Reproduzimos aqui a pergunta na sua íntegra:
Os que não acreditam na Bíblia falam que é um livro feito por homens, sem inspiração divina. Um dos questionamentos é: um dos pergaminhos mais antigo é do século lll ou lV, um pequeno fragmento, como muitos outros. Então como a Bíblia é completa, senão pelas adições posteriores? Por que a maioria dos pergaminhos vieram do Egito? Não há pergaminho em lugares que os apostos missionavam? Tem resposta a essas questões?
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São vários os tópicos nessa sua pergunta, mas todos relacionados com uma questão fundamental: existe o texto original da Bíblia? Essa é uma pergunta cuja resposta é dada pela crítica textual, uma verdadeira ciência que tem como objetivo descobrir qual é o texto original da Bíblia. O ponto de partida é o fato de que não temos em mãos nenhum texto que saiu da ‘caneta’ do autor dos livros bíblicos, mas tudo o que temos é fruto da transmissão, cópias de escribas que, graças a seu trabalho, fizeram com que a Bíblia tenha chegado até nós. Mas vamos passo a passo, entrar no mérito das questões que você põe.
Bíblia, livro de mãos humanas
Em certo sentido, essa afirmação é verdadeira. O autor da Bíblia, nós acreditamos, é Deus, que todavia usou pessoas concretas para escrever aquilo que queria transmitir. A Bíblia não foi ditada, mas Deus, poderíamos dizer, limitou-se a pessoas inseridas dentro de um contexto particular, limitadas pelas condições e aspectos inerentes à realidade em que viviam. Através do Espírito Santo, iluminou essas pessoas para que escrevem a sua vontade, que se revelou aos poucos e não ex abrupto: a revelação é um processo, cujo auge é atingido em Cristo.
Para nós que temos fé, a Bíblia é palavra de Deus, escrita por mãos humanas, mas inspirada por Deus. Portanto não é mera literatura, mas como uma carta enviada por Deus a nós, através da qual Deus nos comunica algo que não sabíamos, revela quem ele é e nos faz um apelo para que abraçamos sua mensagem. É provável que quem não tem fé a considere simples literatura.
Manuscritos mais antigo da Bíblia
Como dissemos, não temos os originais escritos pelos autores bíblicos. Por isso, as edições se baseiam em manuscritos, que podem ser mais completos ou simples pedaços que contém poucas frases ou até mesmo palavras. Sabemos que o Antigo Testamento foi escrito, a maioria dos textos, em hebraico, e o Novo em grego. Por isso precisa distinguir entre manuscritos do Novo e do Antigo Testamento.
Você menciona “pergaminhos do século III e IV”, como sendo os mais antigos. Há muitos manuscritos antigos, que não se limitam à época que você cita. Em relação ao Antigo Testamento, temos um amuleto que é de 650 anos antes de Cristo, e cita o texto de Números 6,22-27. Além disso, quantos textos do Antigo Testamento foram descobertos em Qumran, no Mar Marto, naquela que era provavelmente a biblioteca dos essênios. Temos, por exemplo o livro de Jeremias encontrado nesse local, cujo manuscrito provavelmente é de ao menos 200 anos antes de Cristo. Em relação ao Novo Testamento, temos um pequeno papiro, dito P52, que traz o texto de João 18,31-33, que é do início do primeiro século depois de Cristo, por volta do ano 120, cerca de 30 anos depois da escritura dessa obra pelo autor.
Esses poucos exemplos são suficientes para demonstrar como a datação dos manuscritos não são tardias como você cita na pergunta, mas é muito varia. É provável que você faça menção ao Código Sinaítico, a Bíblia em grego encontrada no Mosteiro Santa Catarina, aos pés do Monte Sinai, no Egito. Esse código, isto é, uma obra que contém junto vários livros da Bíblia (antes cada livro era independente), teria sido transcrito por volta do Século IV. Ele é muito importante principalmente para o Novo Testamento. Traz também o Antigo Testamento, mas traduzido ao grego. Poderíamos dizer, pulando detalhes específicos, que esse é o “Novo Testamento” mais antigo encontrado com os livros juntos. Mas notamos que existiam textos mais antigos do Novo Testamento, presentes em outros manuscritos. Um paralelo ao Código Sinaítico para o Antigo Testamento, com os livros do AT todos juntos, é a Código de Leningrado, que é do ano 1.008 depois de Cristo. Esse era o texto base para a Bíblia em Hebraico, mas isso foi revolucionado com a descoberta de Qumran, graças a qual hoje temos disponível a maior parte do AT em hebraico que são da metade do primeiro século antes de Cristo.
A maioria dos pergaminhos são do Egito?
Infelizmente não é verdade. Há pergaminhos e papiros de todas as partes. O Código Sinaítico provém do Egito, de um mosteiro cristão, mas há textos importantes que são principalmente de Israel (Mar Morto) e manuscritos hoje conservados em diferentes partes do Mundo: Vaticano, São Petersburgo, Londres, Israel, etc. No Egito, especificamente em Alexandria, existia uma grande comunidade de judeus antes de Cristo. Ali foi traduzido Antigo Testamento, cerca de 2 séculos antes de Cristo, do hebraico para o grego e certamente essa presença e tradição é fundamental para a descoberta do texto original da Bíblia. Além disso, no final do Século XIX, foram encontrados em uma Geniza (um ‘armário’ dos livros sagrados) de uma sinagoga de Cairo, importantes arquivos medievais, de grande ajuda para a Crítica Textual. Mas, repetindo, os manuscritos provêm de todas as partes da região do Mediterrâneo.
Bíblia assim graças às adições posteriores?
O que a crítica textual consegue nos dizer é que os textos que temos são muito conforme ao texto que saiu da ‘caneta’ do autor. A Bíblia que chegou até nós é algo extraordinariamente preservado graças a um processo de transmissão, de cópia em cópia, muito fiel e respeitoso do original. Temos milhares de manuscritos e há algumas discordâncias entre eles. Mas são de verdade pouco significantes e os instrumentos que temos hoje nos ajudam a identificar os erros dos copistas. Em relação ao Antigo Testamento, os textos críticos, a Biblia Hebraica Suttgartensia, trazem uma nota a cada 10 palavras, isto é, 90% do texto não tem nenhuma variante, comparando os vários manuscritos. Em relação ao Novo Testamento, conforme o Greek New Testament, que soma um total de 6900 palavras, 500 palavras têm alguma variante, isto é, 7% do texto. Uma variante é uma diferença textual entre um manuscrito e outro, que pode ser uma grafia diferente, uma palavra acrescentada ou omitida. São poucas as variantes significativas na Bíblia. É certo que nenhuma doutrina ou posição teológica depende de uma variante textual.
Podemos dizer, portanto que a Bíblia que temos em mãos é autêntica e o texto que chegou até nós é verdadeira Palavra de Deus.