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Outubro chega e com ele a memória de muitos cristãos traz à tona a imagem de São Francisco de Assis, venerado por todos como santo da ecologia, da fraternidade universal, da paz e do bem. Francisco quis que o seu movimento religioso estivesse unido à igreja católica, mas a história se encarregou de fazer com que os ideais franciscanos extrapolassem os muros do Vaticano.

A invenção do presépio é atribuída a São Francisco. Num bosque, em Gréccio, na região da Úmbria italiana, Francisco, juntamente com os camponeses, um boi e um jumento, e uma imagem de barro do menino Jesus, encenou o nascimento de Jesus. Diz-se que, quando Francisco pegou ao colo a imagem, esta lhe sorriu. O teatro criado por São Francisco ganhou o nome de presépio e se espalhou pelo mundo para significar o nascimento singelo de Jesus na manjedoura de Belém. Os evangelhos apócrifos bem que já haviam descrito essa cena. Os dois animais usados por ele, o boi e o jumento, representavam, na mitologia egípcia, as figuras rivais dos irmãos Seth e Osíris. Quisera Francisco, naquele tenebroso inverno de 24 de dezembro de 1223, propor a reconciliação entre os opostos, mesmo tendo a alcunha de irmãos, como no caso dos deuses egípcios, já prefigurado nos irmãos Caim e Abel do livro do Gênesis! Todos os seres humanos, na sua diversidade, são chamados a viver em paz.

A mitologia egípcia continua viva em dois povos irmãos, israelitas e palestinos, ambos descendentes dos irmãos Ismael e Isaac. O mundo assiste há décadas a briga sem fim entre eles. Em viagem recente ao Oriente Médio, causou-me impacto a construção de um muro cercando Belém, cidade onde teologicamente nasceu Jesus de Nazaré. Cravado quatro metros abaixo do solo e oito acima, uma vergonha de muro impede que trinta mil palestinos de Belém possam sair de sua terra natal. Belém ficou do outro lado de Jerusalém, embora unidas populacionalmente. Guardas vigiam em torres. Uma vala perto do muro impede qualquer tentativa de fuga. Os palestinos que têm permissão para trabalhar em Jerusalém precisam voltar às 19 horas. Caso contrário, perdem o direito de saída e ficarão presos para sempre em sua própria cidade. Além disso, o belemita que for encontrado em Tel Aviv em dia de trabalho também será levado para Belém e perderá a permissão de sair. Após a visita a Belém, o turista passa seguramente por revista ao entrar novamente em Israel. Tudo é feito para que o turista não retorne a Belém e para que o belemita emigre para outros países. Belém está desolada. O turismo religioso reduziu-se drasticamente. Inúmeras lojas estão fechadas. O povo de Belém passa por momentos de angústia e sofrimento, sem ter o que comer e sem perspectiva de vida. Na mesma situação estão os palestinos das outras treze áreas cedidas pelo governo israelense, o qual não aceitou a decisão da ONU que considerou ilegal o muro de Belém. Mesmo assim, renasce um novo muro. De Berlim? Não! De Belém. No entanto, o ocidente continua calado diante de tamanha atrocidade.

São Francisco de Assis, se vivo estivesse, voltaria ao Sultão do Egito, Melek-el-Kamel, para propor a paz entre os povos. O Muro de Belém aprisiona um povo, contraria o real sentido do nascimento de seu ilustre filho, Jesus, e este, para cristãos e palestinos que nele crêem, é a presença do Deus da paz que veio morar entre nós num presépio.


Publicado no jornal Estado de Minas, caderno Gerais, 3 de outubro 2008)