Como você bem nota, constatando que o livro conta a morte do juiz e profeta, Samuel não é o autor dos dois livros que levam o seu nome. Essa realidade demonstra como é difícil atribuir um autor aos livros do Antigo Testamento. Isso por que não existia naquele tempo uma vontade de ser exaltado através a autoria de uma obra literária, como pode acontecer hoje em dia, mas apenas o desejo de passar uma mensagem importante para o público ao qual era dirigido o escrito. Para dar autoridade ao escrito, muitas vezes se usava o nome de uma persona importante. Essa tática se chama pseudoepigrafia (do grego pseudès - falso - e epigraphè, inscrição). Atribuir uma obra a um personagem ilustre, que viveu antes da obra ser escrita, que era bem conhecido, tem como objetivo chamar atenção dos leitores e dar autoridade ao texto.
Na Bíblia, os dois livros de Samuel estão inserido dentro de uma grande unidade literária, que a Bíblia Hebraica chama de Profetas Anteriores: Josué, Juízes, 1 e 2 Samel e 1 e 2 Reis. Essa classificação é justificada pelo fato que uma tradição judaica diz que esses livros teriam sido escrito por 'profetas': Josué teria escrito o livro que leva o seu nome; Samuel teria escirto Juízes e Samuel e Jeremias seria o autor de Reis. Mas hoje em dia ninguém defende mais essa tradição e nasceram várias hipóteses que tentam desvelar quem é o autor desses livros.
Na verdade não se sabe quem é o autor. A hipótese mais apoiada hoje em dia é que esse livro faz parte de um grande projeto que conta a história de Israel, desde a saída do Egito até o fim de 2Reis. Esse autor seria chamado "deuteronomista" e a história contada nesses livros é dita "História Deuteronomística". Recebe esse nome porque põe sua base no livro do Deuteronômio, onde se justifica historicamente a doutrina da eleição de Israel e a teocracia que dela resulta. Portanto, o livro do Deuteronômio faria parte desse grande conjunto e só mais tarde foi separado, tendo sido incluído entre os livros do Pentateuco.
Em relação a 1 e 2 Samuel, é importante lembrar que eles formavam um único livro na Biblia Hebraica. A divisão veio só mais tarde, quando o livro foi traduzido para o grego. Essa tradução, além do mais, uniu Samuel aos dois livros dos Reis, chamando esses livros de "4 livros dos reinos". A traduçao em Latim, a Vulgata, ao invés mudou o nome deles, e os chamava de "4 livros dos Reis".