Gênesis 11,27-32 tem como objetivo apresentar quem são os pais de toda a ração: Abrão e Sarai, cujos nomes em seguida serão mudados em Abraão e Sara. Apresenta também Nacor, o avô de Rebeca, e Ló, o pai dos moabitas e dos amonitas. Abraão, Nacor e Arã são irmãos e o pai deles é Taré.
Os filhos de Arã são Ló, Melca (em hebraico = milkāh) e Jesca (em hebraico = yiskāh). Melca se casará com o tio Nacor e serão os avós de Rebeca, futura esposa de Isaque (também seu tio), filho de abraão.
Como se vê, são detalhes bastante complicados para entender e mostram como eram bastante complicada as relações entre as pessoas, que muitas vezes se casavam dentro do próprio contexto familiar, coisa típica em uma população nômade, como eram os patriarcas na Bíblia (veja o quadro aqui).
Sara filha de Arã?
Aqui entramos no tema da sua pergunta. De fato, em Antiguidades Judaicas, livro em que o historiador judeu Flávio Josefo conta a história do seu povo encontramos uma passagem que transcrevo aqui (Livro 1, cap 6):
Abrão tinha dois Irmãos, Nahor e Haran. Deles, Haran deixou um filho, Lot, assim coo Sara e Micha suas filhas (...) Eles se casaram com as sobrinhas. Nabor se caous com Milcha e Abraão com Sarai.
É evidente a discrepância com o texto de Gênesis. Isso deve ser atribuído à tradição rabínica. Tipicamente, os rabinos, quando o texto bíblico é breve ou lacônico, tendem a dar interpretações que, aos poucos, fazem parte da tradição judaica. De fato, para os judeus a Palavra de Deus é escrita e oral, isto é, conta também como a tradição interpreta o que Deus revelou.
Em relação a esse texto, os rabinos dizem que Iscah é um outro nome para Sarai. Chegam a essa conclusão porque Sarai é vista como profeta, tão grande quanto Abraão. Profeta é como uma vidente e a raiz do nome Iscah tem o significado de alguém que vê. A implicação é que Iscah é um tipo de alter ego de Sarai, que quando profetizava se tornava “Iscah”.
Essa tradição se encontra recolhida no Targum Pseudo-Jonatã.
Portanto, aquilo que Flávio Josefo diz não contradiz com quanto está escrito em Gênesis, mas coincide com uma tradição rabínica muito bem conhecida por ele e que dá ulterior significado ao texto bíblico, sem ser contraditório.