Existe nos leitores uma impressão de tensão entre o Antigo e Novo Testamentos, que apresentariam dois deuses diferentes, um bom, no Novo, e um violento, no Antigo Testamento. Jesus representa o Deus "bom", que ama sem condições, que dá a outra face, quando alguém o persegue. No Antigo Testamento, ao invés, Deus seria mal, que exige, por exemplo, que os inimigos conquistados em batalha, sejam todos massacrados (veja 1Samuel 15) ou que mata quem toca a Arca da Aliança. Poderíamos elencar um número grande de violência, presentes na história de Israel contada no Antigo Testamento, que parecem serem justificadas por Deus.
É normal que o leitor se interregue sobre essa incongruência entre essas duas presuntas atitudes divinas. Mas, como já pudemos sublinhar há algum tempo, é preciso reconhecer um nosso erro comum na concepção da revelação divina transmitida pela Bíblia. Existe uma verdade que é fundamental: Deus é sempre o mesmo, não muda; aquilo que muda é a concepção que os fieis têm de Deus. Aquilo que encontramos na Bíblia não é literalmente aquilo que Deus é, mas o processo de descoberta do que ele é, cujo auge se atinge com a encarnação de Cristo, contada pelos Evangelhos. Em outras palavras, a Bíblia conta um processo de revelação, que se desenvolve e se descobre passo a passo, com os limites típicos humanos.
O leitor bíblico tradicional pensa que é importante ler a Bíblia de maneira fundamental, mas precisa entender que Deus se revela aos poucos, no decurso da caminhada do seu povo escolhido. Concretamente, no decurso da própria história o povo de Israel pode ter entendido que era Deus que conduzia à morte os seus inimigos e assim colocou por escrito em alguns livros. Todavia, mais tarde, descobriu que não era assim, que Deus era autor da vida e provocar morte era, de consequência, algo contra a sua natureza. E isso também foi escrito na Bíblia.
Portanto, na Bíblia não há contradição, mas apenas a presença de um processo de descoberta de quem é Deus. Esse processo continua também hoje, com a discussão teológica, que é a fé que procurar entender a verdade sobre Deus.