Temos a seguinte narração da morte de Jesus, conforme contado por Lucas 23,44-46:
Era já mais ou menos a hora sexta quando o sol se apagou, e houve treva sotre a terra inteira até à hora noma, tendo desaparecido o sol. O véu do santuário rasgou-se ao meio, e Jesus deu um forte grito: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito". Dizendo isso, expirou.
João não dá todas essas informações. Marcos repete a mesma coisa, mas Mateus 27, 51-52, a esses dados, acrescenta:
a terra tremeu e as rochas se fenderam. Abriram-se os túmulos e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram
É essa passagem que menciona o terremoto. Esse fato não é mencionado nos outros 3 evangelhos, embora o rasgar-se do véu do templo em duas partes, mencionando em Lucas e Marcos, possa ser visto como consequência de um terremoto.
Sabemos que houveram fortes terremotos na história da Terra Santa, embora não tenha acontecido de recente. Há notícias de locais destruídos por cismas. Mas é provável que isso não tenha acontecido no momento da morte de Cristo. Visto a falta de concordância nos evangelhos, é provável que a presença do terremoto em Mateus seja simplesmente uma criação literária, obviamente com uma intenção bem específica, que precisa ser encontrada no Antigo Testamento.
Em relação, às trevas, lemos no livro do profeta Amós 8,8:
E sucederá que, naquele dia, diz o Senhor Deus, farei que o sol se ponha ao meio-dia, e a terra se entenebreça no dia claro.
Portanto, os evangelistas mencionam esse elemento como o cumprimento das profecias, a realização daquilo que Deus prometeu.
O tema do terremoto, ao invés, é muito particular de Mateus e está intimamente ligado à manifestação divina, a teofania (veja 1Reis 19). De fato, Mateus não fala de terremoto apenas no momento da crucificação. Na tempestade do Lago, em 8,24, acalmada por Jesus, normalmente lemos "grande agitação", mas no original grego aparece " seismós", que é o vocábulo para terremoto. Essa "agitação" provoca uma tempestade acalmada por Jesus. Também quando Jesus entra em Jerusalém, evento celebrado no "domingo de ramos", acontece um terremoto, como contado em 21,20. Também aqui se diz em nossas traduções que "a cidade se agitou", mas o termo grego usado é aquele que designa terremoto e a tradução correta seria "teve um terremoto na cidade". Esses usos evidenciam que com "terremoto" Mateus quer sublinhar a intervenção divina.
Portanto, embora evocando o evento natural do terremoto, no momento da crucificação, Mateus apresenta essa realidade como um sinal que evoca aqueles efeitos emocionais de medo ou terror que esse fenômeno natural traz consigo, mas que deve ser entendido como um gênero literário que transmite, paradoxalmente, um conteúdo de tipo positivo: é uma forma de dizer como a salvação de Deus se manifesta de forma chocante, imprevisível e incontrolável.