Dedicado ao prof. Dr. Dr. Friedrich Erich Dobberahn, amigo de muitas e excelentes lembranças
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4Q OrNab (texto)[1]
No ano de 1956, J. T. MILIK publicou[2] um texto aramaico referente a assim chamada Oração de Nabonides o qual compõe-se de 4 fragmentos[3] provenientes da 4ª gruta de Qumran (4Q OrNab). Este texto é um dos importantes documentos paralelos ao livro de Daniel (Dn) em especial ao capítulo 4. A maior parte dos comentários atualizados sobre Dn, ao comentar o capítulo 4, não pode se furtar de ao menos mencioná-lo.[4] Como vamos tratar de Dn 4, é justo que façamos a devida apresentação deste texto.
O texto [5]
1. Palavras [6] da oração que orou Nabonides, rei da A[ssíria e Ba]bilônia, o rei [grande, [7] quando [8] foi atingido [9]]
2. pela[10] inflamação ruim,[11] por meio do decreto do D[eus supre]mo, em Teima[12] no distrito: [13] [Pela inflamação ruim]
3. fui atingido sete [14] anos e distante dos [homens [15]] (fui) colocado [16] eu. E [quando confessei minha iniqüidade,]
4. meu pecado, ele[17] perdoou.[18] Ele, [o vidente], homem judeu d[os filhos do exílio na Babilônia e ele [19]]
5. declarou e escreveu para dignificar[20] e grandemente hon[rar [21]] o[22] nome do D[eus supremo. E assim escreveu:]
6. Quando foste [23] atingido pela inflamação ruim em Teima no distrito, por meio do decreto do Deus supremo,[24]
7. sete anos orando estiveste tu para os deuses de prata e de ouro, de cobre, de ferro,
8. de madeira, de pedra, de barro porque[25] (acreditaste) que deuses (fossem) eles"...[26]
9. ... paz ...
Em nosso texto, o vidente (BTO) declara e escreve que Nabonides permaneceu doente em Teima durante sete anos. Neste tempo, o rei permanecia orando para outros deuses. Quando, porém, Nabonides se arrepende e confessa sua iniqüidade,[27] seu pecado é perdoado. O objetivo da narrativa é dignificar e grandemente honrar o nome do deus supremo (versículo 5) em detrimento de qualquer outra divindade,[28] através da oração de Nabonides a qual confessa a supremacia do Deus dos judeus
Portanto, o elemento fundamental de conteúdo de 4Q OrNab é, evidentemente, uma retomada das críticas judaicas ao culto de outras divindades além de Javé, o deus de Israel. Este tipo de crítica tornou-se bastante comum na situação exílica e pós-exílica contrapondo-se à religião babilônica.[29] Por isso, assunto incisivo é, agora, saber quem seja este fulano Nabonides, rei da Assíria e Babilônia e o que ele faz num manuscrito de Qumran.
Nabonides (contexto)
A figura de Nabonides insere-se na história do assim chamado império neobabilônico que teve início com Nabopalassar, que se tornou rei dos caldeus em 630 a.C. e em 626, com a expulsão dos Assírios de Uruk, rei da Babilônia.[30] Em 605, com a morte de Nabopalassar, assume o poder seu filho mais velho Nabucodonossor (Nabukudurri-Usur) II, rei sob qual poder caiu Jerusalém em 587. Babilônia viveu sob os caldeus, em especial Nabucodonossor, grande esplendor[31] e riqueza, fruto da arrecadação de altas taxas e tributos dos reinos subjugados. Após Nabucodonossor seguiram três breves reinados. Reinaram Awil-Marduk (Evil-Merodach, 2Rs 25.27; Jr 52.31), filho de Nabucodonossor (561-560); Nergalshar-usur (Neriglissar), cunhado de Awil-Marduk (559-556) e seu filho (ainda menor) Labashi-Marduk (Labosoarchod) que foi assassinado após apenas nove meses de reinado por um corpo conspiratório em qual se incluía Nabonides,[32] último rei da Babilônia.
