A Igreja católica reconhece na Bíblia a presença de 73 livros, dos quais 46 pertencem ao AT e 27 ao NT. As Igrejas evangélicas, invés, tem 7 livros em menos no Antigo Testamento, enquanto o Novo Testamento é igual em todas as Igrejas. O elenco dos livros inspirados é chamado, ao menos a partir do século IV d.C., com o nome de “cânon”, uma palavra que nos primeiros séculos do cristianismo significava norma, regra de fé e da verdade, sem uma explicita referência às Escrituras.
O vocábulo “cânon” é um descendente direto, através do grego e do latim, de uma palavra semita que significa “cana”(kaneh em hebraico) . Por ser longa, fina e reta, a cana pode ser usada para medir, como hoje usamos o metro; por isso, a palavra para cana veio a denotar uma vara de medida, depois, por extensão metafórica, uma regra, um padrão, uma norma. Com o tempo ela serviu tanto para ser uma medida quanto para representar padrão de alguma coisa, de norma de vida, por exemplo.
A partir do Sínodo de Laodicéia (360), os livros da Bíblia são chamados canônicos por que a Igreja os reconhece como normativos para a fé e para a vida dos fiéis sobre a base do seu conteúdo objetivo.
1 - Livros Deuterocanônicos e Apócrifos – Explicação da terminologia
Quando comparamos versões católicas e protestantes do AT, verificamos que as últimas enumeram 39 livros - como a Bíblia Hebraica - enquanto as católicas aceitam 46. Essa diferença tem originado uma confusa terminologia. Os livros controvertidos são os seguintes: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1 e 2 Macabeus, ao lado de partes de Ester e Daniel (i. é, Est 10,4-16,24; Dn 3,24-90; 13-14). Os católicos chamam esses livros de deuterocanônicos. O que houve foi uma certa hesitação acerca de tê-los universalmente aceitos como Escrituras. Ao contrário, os livros protocanônicos são aqueles sobre os quais nunca houve dúvidas na Igreja. Os livros deuterocanônicos do AT, ao lado de 3 e 4 Esdras e Oração de Manassés, são chamados de apócrifos pelos protestantes, isto é, “livros que não são colocados em pé de igualdade com as Escrituras Sagradas e, contudo, são úteis e bons para se ler”(Lutero). Certos livros do NT (Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas, Apocalipse), que, nos primitivos séculos cristãos, levantaram dúvidas ou hesitação em algumas partes são também chamados de deuterocanônicos, mas são aceitos agora por todos os cristãos.
O nome apócrifo é aplicado pelos católicos a certos escritos judaicos e cristãos que tiveram a pretensão à autoridade divina mas que, de fato, não são Escrituras inspiradas. Os apócrifos do AT são atribuídos a vários patriarcas e profetas e refletem as idéias religiosas e morais do mundo judaico do século II a.C. ao século I d.C. Os apócrifos do NT são de origem cristã e são atribuídos a apóstolos; eles refletem as crenças, doutrinas e tradições de certos círculos, tanto ortodoxos como heréticos dos primeiros séculos da Igreja.
Os apócrifos no sentido católico são designados por pseudepígrafos pelos protestantes.
2. A Formação do Cânon
A Igreja definiu formalmente a extensão do cânon no Concílio de Trento. Embora a questão seja colocada desse modo pelos católicos, não podemos prescindir da história da formação do cânon de ambos os testamentos.
