Francisco completmenta a sua pergunta acrescentando:
Desde pequenino que me ensinaram que Deus é amor, bondade, paz. No entanto, na Sagrada Escritura, Ele aparece, muitas vezes, vingativo, maldoso, sem piedade e incapaz de perdoar, como em Levítico 26,15-34.
As duas afirmações que você faz nesse texto aqui acima são verdadeiras: tanto ensinaram bem a você sobre a bondade intrínseca de Deus quanto é verdade que na Bíblia existem passagens que mostram a violência atribuída a Deus. E nós nos encontramos no meio desse fogo cruzado, no meio dessa neblina que precisa ser esclarecida.
Partimos do fato que efetivamente Deus é bom, é o sumo bem. E como não podemos atribuir a mentira a Deus, nele não pode existir a maldade e todas as suas derivações. Portanto, é necessário entender os textos que atribuem a violência como uma iniciativa divina. Para entender essa questão precisamos esclarecer a lógica da revelação.
A Revelação na Biblia
As Sagradas Escrituras dos judeus e dos cristãos, Antigo e Novo Testamento, não foram ditadas por Deus, mas escritas durante o processo vital do povo de Deus, desde os patriarcas até a revelação plena em Cristo. Deus transmitiu sua mensagem usando imagens humanas, servindo-se de pessoas concretas, como um pedagogo. Para uma criança que entra na escola, o professor começa dizendo como fazer uma simples adição, 1 + 1; só no decurso da sua caminhada, o professor ensinará a fazer equações complicadas. Essa metodologia faz parte da pegadogia. Deus também foi um pedagogo, tomando o sue povo como uma criança, ensinando a ele a sua mensagem aos poucos.
Trocando em miúdos, poderíamos dizer que Deus se explicou de maneira pacata, aos poucos, usando costumes e recursos limitados, inseridos em um contexto humano vital. Deus "se limitou". Na verdade, as passagens bíblicas que atribuem violência a Deus fazem parte dessa lógica, no sentido que são maneiras de ver Deus, mas não necessariamente verdades objetivas divinas. Em determinada época da história dos hebreus, Deus foi visto como um general que conduzia o povo à guerra, que se comportava como um militar tradicional. Aos poucos, os próprios hebreus foram percebendo que o "ser general" de Deus não era exatamente igual à imagem humana, mas que transcendia a esta.
Entender esse aspecto da revelação nos leva a compreender como ela seja um processo: a compreensão humana de Deus vai crescendo com o tempo, até se revelar plenamente em Cristo
Valor do Antigo Testamento
A tentação que deriva dessa descoberta é descartar tudo o que é "velho": se agora sabemos que Deus é bom, conforme é evidente no Novo Testamento, por que precisamos ler textos como esse que você citou, aonde aparece a terrível ameaça da maldição divina contra aqueles que não observam seus mandamentos? É uma questão importante, mas podemos estar certos da importância até hoje, mesmo para nós cristãos, do Antigo Testamento.
O Antigo Testamento é um percurso necessário que nos leva, repetindo, também nós hoje a compreender exatamente quem é Jesus, o Filho de Deus. Mesmo tendo a revelação plena em Cristo, não podemos prescindir de quanto é revelado no Antigo Testamento, pois ali se encontra o fundamento de tudo. Um fundamento pode estar escondido, não aparecer, mas nunca pode ser eliminado; a consequência é a ruína da construção, da nossa fé, nesse caso. Como mencionei acima, podemos usar a metáfora do percurso da aprendizagem matemática: mesmo quem sabe fazer cálculos impressionantes, resolver problemas e contas complexas, não pode ignorar que lá no início aprendeu a somar 1 + 1. Pode parecer absurdo, mas essa simples soma é fundamental para resolver equações complexas e não pode nunca ser deixada para trás.