Nabonides é um personagem intrigante dentro do Antigo Oriente. Sua mãe[33] (Adda-Guppi), sacerdotisa do deus Sin em Haran, foi para a Babilônia e, por influência dela, Nabonides logo estava envolvido na corte real. Durante seu reinado, Nabonides (556-539) considerou-se executor das vontades de Nabucodonossor e Neriglissar,[34] dando bastante ênfase às realizações de obras de grande porte como por exemplo, vinculadas aos templos de Esagila e Ezida.[35]
A estada de Nabonides em Teima[36] por um longo período de tempo[37] foi motivo de muita especulação.[38] Na oposição a Nabonides estava o clero sacerdotal babilônico, grupo forte de opositores, não apenas por causa de estada do rei em Teima, mas também por fatores religiosos.[39] Nabonides era, em verdade, devoto da divindade Sin e o clero da Babilônia era encarregado do culto ao deus Marduk.[40]
Considerando a força do clero de Marduk, poder-se-ia levantar, acertadamente, a pergunta pelo grupo ou grupos de sustentação do reinado de Nabonides.[41] Certamente o exército deve ser contado entre aqueles que o apoiaram até a queda da Babilônia. Mas, em todo caso, Belsazar, filho de Nabonides, ocupou o trono real, na Babilônia, durante a ausência de Nabonides, seu pai. Quando Nabonides reassumiu o trono da Babilônia já era tarde demais. Ciro dominou a Babilônia em 539 auxiliado, inclusive, por forças babilônicas. Belsazar foi morto e Nabonides, apesar de ter tentado a fuga, foi capturado.[42]
A questão aqui é que Nabonides, já pelo próprio texto da 4ª gruta de Qumran, 4Q OrNab, marcou presença na tradição judaica.[43] Afinal, ele é o último rei babilônico antes de Ciro, o exaltado libertador do cativeiro.[44] Mas, de que maneira estão relacionados comunidade judaica no exílio e o último rei babilônico,[45] a ponto de estar registrado o episódio de Nabonides num texto de Qumran?
No exílio, a comunidade judaica encontrou uma situação razoavelmente boa,[46] situação diversa daquela imposta pela dominação Assíria. A retratação da penúria era caracterizada, via de regra, pelo aspecto subjetivo. Queixou-se, naquela época, de saudades da terra natal.[47] Mas, já antes da queda da Babilônia havia a forte esperança do retorno à Palestina.[48] Fato é que a religião com ênfase no sábado e na circuncisão possibilitou a sedimentação e unificação judaica num momento histórico de desagregamento tal qual ocorrido no exílio. Acrescente-se, ainda, que os exilados não foram dispersos no meio da população, mas permaneceram congregados em colônias especiais. A crítica à religião babilônica[49] do ponto de vista judaico, idolatria, serviu igualmente como disjuntor identificativo judaico no exílio. De outra sorte, a situação objetiva permitiu que alguns judeus chegassem até mesmo a enriquecer na Babilônia, principalmente através do comércio e muitos preferiram ficar na Babilônia a ter de voltar para a Palestina.[50]
A partir destas considerações, não se pode dizer que os judeus estavam situados no império babilônico, apesar do exílio e do completo afastamento da esfera de decisões políticas, como uma classe social totalmente desprivilegiada. É bastante provável, pois, que os judeus do exílio tivessem suficiente conhecimento dos conflitos entre Nabonides e o clero da Babilônia.[51] Assim, a interpretação da ausência de Nabonides como episódio desproposital e fora de controle vem confirmar a crítica judaica à religião politeísta[52] da Babilônia. Este parece ser o chão mais seguro para a gênese tradicional de 4Q OrNab; Nabonides representa o destino do politeísmo em confrontação com o monoteísmo javista. Os deuses fabricados pelas mãos humanas não são o supremo Deus, o sumo-dirigente da história de Israel.
Neste sentido, a temática tradicional de Nabonides pode ser aproveitada, sem problemas, pela comunidade de Qumran[53]. Não obstante, Dn 4 promove outras e novas questões!
Daniel 4 (texto)
O livro de Daniel, em sua primeira parte (cap. 1-6), ao que tudo indica, apresenta-se como uma coletânea de narrativas independentes, em geral amalgamadas sob um mesmo objetivo comum.[54] Este também é o caso do trecho escrito em aramaico (2.4b-6.29), em qual se encontra o texto de Nabucodonossor.
