A pergunta enviada, na íntegra, segue aqui embaixo:

Para os cristãos o período profético termina com João Batista e a vinda de Jesus, certo? E para o povo hebreu o período profético também terminou com o último livro da coleção Nebiim? Ou ainda está aberto e continua até a vinda do Messias? Eles reconhecem que YHWH ainda está enviando profetas ou não mais? Em outras palavras, para os israelitas houve um período profético preciso com início e fim?

------------

Em linhas gerais, poderíamos dizer que tanto para cristãos quanto para os judeus, a “profecia bíblica” terminou. Nesse caso entendemos “profecia” como pessoas carismáticas em torno das quais se criou uma tradição, primeiro oral e depois escrita, dos seus ditos e profecias. Não é fácil dizer, nesse caso, quem foi o último dos profetas. Do ponto de vista cristão, considerando os livros bíblicos tidos como “proféticos”, o último profeta seria Daniel, por que o livro que leva seu nome teria sido escrito por volta do ano 160 antes de Cristo, mesmo sendo sua profecia ambientada em contexto anterior. Os primeiros profetas, em ordem cronológica, seriam Amós e Oseias, por volta de 750 antes de Cristo. E logo em seguida Isaías, cuja vocação é colocada em 740 a.C. (Is 6,1). Sob essa perspectiva, portanto, o primeiro profeta seria Oseias e o último Daniel.

Temos, porém que considerar que na Bíblia Hebraica, o conjunto dos livros proféticos inclui também livros que consideramos como “históricos” (Josué, Juízes, Samuel, Reis), enquanto que o livro de Daniel é considerado como “escrito” e não pertence ao grupo dos profetas (veja nessa resposta um quadro com a diferente divisão entre Bíblia Cristã e Bíblia Hebraica). Sob essa perspectiva, teríamos que considerar os profetas clássicos presentes nos livros históricos, tais como Samuel, Natã, Elias, Eliseu, etc. que vieram antes de Amós e Oseias. E, tirando Daniel, teríamos que incluir provavelmente Joel e Jonas como últimos livros proféticos, escritos por volta dos anos 350-300 a.C. Portanto, do ponto de vista da divisão da Bíblia Hebraica, o primeiro profeta seria Samuel e o último Jonas.

Essa explicação abrange um ponto de vista bastante teórico e serve para uma resposta didática. Todavia, o simples fato de considerar como profeta pessoas que não escreveram livros, como é o caso de Elias e Eliseu e também João Batista, “um homem enviado por Deus”, que veio “para dar testemunho da luz” (João 1,6-7), revela que a questão é muito mais complexa e tem a ver com a definição de profeta.

A palavra hebraica para profeta é navi, que tem ligação com o verbo “proclamar”. Outro vocábulo usado é hoze e ro’e, que significam “vidente”. Parece não ter diferença entre esses dois termos, principalmente considerando Samuel e Amós.

Talvez com Samuel, Natã e Elias, vemos a passagem de uma forma profeta mais “vulgar” para uma forma de profetismo literário. Quem sabe poderíamos dizer que o “profeta literário” não existe mais, mas o ministério profético não terminou, pois o Espírito Santo continua agindo e levando as pessoas a proclamar a Boa Nova, tanto entre cristãos quanto entre os judeus. Na tradição bíblica, o “profetismo literário” foi absorvido pela corrente apocalíptica.

Sem aprofundar muito o tema, acenemos que o judaísmo rabínico não considera a profecia e profetas como uma realidade suprimida, todavia é uma realidade que precisa ser enquadrada sob a perspectiva da Torá, os 5 primeiros livros da Bíblia, vista como a revelação definitiva da vontade de Deus. Assim, o judaísmo rabínico dá à profecia um lugar de importância, mas apenas como um fenômeno do passado.

Mesmo assim, analisando a história judaica intertestamentária, vemos que no período helenístico os judeus falam de profetas e também no tempo dos romanos. No tempo dos Macabeus, como conta 1Mc 14,41, havia uma grande esperança em um “profeta fiel”, que deveria surgir. João Hircano, que reinou de 135 a.C. a 104 a.C., foi visto como alguém que cumpria essa expectativa e Flávio Josefo o chama de Profeta. Na verdade, esse historiador chama de profetas também alguns zelotas que combateram contra Roma e também um certo Jesus, filho de Ananias, que no ano 62 previu a destruição do templo e a derrota dos judeus contra Roma.

Esse provavelmente é o contexto que nos deve ajudar a ler Atos 2,17, quando Pedro, depois do Pentecostes, fala à multidão, recordando o profeta Joel:

Sucederá nos últimos dias, diz Deus, que derramarei do meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão”

Paulo nos ensina, porém, que no final, ficam só a fé, a esperança e a caridade. “Quanto às profecias, desaparecerão (...) Pois o nosso conhecimento é limitado, e limitada é a nossa profecia” (1Coríntios 13,8-9).