2.1. História do Cânon do Antigo Testamento
No século I d.C., os judeus tinham uma coleção de livros que eles sustentavam serem inspirados por Deus e nos quais viam a expressão da vontade divina, uma regra de fé e de prática. Temos o testemunho de Josefo (Contra Apião 1,8), de 4 Esdras (14,37-48) e do Talmude. Esses livros incluem todos os nossos livros protocanônicos. Os livros eram distribuídos entre três divisões: Lei, Profetas e Escritos. Essa divisão parece testemunhar a crença numa cronologia dos escritos. O Pentateuco (a Lei) recebeu a sua forma final no século V e, desde o tempo de Esdras, os judeus aceitaram e reconheceram oficialmente a coleção como um código sagrado. A maioria dos livros que forma a segunda divisão teria sido aceita por volta do mesmo tempo. Contudo, a coleção não pode ter sido finalmente fechada até algum tempo depois do último dos profetas (o autor de Zc 9-14), século IV. O Eclesiástico afirma que a lista de livros proféticos estava completa antes de 180 a.C. (Eclo 46,1-49). Podemos dizer que a coleção profética foi fixada na primeira metade do século II a.C. O terceiro grupo parece ter se desenvolvido em torno da coleção dos Salmos. Cinco livro (os Megilloth = Rolos: Ct, Rt, Lm, Ecl, Est) eram lidos na liturgia das grandes festas. A obra do Cronista (Cr, Esd e Ne) vem no fim da lista. Podemos concluir que o grupo se formou entre o século IV e o fim do século II.
Deve ser notado que nenhuma das três coleções foi estabelecida por uma decisão oficial. Então não surpreende o fato de serem encontradas diferentes perspectivas. Os fariseus aceitavam as três coleções, mas os saduceus, por exemplo, consideravam apenas o Pentateuco como canônico. Por outro lado, em Alexandria e em Qumran (essênios) se acreditava que Deus ainda não tinha falado a sua última palavra e que uma mensagem inspirada ainda podia ser aceita. Assim, na Diáspora (judeus dispersos), foi acertado que os nossos livros deuterocanônicos tinham uma autoridade real e os essênios atribuíram símile poder aos livros de sua seita.
No tempo de Cristo, havia ainda alguma incerteza sobre a canonicidade de certos livros. Foi só depois da destruição de Jerusalém (70 d.C.) que um grupo de doutores judeus, que procurava preservar aquilo que restava do passado, se reuniu em Jâmnia (= Yavne, a uns 45 km a oeste de Jerusalém), por volta do ano 90 d.C., e aceitaram o cânon dos fariseus. Essa decisão talvez tenha sido tomada por causa dos cristãos que tinham adotado a Bíblia Grega (LXX). Por isso os nossos livros deuterocanônicos foram rejeitados. A decisão do Concílio de Jâmnia foi apenas para os judeus. No tempo da Reforma (século XVI) os protestantes, desejando fazer traduções diretamente do hebraico, terminaram por considerar o cânon judaico como o cânon autêntico.
A Igreja Cristã se desenvolveu no ambiente da Diáspora. Na prática, a Bíblia da Igreja foi a Bíblia grega; daí verificamos que as citações feitas no NT são normalmente da LXX e incluem citações explicitas de ao menos três livros deuterocanônicos: Eclo, 2Mc e Sb. Porém, de modo geral, a visão do Oriente era desfavorável aos livros deuterocanônicos. Assim o Concílio de Laodicéia, na sua lista de livros canônicos, enumera apenas os livros da Bíblia hebraica. De qualquer forma mesmo os Padres orientais admitiam que esses livros podiam ser lidos para a edificação dos fiéis e instrução dos catecúmenos.
No Ocidente, principalmente com a influência de Santo Agostinho, em reação a São Gerônimo e à atitude oriental, sempre se afirmou que os livros controvertidos eram canônicos. Portanto o cânon completo, como foi definido no Concílio de Trento pode ser datado de Santo Agostinho. Os orientais mais tarde mudaram de parecer quanto ao ponto de vista ocidental e no Concílio “em Trullo” (692) aceitaram o cânon inteiro.
2.2. História do Cânon do Novo Testamento
No início as palavras do Senhor e o relato de seus feitos eram repetidos e relatados oralmente, mas logo eles começaram a ser redigidos. Em sua obra missionária, os apóstolos tiveram a necessidade de escrever a certas comunidades. Pelo menos alguns desses escritos eram trocados entre as igrejas e logo ganharam a mesma autoridade dos escritos do AT. Contudo é compreensível que tenha decorrido algum tempo antes que a coleção desses escritos do tempo dos apóstolos tivesse tomado o seu lugar, com inquestionável autoridade, ao lado dos livros do AT, especialmente quando se considera que muitos eram escrito às igrejas individuais.
