Em Salmo 147,5 lemos que o entendimento de Deus é incalculável. Isso sintetiza aquilo que em outro momento apresentamos aqui no site sobre a onisciência de Deus.
Diante dessa convicção teológica muitos, como você, se interrogam, pois essa característica divina aparentemente entra em contradição com o nosso dia a dia e, sobretudo com nossa prática religiosa. Por exemplo, falando de oração, que sentindo existe ter que pedir a Deus se Ele já sabe daquilo que precisamos (veja Mateus 6: o Pai de vocês sabe do que é que vocês precisam, ainda antes que vocês façam o pedido)? Ou, como você insinuou na pergunta, por que criar um ser humano que depois será um fracasso?
Diante dessas evidências, não encontramos uma resposta para suas perguntas. Infelizmente, é provável que não temos palavras que lhe satisfará plenamente. Isso me convida a propor um salto de qualidade na reflexão sobre esse tema, sinalando 2 aspectos que servirão para a nossa meditação.
1. O limite do nosso conhecimento de Deus
Uma característica típica nossa é a vontade de ter respostas para tudo, especialmente no que diz respeito à esfera divina. Quando falamos de Deus, tentando responder às perguntas que nos são feitas, usamos sempre palavras tradicionais do nosso dia a dia. Por exemplo, dizemos que Deus é como um pai, que governa a história como um rei, que sabe tudo... Tudo isso são experiências típicas humanas e as usamos para descrever quem é Deus. Todavia, embora tendo se encarnado e tornado um de nós, Deus, na sua natureza, é completamente diferente do ser humano. As categorias humanas nos dão uma simples ideia de como poderia ser Deus, mas são sempre limitadas e inadequadas para expressar com exatidão o que e como Deus é. A busca de uma resposta sobre uma temática divina deve ser acompanhada pela certeza de que nunca conheceremos exatamente qual é a resposta. Como diz Paulo, por ora vemos como num espelho; veremos exatamente como tudo é apenas quando estivermos diante de Deus. Portanto, não se iluda de saber tudo sobre Deus e esteja aberto a aumentar o seu entendimento a respeito, sabendo que nunca será aquele perfeito e completo.
2. A categoria humana do tempo
Essa questão que quero apresentar pode parecer um tanto filosófica, mas creio encontrar nela uma hermenêutica muito importante para a compreensão do modo de ser divino. Sabemos que Deus é eterno. Por isso Ele não pode ser ligado a um tempo, isto é, não pode ser prisioneiro de um tempo. Embora pareça ser evidente a existência de um passado e futuro para nós, é provável que para Deus exista apenas o presente. Santo Agostinho refletiu muito sobre isso, principalmente na obra chamada “Confissões”. Ele chegou a afirmar que o passado e o presente não existem, visto que o primeiro não é mais existente, já se foi, enquanto o segundo ainda não existe, deve vir. Mas a sua reflexão não é assim tão simplicista. Ele, depois de tantos questionamentos, conclui que o tempo é uma questão subjetiva: ele existe na mente humana porque é exatamente isso que espera, considera e relembra. O tempo é uma dimensão do mundo criado e a sua realidade é aquela da criatura.
Aplicando especialmente o tópico segundo à nossa busca sobre a onisciência divina, poderíamos pensar que para Deus não tem um “antes” e um “depois” e assim não podemos dizer que Deus “antes” sabia o que aconteceria no futuro; Deus está continuamente vivendo o presente, o eterno. Cria o homem e a mulher e vive aquele momento intensamente, com toda a confiança no ser humano, sem se condicionar por aquilo que será. Cria os anjos e não pensa: “no futuro um deles será meu inimigo”. Deus é “Agora” e nunca “ontem” e “amanhã”.