Já a partir da publicação da Crônica de Nabonides[55] e de sua Narrativa em Versos, [56] os eruditos levantaram a suspeita de que Dn 4 se referia a Nabonides e não a Nabucodonossor.[57] Ademais, o panorama histórico da vida de Nabucodonossor que já era razoavelmente bem conhecido, não permitia a inclusão de um episódio de loucura temporária tal qual registrada em Dn 4. O texto de 4Q OrNab veio confirmar as suspeitas que se haviam levantado anteriormente[58] sobre a identificação de um rei com outro. Diante da maciça evidência textual disponível, atualmente parece não haver mais dúvidas a respeito da identificação, em Dn 4,[59] entre Nabucodonossor e Nabonides. Ou seja, o texto de Daniel 4, ao falar de Nabucodonossor, se refe a acontecimentos da vida de Nabonides.
É fácil deduzir daí que Dn 4 remonta a uma tradição oral mais antiga do que sua compilação no livro de Daniel[60] e, ainda mais, que a loucura da realeza, pelo seu caráter chistoso, é linguajar de índole[61] tipicamente popular.[62]
Daniel 4 pode ser subdividido em 3 partes principais[63] com uma introdução (3.31-33) e conclusão (4.34).
1. O sonho de Nabucodonossor [64] - 4. 1-15
2. A interpretação do sonho - 4.16-24
3. A concretização do sonho - 4.25-33
O conteúdo programático presente nestas três partes é a de que os viventes conheçam que o Altíssimo é soberano sobre o reinado dos homens e a quem quer que deseja, Ele o dará.[65] Os reis, também os mais poderosos, precisam aprender que Deus é o senhor da história.[66] Portanto, o rei deve cumprir as funções que estavam consignadas na tradição vétero-testamentária,[67] ou seja, redimir os pecados através da justiça e a iniqüidade pela piedade aos pobres (Dn 4.24).[68]
O que torna Dn 4 distinto de 4Q OrNab? Em primeiro lugar, o tema da idolatria não está claramente presente em Dn 4.[69] O que surge ali é o plano da soberania de Deus em detrimento de qualquer poderio humano.[70] De outro lado, a caracterização da doença do rei não é a mesma em 4Q OrNab e Dn 4.[71] Finalmente, podemos mencionar que 4Q OrNab coloca Nabonides doente em Teima e Dn 4, por sua vez, faz com que o rei permaneça na Babilônia.[72]
Tendo em vista estas diferenças apontadas entre 4Q OrNab e Dn 4 e ainda o conteúdo próprio de Dn 4, cumpre perguntar, por que houve o crescimento traditivo de Daniel com a inclusão do capítulo 4? Para responder a esta pergunta é imprescindível localizar o livro de Daniel em seu contexto histórico; o texto tem seu contexto!
Daniel 4 (Contexto)
A datação do livro de Dn entre 167-163 a.C.[73] e a perspectiva de vaticinia ex eventu apontam para uma hermenêutica histórica conflitiva entre segmentos da comunidade judaica e os seleucidas personificados na figura de Antíoco IV Epifanes.[74] O conteúdo do livro indica que seu autor (nalguns trechos deveríamos falar mais acertadamente em compilador), pertenceu ao grupo dos hassidim,[75] os quais se opuseram ao processo de helenização do judaísmo; este grupo enfrentou, por isso, a hostilidade tanto dos seleucidas quanto dos colaboracionistas judeus.[76]
Daniel apresenta-se, desta forma, como um escrito de leitura em dois níveis justapostos, em que se procura, através do prisma histórico passado, encontrar soluções para uma dada fenomênica pressuposta pelo autor.[77] Portanto, uma compreensão adequada de Dn 4 se dá , basicamente, sob um tríplice ângulo: 1) o status quo contemporâneo à confecção do escrito, 2) o resíduo querigmático presente nas tradições paralelas (pela proximidade privilegia-se 4Q OrNab), 3) o próprio texto de Dn 4.[78] Vamos adiante então.
A comunidade judaíta, nos tempos de Antíoco IV Epifanes, passa por tempos turbulentos.[79] A elaboração de Daniel acontece em plena crise de revolta macabéia que já havia começado em 167 a.C.[80] Os capítulos 7-11 expressam claramente a postura dos hassidim[81] contra o desolador do templo que comete a abominação da desolação (Dn 9.27, 11.31, 12.11; 1Mc 1.54). Todavia, a questão crucial é saber de que maneira os capítulos 1-6, que provavelmente fazem parte ou englobam tradições mais antigas (como o capítulo 4), foram encaixados numa época posterior.[82] O problema fica particularmente complexo no capítulo 4, pois, uma vez que se determina os destinatários da carta como o grupo de judeus que se opunham a Antíoco IV,[83] qual personagem é tipificado pelo rei Nabucodonossor que fica louco?[84]
Um indício sugestivo aponta fortemente para a correspondência tipológica entre Nabucodonossor e o próprio Antíoco IV.[85] O próprio texto de Dn 4 enfatiza que Nabucodonossor precisa aprender que Deus é supremo dominador sobre o reinado dos homens e de outro lado Antíoco IV é apresentado e reconhecido como alguém excessivamente arrogante e que tem pretensões divinas.[86] Esta arrogância é que faz ser Nabucodonossor, em Dn 4, tipo de Antíoco IV.