Os Evangelhos, mesmo não sendo os escritos mais antigos do NT, foram os primeiros a serem colocados em pé de igualdade com o AT e reconhecidos como canônicos. Por volta do ano 140, Pápias, bispo de Hierápolis, na Frígia, conhece Marcos e Mateus. Justino (c. de 150) cita os Evangelhos como autoridade. Hegésipo (c. de 180) fala da “Lei e Profetas e do Senhor”. Os mártires de Scilla, na Numídia (180) têm como escritos sagrados, “os livros e as epístolas de Paulo, homem justo”; somente o AT e os Evangelhos eram chamados de “Livros”, isto é, escrituras. Os escritos dos Padres Apostólicos fornecem certa prova de que desde as primeiras décadas do século II, as grandes igrejas possuíam um livro ou grupo de livros que eram comumente conhecidos como “Evangelho” e a que se fazia referência como a um documento que tinha autoridade e era universalmente conhecido.
É provável que já pelo fim do século I ou começo do século II, treze epístolas paulinas (excluindo Hebreus) fossem conhecidas na Grécia, Ásia Menor e Itália. Todos os manuscritos e textos das epístolas paulinas resultaram de uma coleção que se harmoniza com nosso Corpus paulinum. É verdade que as primitivas coleções mostraram variações na ordem das epístolas, mas o número de escritos permanecia o mesmo. Não há citação de Paulo que não seja tirada de uma das epístolas canônicas, embora seja certo que o Apóstolo escreveu outras cartas. Assim por volta do ano 125, havia dois grupos de escritos que possuíam a garantia apostólica e cuja autoridade era reconhecida por todas as comunidades que os possuíam.
Sobre os outros escritos temos poucos relatos na primeira metade do século II. Clemente conhecia Hebreus; Policarpo conhecia 1 Pedro e 1 João; Pápias conhecia 1 Pedro, 1 João e Apocalipse. Na segunda metade do século, Atos, Apocalipse e, pelo menos, 1 João e 1 Pedro eram considerados canônicos; eles tomaram o seu lugar ao lado dos evangelhos e das epístolas paulinas.
Podemos notar quatro fatores que influenciaram a formação do cânon do NT: 1) os muitos apócrifos que a Igreja rejeitou; 2) a heresia de Marcião, que tinha estabelecido o seu próprio cânon, o qual consistia de um Lucas corrigido e das epístolas de Paulo (excluindo as pastorais e Hebreus); 3) os heréticos montanistas, que reivindicavam revelações adicionais do Espírito Santo; 4) a grande abundância de escritos gnósticos;
As dificuldades sobre alguns escritos podem ser justificados por alguns motivos: o fato que alguns escritos do Novo Testamento eram em origem destinados às comunidades locais envolvidas em problemas particulares; as dificuldades de comunicação entre as comunidades; abusos da parte de correntes heterodoxas (o uso do Apocalipse pelos milenaristas); as incertezas sobre a conformidade com o pensamento apostólico de alguns escritos (por exemplo, a carta de Judas que cita o livro apócrifo de Enoch).
Admite-se geralmente que no começo do século III o cânon do NT incluía a maioria, se não todos, dos livros canônicos. A lista mais antiga que possuímos é aquela do fragmento muratoriano, documento descoberto na Biblioteca Ambrosiana, em Milão, em 1740; ela registra os livros que foram aceitos em Roma por volta do ano 200. Não se faz nenhuma menção a Hebreus, 1 e 2 Pedro, 3 João e Tiago. Os papiros de Chestes Beatty, primeira metade do século III, contêm todos os escritos do NT, exceto as Epístolas Católicas. Pode ser notado que Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas não foram aceitos imediatamente no Ocidente, enquanto Hebreus e Apocalipse encontraram a mesma oposição no Oriente.
Na segunda metade do século IV Cirilo de Jerusalém, o Concílio de Laodicéia e Gregório nazianzeno comprovaram a existência de todo o cânon, menos o Apocalipse; enquanto Basílio, Gregório de Nissa e Epifânio incluíam o último também. Atanásio, em 367, enumera todos os 27 livros e pode ser dito que, desde aquele tempo, o cânon estava fixado. . A canonicidade do Apocalipse, embora discutida por alguns teólogos nos séculos V e VI, foi finalmente aceita sem questionamento, em parte sob a influência do Ocidente, onde nunca houve qualquer dúvida com respeito a ela.
