Essa pergunta provavelmente vem do fato que os evangelhos falam que essa mulher, que sofria uma perda de sangue, gastara muito com os médicos. Marcos diz que ela gastou todos os seus bens em vão. Lucas diz que os gastos com os médicos eram injustificados, pois ninguém a podia salvar. É verdade que gastar dinheiro com médicos não era normal na classe pobre, mas pode ser também que os evangelistas que contam esse fato sublinham os esforços que ela fez com os médicos para ressaltar o milagre de Jesus, o único que a podia salvar.
Em síntese, não sabemos se era rica ou não. Todavia, com certeza trata-se de uma mulher que sofria, há muito tempo (12 anos) não só pela doença, mas também pela exclusão que essa doença provocava. Esta doença, de fato, entrava no casuísmo legal de impureza ritual e social, como diz uma passagem explícita da Lei bíblica: "A mulher que tem um fluxo de sangue por muitos dias, fora do tempo da menstruação, ou que o tem mais que o normal, será impura durante todo o tempo do fluxo, como durante sua menstruação" (Levítico 15,25).
Sabemos que o sangue, que na Bíblia é considerado a sede da vida, constituía um tabu de intocabilidade em Israel, como atestado ainda hoje pela proibição da transfusão de sangue pelas Testemunhas de Jeová. Esta mulher, naturalmente, havia tomado o caminho da medicina, mas os tratamentos haviam sido totalmente ineficazes e assim, durante um longo período (o número 12 é simbólico, na Bíblia). É curioso notar que no Evangelho de Lucas, o autor, um médico de profissão segundo São Paulo (Colossenses 4,14), é bastante precipitado ao relatar que a mulher hemorrágica, "embora tivesse gastado toda sua riqueza com médicos, não podia ser curada por ninguém" (8,43). Marcos, por outro lado, é mais pesado ao apontar este fato: "Ela havia sofrido muito nas mãos dos médicos, gastando todos os seus bens em vão, de fato, piorando" (5,26).
Mas neste ponto, aqui está o ponto de inflexão. Somente Jesus percebe, entre as muitas mãos que o apertam, o tímido gesto de uma mulher que quase não ousa tocar o Mestre "poluindo-o" com sua impureza e só toca a bainha de seu manto. Tremendo, ela se joga a seus pés e declara publicamente seu ato, mas também a sensação de alívio físico que havia sentido. E Cristo, como sempre faz diante de mulheres que passam por grande sofrimento, se dirige ternamente a ela usando uma doce denominação: "Filha, tua fé te salvou. Vai em paz" (8,48).