O tema da violência que encontramos no Antigo Testamento (e também no Novo) é algo contraditório para nossa concepção. É normal encontramos questionamamentos como por exemplo, "por que o Deus do Velho Testamento é cruel, destruidor e vingativo e no Novo Testamento é paciente e misericordioso?" É nessa linha que vai a sua leitura do "ciúme" de Deus, como conta Deuteronômio 6,14-15:
Não sigam deuses estrangeiros, deuses de povos vizinhos, porque Javé seu Deus é um Deus ciumento que mora no meio de você. A cólera de Javé seu Deus se inflamaria contra você, e ele o exterminaria da face da terra.
Tivemos várias chances, aqui no site, de falar sobre a violência no Antigo Testamento. É claro que Deus nunca mataria alguém! Visto que criou o ser humano, todos, como poderia destruir a obra de suas mãos? Deus não muda: é o mesmo no Antigo e no Novo Testamento! Não existe um Deus bom no Novo e um mau no Antigo; é sempre o mesmo Deus. O que muda, então, visto que é evidente a diferença em alguns textos?
Aquilo que muda é a compreensão que as pessoas têm de Deus. No Antigo Testamento, nos primórdios da caminhada do povo, muitos pensavam que Deus era como um general que acompanhava o povo e se comportava como tal, com todas as lógicas dos comandantes de exércitos, também do ponto de vista militar: o inimigo devia morrer! A identificação de Deus com as lógicas humanas é dita "antropomorfismo". Nós não temos outras categorias do que aquelas nossas e por isso toda explanação sobre Deus é limitada por essas categorias, que mudam conforme a compreensão humana. Há algum tempo atrás se entendia Deus de uma maneira e, aos poucos, essa compreensão foi mudando, se aproximando, almejamos, da verdade. Essa é a lógica da revelação, que se torna plena em Cristo, que revela Deus na sua integridade.
A nossa visão da Bíblia, muitas vezes, não considera a lógica divina: Ele se serve do ser humano, da sua história, para se revelar. Deus não impõe de maneira autoridade a sua verdade, mas se revela, ensina o seu povo como faz um pedagogo: aos poucos, com paciência! A Bíblia não é um livro ditato por Deus, mas é Ele que se revela, servindo-se de mãos humanas, com todos os seus limites.
A compreensão de Deus por parte do povo de Israel segue um processo, muitas vezes lento. É essa compreensão que é transcrita na Bíblia. É por isso que encontramos diferentes "tipos" de Deus, pois são diferentes pessoas que falam de Deus. Embora inspirados pelo Espírito Santo, não são isentas dos limites próprios humanos.
Em síntesis, quando lemos que Deus ordena a morte, estamos diante de uma visão histórica de Deus, que não representa a integridade daquilo que Deus é, mas é a etapa de um processo de conhecimento e revelação de Deus.
Popular "Vontade de Deus"
Essa explicação não justifica a exclusão de certos livros da Bíblia, que poderíamos julgar como "velhos", "ultrapassados". Todos os livros bíblicos são importantes ainda hoje, para nós.
Tenho em mente certas pessoas exemplares, cristãos que têm muita fé e levam uma vida exemplar. Essas pessoas dizem, diante de uma desgraça ou um evento desagradável: "foi vontade de Deus". Essa atitude revela um fatalismo e uma visão de Deus como manipulador da história. Teologicamente é uma concepção errada, pois a desgraça nunca é vontade de Deus, mas consequência de escolhas individuais, mas também, muitas vezes, coletivas. Apesar disso, não deixaria de dizer que pessoas que usam frequentemente a expressão "foi vontade de Deus" são efetivamente exemplares. Elas têm uma visão limitada de Deus, teologicamente falando, mas têm igualmente uma grande fé, que pode nos servir de exemplo e nos colocar no caminho correto em direção a Deus. A mesma lógica poderíamos a plicar a certas passagens bíblicas. Elas vão compreendidas e contextualizadas, mas não excluídas, pois podem igualmente nos conduzir à Deus.