Muitas coisas que lemos no Antigo Testamento nos parece fora do tempo, sem razão de ser e estranhas para um Deus bom, como aprendemos que Ele é. Isso faz com que nasçam perguntas como essa que você nos põe hoje. Tais perguntas são oportunas, mas é preciso prestar atenção na resposta, pois vamos nos deparar com a riqueza da Bíblia e descobrir a lógica da revelação divina.
Exatamente, a lógica da revelação divina. Sabemos que nós cristãos, como os judeus e muçulmanos, somos uma religião do livro, pois temos ao centro um livro, a Bíblia. Acreditamos que por seu meio Deus se revela, mostrando a sua vontade. Todavia, precisamos entender que, para nós cristãos, a revelação divina não é um ditato, uma voz que desce do céu e imprime as suas palavras literais sobre a Pedra e ali ficam para sempre, com o significado esculpido, rígido, fixo e determinado para todo o sempre. Para nós a revelação de Deus passa pela história humana; Deus se serve de pessoas para se revelar e essas pessoas são frutos de seu tempo e condicionadas por ele. Por isso, quando Deus fala no Antigo Testamento está usando pessoas que viveram em determinado período, com suas próprias circunstâncias que, de qualquer maneira "condicionam" a revelação.
Entender esse aspecto da revelação nos leva também a compreender como ela seja um processo: a compreensão humana de Deus vai crescendo com o tempo, até se revelar plenamente em Cristo. O Antigo Testamento é um percurso necessário que nos leva - também nós hoje - a compreender exatamente quem é Jesus, o Filho de Deus. Mesmo tendo a revelação plena em Cristo, não podemos prescindir de quanto é revelado no Antigo Testamento, pois ali se encontra o fundamento de tudo. Um fundamento pode estar escondido, não aparecer, mas não pode ser nunca eliminado; a consequência é a ruína da construção, da nossa fé, nesse caso. Podemos usar a metáfora do percurso da aprendizagem acadêmica da matemática: mesmo quem sabe fazer cálculos impressionantes, resolver problemas e contas complexas, não pode ignorar que lá no início aprendeu a somar 1 + 1. Pode parecer absurdo, mas essa simples soma é fundamental para resolver equações complexas e não pode nunca ser deixada para trás.
Em relação às ações violentas, contadas pelos autores sagrados como sendo vontade de Deus, obviamente hoje sabemos que não é assim, que Deus não pode querer a morte de alguém, pois é sumo amor e incapaz do ódio. Todavia, aquela revelação teve a sua importância naquele momento e não pode ser ignorada nem mesmo por nós, pois até hoje muitos matam pensando que seja a coisa melhor a ser feita e até mesmo invocando o nome de Deus para tal ação.
Também os sacrifícios, que precisariam ser tratados de uma maneira mais complexa, fazem parte desse percurso religioso de descoberta do real mistério de Deus.