Ó óbvio que, mesmo sendo aceita esta correspondência, permanecem questões abertas. O domínio de Nabucodonossor é-lhe restituído após os anos de provação. Seria possível dizer o mesmo em relação a Antíoco?[87] Não seria de se esperar que Nabucodonossor/Antíoco fosse destituído para sempre de seu reinado (como ocorre em Daniel 11)?
Destas perguntas pode-se notar que há limites de aplicabilidade de tradições anteriores em épocas diferentes. O compilador não modificou a tradição que tinha disponível, apenas a enxugou para atender aos objetivos que tinha em mente. Portanto, o que realmente importa, considerando-se a história traditiva de Nabonides, é sua aplicabilidade em contextos diversos; o que importa não é Nabonides em si, mas aquilo que dele se diz. Então, há que se perguntar por qual seja o conteúdo daquilo que se fala a respeito do tríptico Nabonides / Nabucodonossor / Antíoco IV.
Por conseguinte, que mensagem tem Dn 4 para sua época? Procuraríamos em vão alguma mensagem específica, contextualizada na situação histórica, em Dn 4. Isto porque Dn 4 não pode ser desvinculado da totalidade do escrito. Pelo contrário, o todo teológico do livro é que indica a mensagem dos capítulos particulares. Assim, Dn 1-6 subordina-se ao conteúdo dos capítulos 7-11; é a partir da leitura destes que se compreende o conteúdo daqueles. Qual é, em suma, e aqui temos a pergunta fundamental, a teologia que se manifesta no livro de Daniel? De que maneira esta teologia fala a respeito de e em Dn 4? Precisamos, por conseqüência, falar em teologia!
Conclusão teológica (Textos e Contextos)
O livro de Dn aparentemente desestimula qualquer ação, fora da prática piedosa (oração, obediência à lei...), de caráter revolucionário.[88] Daniel oferece consolo aos que sofrem, sem, porém, incitá-los a qualquer atitude para modificar sua situação. A história está completamente nas mãos de Deus, o tempo certo lhe pertence.[89] É por essa tal apatia ou resignação que a questão importante a ser tratada aqui é a hermenêutica histórica da apocalíptica.[90]
Bem se sabe que uma das características fortes da apocalíptica é o determinismo histórico.[91] A história caminha obedecendo ao domínio de Deus todo-poderoso e o seu reino vir sem cooperação humana, eis que as mãos não foram instrumentos no corte da pedra em Dn 2.[92] A ação humana fica assim, em absoluto relativizada.[93]
A história de Israel até a revolta macabéia encontra-se marcada pela desilusão.[94] Israel não sobrevive como entidade política autônoma. As explicações pós-exílicas para o fracasso experimentado no exílio são re-enfatizadas vigorosamente. Mesmo assim, em que pese a contínua confissão de pecados, Israel continua sob o castigo de Deus. Por isso, a apocalíptica, a partir da história de Israel, não reflete, como no passado, a palavra e a ação de Javé, mas desdobra racionalmente o silêncio e ausência divina.[95]
De fato, que tipo de mensagem poderia sustentar a fé além de explicar a contingência histórica do Israel macabaico?
