Resumi a pergunta, mas quero ser fiel ao nosso leitor e reproduzo aqui abaixo, na íntegra, a sua pergunta:
Visto que as descobertas recentes - e que não param de chegar - dos manuscritos do Mar Morto impõem por vezes uma nova fraseologia para o texto do Velho Testamento, onde é possível fazer um apanhado de tais descobertas a fim que nos seja possível emendar por notas de rodapé as nossas bíblias? Há alguma bíblia recomendável, nesse sentido, que traga todas as opções textuais versículo a versículo, incluindo também o siríaco e a LXX?
A resposta é positiva, pois existem sim bíblias que recolhem todas as variantes de textos que existem. Infelizmente não é de fácil acesso e também não é fácil de entender todo o material que ali encontramos. Essas bíblias são ditas “versões críticas” e existem uma para o Antigo Testamento e outra para o Novo Testamento. Na verdade existem diferentes versões, mas as mais famosas são ambas da Deutsche Bibel Gesellschaft:
- Antigo Testamento: Biblia Hebraica Stuttgartensia
- Novo Testamento: Novum Testamentum Graece, Nestle-Aland
O texto dessas versões é basicamente aquele que os tradutores usam para traduzir, por exemplo, para o português. Você pode encontrar esse texto aqui, mas infelizmente não está disponível o aparato crítico, que talvez é aquilo que lhe interessaria. Veja abaixo uma foto que mostra como é o texto do primeiro capítulo da Bíblia. Na parte superior está o texto escolhido pelo editor, com várias notas que você encontra na parte inferior, que dizem quais são as variantes existentes.
Alargando o horizonte
A sua pergunta encontra resposta no âmbito de uma ciência chamada “crítica textual”. Essa ciência, aplicada à Bíblia, procura identificar qual é o texto original dos autores dos livros bíblicos. Parte-se do fato que nós, hoje, temos somente textos que foram copiados e que não são materialmente aqueles deixados pelos autores. Se são cópias, podemos nos perguntar: o texto é o mesmo que o autor escreveu? Alguém poderia tê-lo mudado? Se isso aconteceu, qual é o original? Essa é a pergunta a qual a crítica textual procura dar uma resposta.
Essas perguntas se tornam muito mais eloquentes quando, como no caso de Qunrãm, manuscritos antigos com textos bíblicos são descobertos. Quando isso acontece, confirmada a antiguidade do texto, se verifica se coincide ou difere do texto bíblico que temos. Às vezes acontece que não coincide e então os espertos são chamados para estudar o caso e propor uma resposta: qual é o original, aquele que temos ou essa nova versão encontrada.
Esse trabalho pode parecer fantástico e, para pessoas pouco conhecedoras do assunto, pode ser também escandaloso. Todavia, o que acontece é que o texto bíblico que temos foi muito bem transmitido e são poucos os erros, são poucas as passagens de nossas bíblica que podem ter algo que não coincide com aquilo que o autor escreveu; a maioria desses “erros” são simples preposições, pequenos acréscimos ou outros detalhes que praticamente não mudam em nada o sentido do texto. As bíblias mais modernas, aquelas feitas por equipes de biblistas, já vem com esses detalhes corrigidos conforme as novas descobertas. Só aquelas bíblias mais tradicionais, feitas antes da metade do século passado, podem ainda não ter contemplado os resultados da crítica textual.
Um exemplo
Há vários de textos bíblicos que contém variantes e são analisados pela Crítica Textual. Menciono aqui um muito emblemático, que influencia o final da nossa oração do Pai-Nosso:
- Ave Maria, CNBB, Pastoral: e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
- Almeida Revista e atualizada: e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!
De onde vem essa frase entre parênteses? É original? Consultando o aparato crítico, vemos que essa frase aparece em muitos manuscritos, porém todos de pouco valor para determinar um texto como original. Ao invés, essa frase não aparece em manuscritos importantes, como o Sinaítico e o Vaticano. Portanto, conclui-se que essa frase foi algo que se acrescentou em um segundo momento.
Para completar seu estudo, veja essa introdução já publicada aqui no site.