A origem apostólica de Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Apostólica foi questionada até Erasmo (1536). Hoje, quase todos os exegetas concordam que Hebreus e 2 Pedro não foram escritas pelos apóstolos e que o autor de Tiago não é o apóstolo do mesmo nome, ao passo que a autenticidade de João, Apocalipse e algumas das epístolas paulinas é amplamente questionada.
O Magistério tomará uma posição sobre o cânon, tanto do NT quanto do AT, no concílio de Florença (1441), fornecendo o elenco dos livros bíblicos segundo o cânon longo; no concílio de Trento (1546) que definirá, depois de qualquer discussão, o cânon de Florença.
3 - Os Critérios de Definição do Cânon
Em que coisa a Igreja se apoia para definir o cânon dos livros sagrados? Uma primeira resposta, que precisa uma reflexão, nos é dada pelo último concílio, segundo o qual é “a mesma tradição que faz a Igreja conhecer o cânon dos livros sagrados” (DV 8). Porém a tradição precisa, por sua vez, de critérios para ter certeza de qual tradição se trate: por exemplo, se esteja em jogo a tradição apostólica, ou simplesmente uma tradição eclesiástica.
Esta é a questão dos critérios de canonicidade que foi objeto de disputas sobretudo a partir do século XVI com Erasmo e com os protestantes. Erasmo espalhou as dúvidas dos primeiros séculos sobre a origem apostólica de Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse, e de algumas perícopes evangélicas, tais como Mc 16,9-20; Lc 22,43s; Jo 7,57-8,11. Estas seções foram submetidas ao juízo do Concílio de Trento que, depois de ter exibido o elenco definitivo da Bíblia, declarou: “Se alguém não aceitar como livros sagrados e canônicos estes livros, inteiros com todas as suas partes, assim como se é costume lê-los na Igreja católica e se encontrem na edição antiga da Vulgata latina, e desprezará as preditas tradições, seja anátema” (DS, 1501).
Lutero considerava secundários, em relação ao testemunho dado a Cristo, os mesmos escritos rejeitados por Erasmo e os colocava no fim de sua tradução em alemão da Bíblia. Movido por um evangelismo radical, Lutero considerava que o critério determinante para reconhecer um escrito canônico fosse o seu urgere Christum (propor energicamente, fazer valer Cristo), o seu levar e comunicar Cristo (was Christum treibt). Escrevia Lutero: “Isso que não ensina Cristo, não é apostólico, mesmo se o ensinassem Pedro ou Paulo. Vice-versa, isto que anuncia Cristo é apostólico, mesmo se o fazem Judas, Ana, Pilatos ou Herodes”. Em resumo, para Lutero era determinante o critério cristológico que lhe fazia dizer: “Enquanto os adversários fazem valer a Escritura contra Cristo, nós fazemos valer Cristo (urgemus Christum) contra a Escritura”.
Não podemos negar que a fixação do cânon é um ato da Igreja, ou da Tradição, que opera na Igreja. O concílio de Trento acrescenta para a definição do cânon dois argumentos: o uso de ler determinados livros na Igreja e a sua presença na Vulgata latina. Na verdade esses dois argumentos servem para dizer que se reconhecem como canônicos aqueles livros que a tradição da igreja lê.
A tradição dos primeiros séculos deveu articular os próprios critérios de canonicidade. Eles são três: a autoridade apostólica, enquanto livros escritos pelos apóstolos ou por seus colaboradores diretos; A ortodoxia dos escritos, enquanto conformes à regra de fé, ou seja, à fé transmitida pelos apóstolos e professada na Igreja apostólica; a catolicidade dos escritos, enquanto reconhecidos por todas ou maior parte das igrejas.
Repetimos de novo a pergunta: de onde vem a certeza para a Igreja sobre os livros canônicos? É claro que à Igreja não foi dada uma revelação especial sobre isso. Assim a resposta é: a Igreja, querendo exprimir fielmente a mensagem de Cristo, reconheceu sempre mais claramente a insuperável importância daqueles 27 escritos que lhe eram transmitidos desde a idade apostólica.