Ao meu ver, o livro de Daniel representa a maior produção teológica de equalização deste problema.[96] O mal, que tem limites estabelecidos de atuação (cf. Dn 7.25; Dn 11.27), não foge do controle de Deus. O motivo para sua atuação em meio ao povo é o pecado (cf. Dn 9). A vitória do reino de Deus que será dado ao povo dos santos do Altíssimo, (cf. Dn 7.27), por essa razão, depende, não da atuação política-revolucionária num primeiro plano, mas sim, da atuação religiosa do povo. O povo deve, em Daniel, preparar-se para a vinda do reino de Deus através da piedade. A revolução é ato de Deus.[97]
Neste contexto, o determinismo histórico é a condensação conseqüente da afirmação do poderio de Deus.[98] Devemos compreender bem o problema e a situação que aqui se coloca. Uma vez que Israel despertara do sonambulismo ilusório da autogerência histórica do reinado a partir das lições exílicas e pós-exílicas,[99] a única maneira de preservar o conteúdo da fé monoteísta era afirmar que os acontecimentos, independente de seu conteúdo, fizeram e faziam parte dos planos de Deus. O determinismo agora é essencial, pois não se pode conceber a superioridade de outras divindades na história dos fracassos. Tanto a entidade quanto a identidade religiosa de Israel dependem da resolução convincente deste problema que vincula a confessionalidade à continuidade do fracasso.[100]
Por isso, questão crucial consiste em saber se a postura apocalíptica é acomodamento ou realismo diante das situações opressivas que Israel vivia. É prudente admitir que a apocalíptica em Daniel não se caracteriza pela instigação revolucionária; ao contrário, sua postura é tanto acomodamento quanto realismo. Acomodamento por um lado, porque o pressuposto de tal atitude é o relativo cansaço da luta diante da falência dos projetos históricos de Israel. A apocalíptica é também realismo porque pressupõe a morte das ilusões dada a ruína dos alicerces nacionais em torno do reinado. A apocalíptica vivencia o marasmo e desconsolo da disputa perdida, bem ao contrário das propostas da revolta macabéia. Então, conforme o livro de Daniel, cruzar os braços para aguardar a libertação de Deus, por vezes, é a única coisa a ser feita.[101]
Porém, a altissonante contribuição da apocalíptica vai ainda mais longe. Afirma-se a fé não a partir dos fracassos, mas apesar dos fracassos.[102] O apocalipsismo de Daniel não é revolucionário, pois aguarda que se manifeste a salvação de Javé.[103] E esta salvação se aguarda sob forma histórica e já é proclamada como evento escatológico. A escatologia, deste modo, cumpre a função de antecipar a esperança; traz ao presente o futuro aguardado. Neste exato sentido (strictu sensu), sem contudo querer entrar nos méritos do titânico debate entre Käsemann[104] e Bultmann[105], a apocalíptica do livro de Daniel deve ser chamada de mãe da teologia cristã. Afinal de contas, tanto na pregação de João Batista quanto no anúncio de Jesus sobre o Reino de Deus, o futuro é tornado imediato.[106] Finalmente, ainda outra questão deveras interessante seria indagar pelo lugar social de Daniel.[107] Mas, deixamos isso para outra ocasião.
Pondo necessário termo às nossas reflexões, revisamos agora o que a teologia de Daniel diz em e sobre Daniel 4. Daniel 4 representa um enxugamento traditivo de modo a apresentar querigma próprio em novo contexto, tal qual ocorre com 4Q OrNab. O modo como o texto é tratado indica o casamento dos bivalentes tradicionais populares; a birutice de Nabonides é tipificada[108] na loucura de Antíoco IV. Por trás de Dn 4 se esconde o sofrimento de um povo na reflexão do teólogo e o desejo de que o rei conheça a soberania de Deus. Da mesma forma, 4Q OrNab, aproveita o material traditivo e destaca a tragédia da idolatria. A crítica ao rei consubstancia-se no anúncio de sua derrocada e a vinda iminente do reino de Deus. A teologia apocalíptica sabe que os reis enlouqueceram porque não conseguiram interpretar os sinais do Deus vivo professado pela fé israelita.
Não é somente isto; Daniel é teologia lá e cá! Daniel 4 é lembrete permanente de que a loucura deve ser reinterpretada; os loucos e a loucura continuam aí, estão presentes em nosso meio, instigando o clamor pela vinda iminente do Reino de Deus que é Reino de Deus, aquele que ocorre sem a cooperação humana. É preciso pois, resgatar a mensagem de que os opressores são loucos e seu reinado, sem dúvida, para logo (e aqui não importa o significado temporal deste logo), terá fim. Isto já está determinado por Deus!
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[1] Este texto foi produzido originalmente como trabalho de conclusão de estudos na Faculdade de Teologia da IECLB em 1989. O texto já conta com mais de 10 anos. A revisão do texto, ao lado de novas reflexões é que ressuscitaram o escrito dentre os mortos.
[2] Prière de Nabonide, In: Revue Biblique 63, p. 407-415.
