbito que apresenta características muito diferentes daquelas com o qual estamos costumados hoje. Sobretudo em relação aos 46 (ou 39) livros do Antigo Testamento, a autoria não pode ser tratada como é vista hoje: um livro corresponde a um autor bem determinado. Para os livros da Bíblia, o centro é a mensagem e, muitas vezes, o autor se esconde ou toma um nome emprestado, para aumentar a autoridade do livro. É essa dinâmica que fez com que tradicionalmente se diz que Moisés é o autor dos 5 primeiros livros bíblicos, incluindo Gênesis. Mas sabemos bem que isso não é correto, pois, só para citar um argumento banal, a morte de Moisés é contada em Deuteronômio 34, um dos capítulos desses 5 livros.

Na verdade, cada livro - especialmente do AT, mas também alguns do Novo Testamento - tem uma origem particular e nem sempre é fácil identificar o seu autor. Isso vale especialmente para os primeiros livros da Bíblia.

 

O autor de Gênesis

Basta uma análise superficial desse livro para nos dar conta que o que ali lemos não pode vir de um único autor. Por exemplo, nos dois primeiros capítulos encontramos duas histórias diferentes, com nuances próprias, que contam como foi a criação do munto. Se fosse do mesmo autor, ele não teria repetido a mesma história. Além disso, há outros dados que constrastam entre si, que denunciam fontes diferentes para esse livro. É por isso que os exegetas falam de fontes, ao invés de autor.

Hoje em dia quase todos os espertos acreditam que uma pessoa, provavelmente depois da volta dos judeus do exílio em Babilônia, por volta de 5 séculos antes de Cristo, reuniu essas "fontes" e redigiu esse livro. Essa pessoa não seria exatamente um autor, mas um redator: pegou textos daqui e dali e os reuniu, dando uma lógica e uma sequência. É claro que essa ação foi determinante, pois graças a ela temos o livro de Gênesis com a sua visão de conjunto. Todavia, as ideias teológicas de base derivam das "fontes", retomadas pelo redator.

 

As fontes da Hipótese Documentária - Wellhausen

A teoria que predomina é aquela levantada por Julius Wellhausen, que em âmbito acadêmico é dita  Hipótese Documentária. Ela propõe que os 5 primeiros livros bíblicos, o Pentateuco, derivaram de fontes independentes, que foram subsequentemente combinadas em sua forma corrente por uma série de redatores ou editores.

Esses documentos são conhecidos como fonte javista J, fonte eloísta E, fonte sacerdotal P ( em alemão, sacerdote é Priester, e em inglês é Priest) e a fonte deuteronomista D (recebe esse nome porque é a base do livro do Deuteronômio).

A grande contribuição de Julius Wellhausen foi a de ordenar estas fontes cronologicamente como JEDP, dando-as um ajuste coerente na evolução da história de Israel, que ele via como em ordem crescente com o aumento do poder e prestígio sacerdotal. A formulação de Wellhausen é a seguinte:

  • Fonte Javista (J): Escrita cerca de 950 a.C. no sul do reino de Judá.
  • Fonte Eloísta (E): Escrita cerca de 850 a.C. no norte do reino de Israel.
  • Fonte Deuteronomista (D): escrita cerca de 600 a.C. em Jerusalém, durante o período de reforma religiosa.
  • Fonte Sacerdotal (P): escrita em 500 a.C. pelos Kohanim (sacerdotes judeus), no exílio babilônico.

Nem todo mundo aceita cegamente essa hipótese desse famoso estudioso bíblico alemão. Com o tempo, algumas de suas ideias foram alteradas e modificadas por outros modelos paralelos, mas sua terminologia e sua intuição básica continuam a providenciar um referencial para as modernas teorias sobre as origens dos primeiros livros da Bíblia.

 

Para aprofundar

Nesse blog é possível ler um bom estudo sobre a hipótese documentária.

Sugiro também a leitura desse livro, do professor do Bíblico de Roma, Jean-Louis Ska: Introdução à leitura do Pentateuco.