3 - A Questão do “Cânon no Cânon”
Em época recente o problema da canonicidade se apresentou no mundo protestante como questão do “cânon no cânon”. A questão pergunta se alguns livros têm maior valor do que outros e que implicações isso tem.
Já observamos que Lutero, em nome da pureza do evangelho, i. é, da capacidade das Escrituras de comunicar Cristo, atribuía um papel secundário às cartas de Tiago, Judas, Hebreus e ao Apocalipse. Ao lado disso, no nosso século o teólogo protestante A. Harnack formulou a teoria do “Protocatolicismo” (fruhkatholizismus), segundo a qual em alguns escritos cristãos do século II se encontrariam traços característicos do catolicismo com respeito às concepções de ministério ordenado, dogma e sacramentos. Para o estudioso alemão isso significaria uma degeneração que iniciou quando o cristianismo se aliou com o helenismo e a Igreja teve que dar uma forma rígida a sua concepção de ministério, a sua doutrina e disciplina. Para outros, como R. Bultmann, o protocatolicismo teria começado já no NT, especialmente com as cartas a Timóteo e a Tito. Para Bultmann o NT refletiria uma multiplicidade de concepções dificilmente conciliáveis entre si e por isso a unidade interna do cânon bíblico se torna problemática. Outros, em gênero discípulos de Bultmann, individuaram outros elementos protocatólicos no NT, como o enfraquecimento da tensão escatológico nos escritos de Lucas, a exclusão de interpretação privada das Escrituras, claramente anunciada pela 2Pt 1,20, uma certa adaptação moral ao mundo, especialmente ao que concerne a relação com as autoridades políticas. Diante disso alguns, como E. Kasemann e H. Conzelmann, sentirão a necessidade de individuar o centro do NT para estabelecer uma hierarquia no interior dos próprios livros bíblicos, ou seja, um cânon no interior do cânon.
Tal juízo cai no risco de se tornar um princípio seletivo que poderia conduzir a excluir alguns livros do cânon comumente aceito. Por isso não faltaram as reações dentro do próprio mundo protestante. O. Cullmann observou, por exemplo, que qualquer escolha dentro do cânon é necessariamente subjetiva e arbitrária. Por isso ele propõe que a História da Salvação seja o elemento unificante de toda a Bíblia.
Nem mesmo à Igreja católica deve escapar esta questão. Ela deve perguntar-se se ela, no defender a definição de Trento sobre a integridade do cânon, não tem insistido demais na idêntica autoridade de todos os escritos bíblicos. Certamente a afirmação da idêntica canonicidade de todos os livros é válida na medida em que se assume um conceito formal de canonicidade: todos os escritos da bíblia têm para a Igreja valor canônico e autoridade, mas precisa prestar atenção ao problema do idêntico valor dos escritos canônicos. Em fato a Igreja se refere de preferência a determinados textos bíblicos, como diz a Dei Verbum: “Ninguém esqueça que, entre toda a Escritura, também do NT, os evangelhos se sobressaem” (n. 18).
O que afirmamos (católicos) não é a questão do “cânon no cânon”, pois isso poderia ser uma nova empresa na linha de Marcião, mas precisamos reconhecer que nós hoje não temos condições de julgar a validade dos escritos que se direcionavam a cristãos em situações muito diversas da nossa. É lógico que alguns livros da Bíblia têm maior valor que outros (cf. DV 18, UR 11). Mas isso não significa que se deva introduzir uma distinção no cânon bíblico, como se houvesse livros inspirados e livros não inspirados, ou livros mais inspirados e livros menos inspirados.
O acolhimento de todos os livros bíblicos com todos as suas partes não contradiz a exigência de interpretar a Escritura partindo do seu centro hermenêutico, Cristo. O fato que a Igreja permaneça fiel a todo o cânon não significa que cada particular proposição ou passo bíblico exprima, na mesma medida, a palavra de Deus.
O Cânon bíblico
- Estudo
- 91442
- 13/12/2005
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