[3] Três destes compõem o texto A e o último o texto B na designação utilizada por R. MEYER. O texto A tem encontrado razoável consenso em sua reconstrução. O texto B, por outro lado, apresenta muitos problemas para uma reconstrução segura. Cf. Rudolf MEYER, Gebet des Nabonid, (doravante GdN), p.13-33. O texto B, tendo em vista seu conteúdo, as grandes dificuldades textuais e os objetivos da presente reflexão, não será objeto de análise. Cf. nota de rodapé 65.
[4] Assim, entre outros, N. W. PORTEOUS, Daniel a Commentary, p.72s.
[5] Uma tradução para o português está disponível em Geza VERMES, Os Manuscritos do Mar Morto, p.281. Existem algumas diferenças de menor monta em relação à tradução que apresentamos (em especial no que diz respeito à pessoa gramatical dos versículos 6 e 7). Observe que os colchetes seguem as conjeturas do próprio texto fragmentário.
[6] A base da tradução e observações gramaticais segue fundamentalmente Franz ROZENTHAL, A Grammar of Biblical Aramaic, 99pp. e W. GESENIUS, Hebrew-Chaldee Lexicon of the Old Testament, (doravante GHCL) quando não for feita chamada própria.
[7] Na tradução para o português, teria sido preferível colocar o adjetivo grande antes do substantivo rei. Como, porém, a conjectura textual é o adjetivo, preferi deixar o bloco conjetural na seqüência do substantivo.
[8] ROZENTHAL, Op. Cit.,parágrafo 86, p.38.
[9] VWZ" (particípio peal passivo) da raiz VZ" ou ZZ" (GHCL, p.421), significa literalmente bater, golpear; aparece em Provérbios 27.22 neste sentido. Em português não é usual alguém ser batido por uma doença. Melhor compreensão fornece o verbo atingir porque se diz que fulano de tal foi atingido por uma séria enfermidade.
[10] ROZENTHAL, Op. Cit., parágrafo 77, p.34.
[11] A raiz GRV não é usual; no árabe significa estar quente, estar inflamado. GWRV designa uma úlcera inflamada (GHCL,p.814) e o termo aparece em Jó 2.7 para designar o estado de penúria física em que Jó se encontrava (DB GWRV). Como V}P indica algo ruim ou mau (em Daniel tem a idéia da transgressão 2.21; 6.9,16; 7.25), o paralelo entre DB GWRV e V}P GWRV (Jó 2.7) é bastante próximo. Cf. Rudolf MEYER, GdN,p.19.
[12] O oásis de Teima localiza-se na parte norte do deserto arábico (vide The Westminster HIstorical Atlas to the Bible, p.71). Ele é citado algumas vezes na Bíblia (p. e. Is 21.14; Jr 25.23, 49.7). Vide adiante, nota nº35.
[13] A relação entre }ZHWIK ïâ¬Â GKWZP deveria ser traduzida por no distrito de Teima para ficar um português mais refinado. Pela mesma razão apresentada na nota 6 acima, optei por deixar }ZHWIK também no bloco das conjecturas. UHWIK é uma província, uma região, uma cidade (GHCL,p.451). De qualquer forma }ZHWIK ïâ¬Â GKWZP indica a região em qual se encontra Teima.
[14] A raiz DPV está impressa erroneamente em Alfred MERTENS, Das Buch Daniel im Lichte der Texte vom Toten Meer, p.35. Ao invés de DPV foi impressa a raiz <PV.
[15] Aqui MILIK, Op. Cit., p.408 e Alfred MERTENS, Op. Cit.,p.35 supõem que }WVH} seja adequado enquanto MEYER, GdN,p.23 conjectura em favor de W}FB" (meu trono). Neste caso não faz muita diferença um ou outro substantivo pois o significado do texto é claro, ou seja, o rei fica afastado da condição normal que seria de se esperar do rei.
[16] A forma WYV é um peal particípio passivo da raiz UYV ou }YV por, colocar (GHCL,p.809). Como não há um verbo principal na frase deve-se subentender o verbo de ligação.
