Essa frase aparece no Pai Nosso, oração ensinada pelo próprio Cristo. Nos dois textos aonde ela é mencionada, usa-se o mesmo vocábulo grego para a questão que você põe. Segundo a Bíblia de Jerusalém, temos:
- Mateus 6,13: E não nos submetas (eisenenkēs) à tentação, mas livra-nos do Maligno
- Lucas 11,4: E não nos deixeis (eisenenkēs) cair na tentação.
Em ambos os casos, o verbo usado é eispheró, que efetivamente pode ter o sentido de "conduzir", "levar à". Sendo o mesmo vocábulo, é um tanto inexplicável por que o tradutor usou duas expressões diferentes. A Bíblia Almeida Revista e Atualizada traz "não nos deixes cair em tentação" em ambas as passagens, enquanto que a NTLH, nas duas passagens, traduz "não deixes que sejamos tentados".
A tradução em latim, que acompanhou a vida da igreja durante tantos séculos, usou a clássica expressão "inducas", que sublinha o fato que somos "induzidos", "levados" à tentataçao, reforçando esse sentido implícito no texto grego. Isso fez com que, durante muito tempo, muitos cristãos corressem o risco de perceber uma imagem perversa de Deus, que pode ser o autor da tentação. Mas é evidente que não é assim. Como então traduzir essa expressão?
Não é fácil traduzir essa expressão grega, pois o sentido do verbo efetivamente é aquele de "conduzir", "levar para dentro". Todavia, é preciso ter consciência que os autores bíblicos, mesmo escrevendo em grego, eram influenciados pelas línguas semíticas, que, às vezes, influenciavam a escolha não tão apropriada de vocábulos gregos. Em relação a esta passagem, os exegetas pensam que essa expressão tenha sua origem em um salmo in aramaico que se encontrou em Qumran, entre os manuscritos do Mar Morto, onde o fiel rezava: "faz com que eu não entre em uma situação difícil demais para mim". É isso que levou a igreja dizer em português "não nos deixeis cair em tentação". E essa é uma boa tradução para essa frase do pai nosso.
Deus não é o autor do mal
Embora não seja fácil traduzir a expressão original presente nos evangelhos, é preciso estar seguros de uma verdade: Deus não é o protagonista das tentações que se apresentam nas nossas vida.
Sob esse ponto de vista, a própria vida de Jesus tem muito a nos ensinar, pois ele se fez nosso irmão e sofreu ele mesmo as tentações e sentiu o quanto o Pai lhe estava próximo, mostrando como o nosso é um "Deus conosco" até as últimas consequências. E o nosso conforto reside exatamente na presença de Deus, nos momentos difíceis, quando o ser humano não consegue mais ser lúcido.
Essa verdade é confirmada pela própria Bíblia (Tiago 1,13-15):
Quando tentado, que ninguém diga: «Deus está me tentando.» Porque Deus não é tentado a fazer o mal nem tenta a ninguém.
Cada um é tentado pelo seu próprio desejo, que o atrai e seduz;
a seguir, o desejo concebe e dá à luz o pecado, e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.