Embora ligadas entre si, a sua pergunta contempla elementos diferentes.
Dispensacionalismo
Esse é um esquema teológico de leitura da Bíblia, não tão ortodoxo, que sublinha o modo de Deus de gerir sua relação com a humanidade, sendo que para cada época específica Deus concede “dispensações” para a humanidade. Em prática, a relação de Deus com a humanidade é dividida por etapas e em cada uma delas Deus faz “arranjos de administração”, permitindo assim que a humanidade seja testada, para ser fiel à revelação específica para aquele determinado tempo. Não conheço e nunca estudei a fundo esse sistema teológico, mas alguns sites sublinham a tese da existência de sete dispensações: inocência (antes da queda), consciência (Adão a Noé), promessa (Abraão a Moisés), Lei (Moisés a Cristo), graça (Pentecoste ao arrebatamento), e o milênio. Nesse link você pode ver outros detalhes sobre essa teoria.
Em ralação à sua pergunta, esse tema está intimamente ligado à interpretação da Bíblia, visto que para os teólogos que defendem o dispensacionalismo sustentam também a interpretação literal da Bíblia, vendo um significado literal também nas passagens figuradas. A divisão da História da Salvação em “etapas” da intervenção divina permite ler literalmente, sem problemas de incoerência, a Bíblia, eliminando assim as dificuldades de interpretação típicas da exegese. Isso obriga, por exemplo, a ler o Antigo e Novo Testamento sem uma continuidade, sendo o Povo de Israel e a Igreja duas realidades sem nenhuma relação.
Leitura fundamentalista e literal
Embora não necessariamente a mesma coisa, essas leituras não aceitam interpretações daquilo que é escrito na Bíblia, mas tentam ver literalmente o que ali está escrito. Essas leituras não levam em conta diversos elementos, especialmente dois: o gênero literário e a lógica da revelação da Bíblia.
Um exemplo clássico é a leitura dos primeiros capítulos da Bíblia. A leitura fundamentalista e literal veem nesses textos uma descrição exata daquilo que aconteceu no início do mundo, retendo não confiável todas as explicações científicas que se foram descobrindo no decorrer dos séculos. Essas leituras defendem o criacionismo, a história tendo acontecido exatamente como contato em Gênesis.
Como você insinua na pergunta, obviamente isso provoca problemas. A ciência dá provas mais do que evidente de incongruências entre aquilo que se conta na Bíblia e o processo histórico. No calendário hebraico, por exemplo, a criação teria acontecido há 5 mil anos. Ao invés, sabemos bem que o ser humano existia já há 150 mil anos atrás e que a nossa vida e aquilo que nos circunda são fruto de um processo evolutivo.
O problema da leitura fundamentalista e literal é o fato de não se dar conta que a Bíblia é Palavra de Deus escrita por mãos humanas. Essa leitura não consegue entender a lógica divina, que se encarna na realidade humana, assumindo todos os seus limites, tanto temporais quanto de transmissão. Em outras palavras, a Palavra de Deus chega até inspirada por Deus, mas através de mãos humanas, que são inseridas em um determinado tempo, com limites de conhecimento, e usando instrumentos literários típicos do contexto em que vivem. Dito ainda de outra forma: se os mitos, naquele tempo, eram em uso para contar experiências de relação das pessoas com Deus, também os autores inspirados da Bíblia usaram esse instrumento literário. Nem tudo na Bíblia é escrito como um documento histórico: há poesias, há legendas, há epopeias, há escritos sapienciais, entre outros estilos literários. Cada estilo literário tem uma lógica própria e precisa ser lida de acordo com essa lógica. Dando um exemplo: um romance normalmente é uma história inventada, mas é normal lê-la tirando lições para a vida, pois mesmo sendo inventada, traz muita “verdade”. Tudo que a Bíblia diz é “verdade”, mas não “histórico”. Normalmente os fundamentalistas confundem essas duas coisas.