A pergunta é mais complexa do que aquela apresentada acima. Assim foi a resposta que recebemos:

Encontrei um conflito na genealogia de Jesus. Creio que Ele é descendente de Adão, criado por Deus. Mas Mateus 1,16 diz que Jacó gerou José, esposo de Maria, mãe de Jesus. Lucas 3,23 diz que Jesus era filho de José, filho de Eli... Como entender essas diferenças?


A resposta mais correta é que as duas listas de ascendentes de Jesus não pretendem ser uma explicação biológica, mas uma demonstração da ação de Deus na história humana. Isso já se nota no Antigo Testamento, quanto as genealogias de grandes personagens não apresentam uma lista de ancestrais biológicos (veja Gênesis2,4; 5,1; 6,9).

Analiso aqui, com bastante detalhe, para comprovar a tese apresentada acima, a genealogia que se encontra em Mateus 1.

Para uma visão mais breve, pode ler essa resposta.

 

Genealogia de Jesus em Mateus

Por exemplo, analisando Mateus, vemos em Mt 1,1 três títulos aplicados a Jesus: Messias, Filho de Davi e Filho de Abraão. Por trás desses títulos estão os temas básicos do relato da infância:

  • Messias: sublinha que em Jesus as esperanças messiânicas do povo judeu são cumpridas.
  • Filho de Davi: esta é uma questão que surge novamente quando o anjo aparece a José. Mt está interessado em apresentar José como um descendente de Davi que aceita Jesus como seu filho.
  • Filho de Abraão: Abraão é o pai da comunidade judaica; um personagem ligado à aliança de Deus com seu povo.

Em poucas palavras, Mateus compilou as genealogias não para mostrar quem eram os avós de Jesus (na verdade, não coincide com a genealogia de Lucas), mas para mostrar que Jesus é o filho de Davi e o filho de Abraão.

Segundo Mt, os dois antepassados - Davi e Abraão - e o último descendente - Jesus - são a prova do plano de Deus na história humana. A genealogia, portanto, não pretende ser uma explicação biológica, mas uma demonstração da ação de Deus na história humana.

Uma prova disso é a divisão em três seções de catorze gerações cada uma.

  • De Abraão a Davi: período pré-monárquico da história de Israel.
  • De Davi a Jeconias: período monárquico.
  • De Jeconias a Jesus: do desaparecimento da monarquia até Jesus.

Outra prova dessa lógica se encontra na presença de mulheres na genealogia. No AT, é um fato muito incomum. No capítulo 5 do livro de Gênesis, nenhuma mulher aparece na genealogia de Adão. O mesmo pode ser visto em Rute 2,18-22:

Esta é a posteridade de Farés: Farés gerou Hesron. Hesron gerou Ram e Ram gerou Aminadab. Aminadab gerou Naason e Naason gerou Salmon. Salmon gerou Booz e Booz gerou Obed. E Obed gerou Jessé e Jessé gerou Davi.

Por que Mt apresenta estas 4 mulheres: Tamar, Raab, Rute e Betsabeia? O que as quatro têm em comum com Maria? Por que não outras mulheres?

  • Todas têm uma união pouco "comum" com seu marido. Duas delas eram, de alguma forma, prostitutas. Mesmo que sua presença na genealogia pudesse ofender algumas sensibilidades, elas tornaram possível a linhagem do Messias.
  • Todas desempenharam um papel decisivo na execução do plano de Deus.

Maria também tem uma união "anômala" com José. Ela fica grávida antes do casamento e isso é escandaloso. Mas na verdade, além das aparências, é uma questão de intervenção de Deus para completar seu plano. Observemos uma diferença qualitativa: no AT Deus intervém para superar uma irregularidade moral enquanto com Maria intervém por causa da ausência de José na sua gravidez.

Encontramos outra explicação secundária: as quatro mulheres do AT são estrangeiras: Tamar e Raab são cananeias, Rute é moabita e Betsabeia é parente do povo hitita. Este fato não está diretamente relacionado com Maria, mas tem a ver com a intenção de Mt de apresentar um Messias que traz salvação também aos não-judeus, que, como estas mulheres, fazem parte do povo de Abraão e dos planos de salvação de Deus.

A genealogia consiste em 3 conjuntos de 14 gerações? Na verdade, existe 13 gerações, de Abraão a Davi. Temos que contar que Abraão também foi gerado; esta seria a primeira geração implícita. Dessa forma poderíamos contar 14.

Há 14 gerações no segundo bloco, mas nas listas presentes em outros livros do AT, há cerca de 16 gerações (1Cr 3,10-14). O erro provavelmente vem da semelhança entre os nomes Ozias ou Ahazias e Ocozias ou Azarias.

1Cr 3,10-13

Filhos de Salomão: Roboão; Abias, seu filho; Asa, seu filho; Josafá, seu filho; Jorão, seu filho; Ocozias, seu filho; Joás, seu filho; Amasias, seu filho; Azarias, seu filho; Joatão, seu filho; Acaz, seu filho; Ezequias, seu filho; Manassés, seu filho; Amon, seu filho; Josias, seu filho.

Mt 1,7-11

Salomão gerou Roboão, Roboão gerou Abias, Abias gerou Asa, Asa gerou Josafá, Josafá gerou Jorão, Jorão gerou Ozias, Ozias gerou Joatão, Joatão gerou Acaz, Acaz gerou Ezequias, Ezequias gerou Manassés, Manassés gerou Amon. Amon gerou Josias, Josias gerou Jeconias e seus irmãos por ocasião do exílio na Babilônia.

* Há 13 gerações. Implicitamente, há outra geração no início: Joaquim gerou Jeconias. Ou seja, a última geração do segundo grupo contém um erro. Josias não gerou Jeconias. Mas o texto grego do AT usa ioakim para se referir aos dois personagens (2Cr 36,1-8; 2Rs 23,31ss).

 

E a genealogia de Lucas?

Mateus não concorda com Lucas em dois aspectos:

a) A fórmula de enunciar:

  • Mt: A era o pai de B, B era pai de C.
  • Lc: A era o filho de B, B o filho de C.

b) Lc acrescenta os ascendentes de Abraão e vai até Adão, filho de Deus. A sua genealogia também apresenta mais nomes do que a de Mt em seus três blocos.

As diferenças estão nos dizendo duas coisas:

  • Do ponto de vista biológico, apenas uma das duas genealogias poderia ser correta, mas provavelmente nenhuma delas é.
  • Na verdade, ambas estão corretas de acordo com sua função em seus respectivos evangelhos: Mateus quer enfatizar a apresentação de Jesus como o messias davídico; Lucas quer mostrá-lo como o filho de Deus.

Permanece, então, a pergunta: Jesus era ou não um descendente de Davi? Não temos provas definitivas, mas podemos pensar que isso não foi uma invenção.