Essa realidade é conhecida como “segredo messiânico” e é típica do evangelho de Marcos. Em algumas passagens desse evangelho encontramos a estranha atitude de Jesus que surpreendentemente exige o silêncio, por exemplo, depois de ter curado um doente ou uma pessoa possuída pelo demônio (1,44; 5,43; 7,36; 8,26) ou impõe a mesma coisa aos “espíritos impuros” (1,25.34; 3,12) e até mesmo aos apóstolos (8,30; 9,9). É natural que nos perguntemos o porquê dessa ordem de proibir a difusão da Boa Nova da salvação oferecida a tantas pessoas que sofrem? E tudo isso se torna ainda mais desconcertante se considerarmos a índole desse evangelho, que é aquela de ser o evangelho dos catecúmenos, o evangelho mais querigmático, centrado no anúncio da boa nova de Cristo. O que será que impede que se passe do reconhecimento do messianismo de Jesus à sua proclamação?
Essas são perguntas que se acrescentam à sua, mostrando quanto complexo é este tema. Podemos tentar responder observando que o Jesus de Marcos está sempre a caminho, sempre "à frente", escapando dos esquemas, podendo defini-lo quase “liso”. Quando pensamos tê-lo conhecido, descobrimos que ele está sempre "além", chamando-nos irresistivelmente para segui-lo. É nesse contexto que podemos explicar a lógica dessa tensão entre o revelar e esconder, entre a necessidade de proclamar o evangelho e a ordem de não o fazer. Marcos parece querer se afastar de uma proclamação feita muito rapidamente... Segundo Marcos, não é suficiente ter compreendido quem é Jesus; somente aquele que está pronto para entregar a própria vida e seguir o Mestre no caminho da cruz está em condições de anunciar o Evangelho.
Na verdade, Marcos não narra apenas quem é Jesus. Ele está interessado em mostrar quem é o verdadeiro discípulo. Em sua narrativa, a cristologia está em primeiro plano, mas é inseparável da eclesiologia. E o “segredo messiânico” engloba e esconde essa lógica típica de Marcos: não basta ter visto o poder de Deus para anunciá-lo. Anuncia dignamente o Evangelho quem está disposto a “perder sua vida” por causa dEle (veja Marcos 8,35).