A questão do leitor, Flaviano, é mais complexa do que a simples pergunta que você pode ler acima. Ele articula assim a sua intervenção:
Você escreveu um livro querendo tentar me explicar sobre a liberdade de comer carne de porco, mas em nenhum momento usou versículos bíblicos para provar realmente onde Jesus Cristo diz que "liberou o consumo de carnes imundas". Sei que a minha salvação está na graça de Cristo, mas só que se eu não aceitar ou amar eu não terei salvação pois Jesus não nos obriga a salvação. Ele quer que nos entreguemos por AMOR próprio, e não vejo nenhuma forma a não ser OBEDECER a Deus para provar meu amor a Ele. E Deus deixou as carnes imundas e puras conforme levíticos 11. As escolhas são nossas e as consequências também...
Se você achar na PALAVRA DE DEUS, na BÍBLIA SAGRADA um lugar que diz que está liberado por Deus comer carnes imundas, como a do porco, rato, cachorro etc., você irá me responder. Caso contrário, peço que não mande resposta conforme sua opinião, pois eu respeito as pessoas ao meu redor, mas sobretudo respeito a Deus. E se vier com aquele versículo que Jesus diz que não é o que entra que contamina, mas o que sai, você irá perder tempo, pois se ler o texto inteiro irá saber que não tem nada a ver com carne imunda e sim com a forma de respeitar as MÃOS SUJAS dos discípulos. Digo isso pois muitos que não aceitam a verdade de Deus já me vieram com esse versículo querendo tampar o sol com peneira... Que Deus lhe abençoe na vida e no aprendizado.
As colocações do nosso leitor representam uma visão comum entre vários cristãos, leitores da Bíblia. E, para nós, é uma oportunidade única para caminhar juntos nisso que ele chama de “aprendizado”. É fundamental, todavia, que estejamos abertos a esse caminho e consigamos nos livrar de fundamentalismos que bloqueiam o crescimento espiritual. E digo, citando o texto que você encontra no final dessa resposta: "Não consideres impuro o que Deus tornou limpo!"
No site temos algumas respostas sobre o tema da “carne de porco”. Diretamente, é provável que o leitor se refira a essa resposta, dada há algum tempo. Convido também a ler o que já foi escrito sobre o tema "puro e impuro", para alargar o próprio entendimento.
O que está em jogo é como deve comportar-se o cristão diante das regras de pureza, cujas bases se encontram principalmente em Levíticos e em Deuteronômio.
Essas regras definem o que é o alimento kasher, ou seja, “idôneo”. Os judeus, principalmente aqueles ortodoxos, até hoje seguem essas normas, que são bem mais extremas do que o simples não comer carne de porco. Indicamos algumas:
- carne e laticínios não podem ser consumidos na mesma refeição, nem cozinhados juntos.
- Carne e peixe podem ser comidos na mesma refeição, mas antes de passar de um ao outro, precisa lavar a boca com um poco de vinho.
- Para cozinhar alimento Kasher, não é possível usar utensílios usados para alimentos não kasher.
Em relação aos animais, essas são as regras:
- animais ruminantes que têm um casco rachado. A vaca, bezerro, ovelha, cabra são permitidos; o coelho, porco, camelo ou cavalo são proibidos, assim como os répteis e insetos.
- aves, tais como frangos, são permitidas. As aves de rapina, por outro lado, são proibidas.
- peixes que possuem tanto barbatanas quanto escamas podem ser comidos, enquanto outros, como crustáceos e inclusive caviar, são proibidos.
Acrescenta-se a tudo isso, a regra segundo a qual não podemos de nenhuma maneira comer o sangue. Portanto todo animal que comemos deve ter o sangue completamente tirado antes de ir para a mesa.
Essa visão panorâmica mostra claramente que os alguns cristãos que pretendem conservar as regras que distinguem os judeus, baseadas na legislação do Antigo Testamento, não se dão conta da complexidade da questão e se distinguem por uma visão muito limitada sobre o tema.
Novo Testamento
Para os biblistas é evidente que o texto de Marcos 7 está falando do tema da pureza, que é o denominador comum com a questão dos animais impuros que não podem ser comidos, pois deixa a pessoa “não idônea”. Sinto muito quando alguém descarta a possibilidade de ler as palavras de Jesus dando a ela toda a amplitude que lhe é intrínseca. Não se trata de uma interpretação pessoal, mas fruto da reflexão teológica cristã de mais de milênio.
Marcos 7,14-15
Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Quem tem ouvidos para ouvir ouça”.
A intepretação desse texto no contexto da pureza dos alimentos é algo que encontramos aplicado já na comunidade cristã apostólica. E aqui você, que questiona as palavras de Jesus conforme transmitidas por Marcos, encontra a confirmação que buscava. Coloco o texto de Atos dos Apóstolos 10 e deixo a reflexão seguir espontaneamente.
Atos 10,9-17
No dia seguinte, quando eles se aproximavam da cidade, Pedro subiu ao terraço para orar; era meio-dia. Tinha fome e, enquanto lhe preparavam o almoço, teve uma visão. Viu o céu aberto e um grande pano, pendurado pelos quatro cantos, pousar no chão. Dentro havia toda a espécie de animais da terra, répteis e aves do céu. Uma voz disse-lhe: “Levanta-te, Pedro, mata e come!”
“Nunca, Senhor!”, declarou Pedro. “Jamais comi na minha vida qualquer coisa que fosse impura ou imunda.”
E a voz tornou a dizer-lhe: “Não consideres impuro o que Deus tornou limpo!” A mesma visão se repetiu três vezes, até que o pano foi de novo puxado para o céu.
Pedro ficou a pensar naquilo. Que queria dizer semelhante visão? Que deveria ele fazer?