Essa tradição nasce a partir de um texto que aparece na Carta de Judas, no Novo Testamento, nos versículos 8-10, onde se lê:
Ora, estes agem do mesmo modo: na sua alucinação conspurcam a carne, desprezam a Autoridade e injuriam as Glórias. E, no entanto, o arcanjo Miguel, quando disputava com o diabo, discutindo a respeito do corpo de Moisés, não se atreveu a pronunciar uma sentença injuriosa contra ele, mas limitou-se a dizer: " O Senhor te repreenda!" Mas estes injuriam o que não conhecem; por outra parte, as coisas que conhecem fisicamente, como os animais irracionais, só servem para perdê-los.
Este texto evoca uma antiga tradição judaica segunda a qual o Arcanjo Miguel luta com o Diabo para pegar o corpo de Moisés, logo após a sua morte. Essa tradição se encontra na obra apócrifa “Assunção de Moisés”. Não é um texto bíblico, mesmo se vários Padres da Igreja, entre os quais Clemente de Alexandria e Origens, a mencionam. É uma obra que se perdeu.
Para entender a construção dessa história e descobrir por que Satanás queria o corpo de Moisés, podemos nos apoiar em outro texto bíblico, a quarta visão do profeta Zacarias, que se encontra em Zacarias 3,1-2:
Ele me fez ver Josué, sumo sacerdote, que estava de pé diante do Anjo de Iahweh, e Satã, que estava de pé à sua direita para acusá-lo. O Anjo de Iahweh disse a Satã: "Que Iahweh te reprima, Satã, reprima-te Iahweh, que elegeu Jerusalém. Este não é, por acaso, um tição tirado do fogo?"
Aqui também o “Anjo do Senhor” defende o servo de Deus, Josué, contra Satanás. É provável que esse tema era recorrente na tradição judaica, que via como o Senhor protege o justo. Aliás, essa é a mesma mensagem que podemos vislumbar na Carta de Judas: o justo, mesmo diante da morte, é protegido pelo Senhor, através do seu anjo, que tira o fiel das mãos do diabo, príncipe do inferno. Mas mesmo nesse caso, o anjo não teve a ousadia de tirar o papel de Deus, que é o único que pode julgar, e não proferiu contra satanás um juízo que o condenava.