Há duas fontes bíblicas importantes para entender e aprofundar esse tema: Gênesis e Paulo.

O primeiro livro da Bíblia, no capítulo 3, com a a ajuda de elementos simbólicos, tenta descrever como foi possível que o pecado entrasse no mundo. Gênesis apresenta isso com grandes imagens, com aquela visão das duas árvores, da serpente, do homem pecador. Essa imagem só nos pode fazer imaginar o que é o pecado, mas não pode explicar aquilo que é em si mesmo ilógico. Na prática não podemos contar como aconteceu que o pecado entrasse no mundo, que fato foi esse, pois é uma realidade mais profunda, que permanece obscura; o mal não é lógico.

À ilógica do mal, Paulo antepõe o dado de fato de que o ser humano não só é curável do mal, mas de fato já o foi, pois Deus introduziu essa cura, opondo à fonte permanente do mal uma fonte de bem puro: Cristo crucificado opõe às trevas uma luz definitiva.

 

Teologia paulina

Para entender a teologia sobre o pecado original, desenvolvida a partir da reflexão paulina, precisamos entender bem a relação entre Criste e Adão conforme foi traçada pelo apóstolo dos gentios, especialmente em Romanos 5,12-21. Nesses versículos encontramos as orientações essenciais relativas ao pecado original. Podemos, aliás, partir da Carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 15,22.45), quando ele, ao tratar da fé na ressurreição, faz um confronto entre Adão e Cristo:

 "Assim como todos morrem em Adão, assim também, em Cristo, todos serão vivificados... O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente:  o último Adão é um espírito vivificante".

Na Carta aos romanos esse confronto se torna ainda mais claro, quando Paulo explora a história da salvação, de Adão, passando pela Lei e até Cristo. A coisa importante é que Paulo não sublinha Adão e as consequências do pecado sobre a humanidade, mas destaca a graça que foi dada à humanidade através de Cristo. A graça supera a desgraça do pecado de Adão assim como as suas consequências sobre os seres humanos. Tanto que Paulo, pra confirmar a superioridade de Jesus em relação ao primeiro homem, finalmente afirma:

 "Onde, porém, abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5, 20).

Ao afirmar a Graça que recebemos através de Cristo, Paulo menciona o pecado que  "por causa de um só homem, entrou no mundo e, com o pecado, a morte" (Rm 5, 12).

Isso tudo nos ensina a íntima relação entre esse dois temas: a salvação de Cristo e o pecado. O pecado original é inseparável da salvação e da liberdade em Cristo. Paulo fala do pecado só porque quer destacar a salvação em Cristo. Portanto, nunca deveríamos tratar o pecado do primeiro homem separando-o do contexto salvífico da justificação em Jesus. É a ação de Cristo que ressalta a natureza e existência do pecado.

 

Podemos ainda falar em Pecado Original? E o que é?

Muitos pensam que esse tema ficou caduto depois da afirmação da história da evolução humana. Se o homem evoluiu, não haveria lugar para a doutrina de um primeiro pecado que, em seguida, se espalhou em toda a humanidade. Para mim é claro que se colocamos isso em dúvida, estamos colocando também em dúvida a questão da redenção e do redentor, que perderia o seu fundamento.

No fim das contas, existe ou não pecado original? Para dar uma resposta, é imprescindível entrar no âmago da doutrina sobre o pecado original. Em relação a isso, existe primeiro de tudo um aspecto concreto, que podemos perceber. Esse aspecto se verifica no fato que existe uma contradição no nosso ser: sabemos que deveríamos fazer o bem, mas dentro de nós existe um impulso a fazer o contrário, ser egoísta, agir com violência, contra o próximo, contra a vontade de Deus. Paulo sintetizou isso com a famosa frase que encontramos em Romanos 7,18-19:

 "Quero o bem, que está ao meu alcance, mas realizá-lo não. Efectivamente, o bem que quero, não o faço, mas o mal que não quero é que pratico".

Isso não é uma teoria, mas algo que constatamos todos os dias. E infelizmente constatamos, vendo as notícias quotidianas, o prevalecer desse impulso contrário à vontade de Deus. E quando vemos todo esse mal que impera, muitas vezes reagimos: isso não é humano! É como se existisse uma força que envenena a história humana. Blaise Pascal classificava isso de "segunda natureza", que está sobre a nossa natureza que é boa, originária. Embora seja verdade que também se diga que "errar é humano", isto é, existe uma segunda natureza que convive conosco. Ou seja, o mal aparece como uma segunda natureza nossa. Essa contradição que vivemos provoca o anseio por salvação, que está em toda parte, pois todas as esferas da sociedade almejam um mundo mais justo, que busca a libertação da contradição que é incinta em nós.

Não podemos, portanto, negar que dentro de nós e da humanidade existe o mal. Seria importante continuar a reflexão tentando explicar de onde ele vem. Sabemos que essa não é uma tarefa fácil e continuamos apenas para destacar alguns elementos, sem querer ser exautivos.

Fora do cristianismo, é normal falar que o ser humano tem dentro de si o bem e o mal, ambos originais do ser humano, próprios de sua natureza. Essa concepção pode ser dualista (duas coisas que coexistem como partes da nossa natureza) ou monista, isto é o ser humano é contemporaneamente aberto ao bem e ao mal. Aquilo que os cristãos chamam de "pecado original", aplicando essa concepção seria simplesmente o caráter misto do ser, uma mistura de bem e de mal, típicos do ser humano.

Essa visão tem um tom pessimista de base: o mal é algo que existe e é invencível, com o qual devemos conviver. Para nós cristãos isso é inconcebível.

A teologia cristã, apoiada pela visão de Paulo, confirma a competição entre as duas naturezas. O mal simplesmente existe. Mas ao contrário da visão explicada acima, para os cristãos existe apenas um princípio, que é o bem, sem sombra do mal: o Deus criador. O ser humano não é uma mistura de bem e mal, mas é como tal bom. Existe uma única fonte boa, que é o Criador.

Há outro mistério, que é a escuridão, as trevas. O mal não vem da fonte própria do ser, não tem a mesma origem, mas é resultado de uma liberdade cirada, de uma liberdade abusada. Não sabemos como isso aconteceu e portanto, é uma coisa que permanece obscura, misteriosa. Como dito, não podemos explicar, mas apenas tentar, como faz Gênesis 3.

Embora permaneça esse mistério da escuridão, nós cristãos temos o mistério da luz. O primeiro é subordinado ao último; Deus, com sua luz, é mais forte. E por isso o mal pode ser superado e a "doença" do ser humano pode ser curada. Essa é a grande diferença entre uma visão ateia e uma visão cristã do mal. E, como já dito acima, o ser humano já foi curado, pois Deus introduziu a cura, quando entrou pessoalmente na história, com a vitória de Cristo sobre o mal.