1Samuel 16 conta a estreia de Davi na corte: Davi è ungido como rei pelo profeta Samuel, enquando ainda vivia Saul, o primeiro rei de Israel. Obviamente isso significa um conflito: como pode um reino ter dois reis? Como pode Deus ter abraçado Davi e rejeitado Saul?
Não sabemos bem como foi essa história, pois dependemos completamente do relato bíblico, que claramente sublinha a figura de Davi e para tanto precisa desprestigiar aquela di Saul. O escritor sagrado faz isso de várias maneiras. A primeira delas, a mais importante, contada em 1Samuel 14, é sublinhar como o rei Saul não obedeceu ao comando do Senhor de exterminar tudo aquilo que fosse tomando com a guerra. O rei não destruiu tudo o que consquistara, mas preservou o melhor do gado para sacrificar ao Senhor. Mas, lembrará Samuel, "a obediência é melhor do que o sacrifício" (1Samuel 15,22).
Outra modo de desprestigiar o primeiro rei de Israel, em favor de Davi, é dizer que foi assim que Deus decidiu, contrapondo o seu espírito bom a um mau, sempre mandado por Ele:
O espírito de Iahweh tinha se retirado de Saul, e um mau espírito, procedente de Iahwheh, o atormentava.
Será Davi que, tocando a arpa, acalmará Saul, quando atormentado pelo espírito mau.
Se por um lado essa menção ao "espírito mau" serve ao autor para justificar o protagonismo de Davi como rei de Israel, por outro nos mostra uma concepção muito difundida no mundo judeu, inclusive no tempo de Jesus, sobre os espíritos. Essa é, portanto, uma chance para entender a concepção que está por trás desse texto de 1Samuel.
O bem e o mal
Nós acreditamos que Deus é sumo bem. E, portanto, completamente alheio ao mal. Mas conforme a Bíblia, a realidade é mais complexa. Para alguns entre os judeus, Deus havia criado tudo "bom" e o ser humano com sua escolha havia deturpado tudo e a única solução de purificação seria o juízo final. Para outros judeus, com quem nós cristãos estamos intimamente ligados, o mal não tem origem humana, mas é uma realidade côsmica, que nasce na esfera celeste, com os "anjos caídos", que decidem vir à terra e geram os gigantes. Esse mal provocado pro criaturas celestes, pode ser combatico unicamente com outras criaturas celestes, sejam anjos (Miguel, Gabriel, Rafael e Uriel) ou o próprio Deus, que envia o seu filho para restabelecer a "bondade" original. Essa visão é preservada pela literatura apocalíptica (leia mais aqui).
Seguindo a linha dessa visão, o mal que aflige o ser humano não é exclusivamente terreno, mas tem sua origem última na esfera celeste, fruto de uma rebelião daquele âmbito. É por isso que o autor sagrado pode atribuir o mau espírito à esfera celeste, onde comanda Deus.