[17] MILIK, Op. Cit.,p.408, nota 4, faz uma correção textual. Ao invés de UL (para ele), ele propõe aqui WL (para mim). CFranz ROZENTHAL, Op. Cit., parágrafo 31, p.20. Esta mudança visa regular a concordância verbal. Assim também M. BURROWS, More Light on the Dead Sea Scrolls, p.400. MEYER, GdN, p.24 e Alfred MERTENS, Op. Cit., p.36 preferem sustentar que UL é um modo típico de articulação aramaica para indicar o acusativo do verbo. Cf. H. BAUER & P. LEANDER, Biblish-Aramäische Grammatik, parágrafo 100 q ss., p.339ss.
[18] NPV tem como primeiro significado deixar (GHCL, p.803) e aparece em Dn 4.12,20,23 e Ed 6.7 com este significado. MEYER, Op. Cit.,p.24 e Alfred MERTENS, Op. Cit., p.36 optam por traduzir o verbo como perdoar. Cf. J. LEVY, Wörterbuch Uber die Talmudin und Midraschin, vol IV, p.501b.
[19] Este }YUY (e ele) é uma tentativa de reconstrução insegura. Sintaticamente é um pouco duvidosa. MEYER, GdN,p.32.
[20] Alfred MERTENS, Op. Cit., p.35 e MEYER, GdN, p.25 vêem aqui a palavra dignidade (BNW). Porém, estes autores não questionam que a inscrição aramaica não tem um W e sim um Y (se aqui não for um erro do copista). É possível que aqui se trate de uma forma dialética aramaica que contém um Y original. R. DOZY, Supplément aux Dictionnaires Arabes, Vol II, p.836b. As formas causativas do verbo já indicam que aqui se trata de Y�??�??A e não WA. BAUER & LEANDER, Op.Cit., parágrafo 45d, p.140s
[21] Grande honra é uma conjectura. Portanto, deve ser fechado o colchetes do texto aramaico impresso em Alfred MERTENS, Op. Cit.,p.35 logo após a consoante B. Vide nota 13 acima.
[22] Literalmente, para fazer dignidade e grandiosa honra para o nome de Deus....
[23] Como o texto está na 2ª pessoa do singular, pode-se perguntar em que situação estas frases foram ditas (ou pensadas). Pressupõe-se que haja proximidade entre o BTO e Nabonides. Por isso, neste caso, a tradução de MILIK pode ter sentido; o vidente saiu para Nabonides, foi até ele. Esta tradução, contudo, como indica Alfred MERTENS, Op. Cit.,p.36, pressupõe um erro do copista no UL. Vide notas de rodapé 17 e 18 acima. MEYER, GdN, não relaciona esta 2ª pessoa com o verbo NPV.
[24] Aqui já estou seguindo o adendo que MILIK fez (p.415) à sua reconstrução.
[25] ROZENTHAL, Op. Cit.,parágrafo 86, p.38.
[26] Não é possível reconstruir a continuação do texto. MEYER, GdN, p.30.
[27] O texto não diz explicitamente qual seja esta iniqüidade de Nabonides. Do jeito que o texto se apresenta, é possível interpretar que o rei permaneceu doente enquanto orava para outros deuses. Em outras palavras, ver-se-ia aqui uma nota explicativa; a doença de Nabonides é causada pela sua dedicação a deuses de ouro, de prata, etc.
[28] Assim MILIK, Op. Cit., p.410, os deuses de prata, de ouro, de cobre, de madeira, de pedra e argila mostram-se impotentes e a salvação vem do deus todo-poderoso pela intermediação de um gâzir judeu.
[29] No Dt-Is surge, por diversas vezes, esta crítica. Is 41.21-29; 44.6-20; 47.12-15. Vide Dn 5.4,23 em paralelo com 4Q OrNab.
[30] As datas nestes períodos históricos são sempre relativas. G. CONTENAU, A Vida Cotidiana na Babilônia e Assíria, p.15-18. Opto pelas datas conforme propostas por W. WOLFRAM VON SODEN, Mesopotamia from 1600 BC to AD 630, In: Encyclopaedia Britannica, p.988s; G. S. GOODSPEED, A History of the Babylonians and Assyrians, p.331-350.
[31] GOODSPEED, Op. Cit.,p.351-366; F. A. A. MELLA, Dos Sumérios a Babel, p.307-324.
[32] Sobre a história específica de Nabonides, GOODSPEED, Op. Cit., p.367-376; VON SODEN, Op. Cit., p.988s.; MELLA, Op. Cit., p.325s. Fontes importantes para a pesquisa est�?o em ANET, p.305-316 e em C. J. GADD, The Harran Inscriptions of Nabonidus.
[33] Eu [sou] a senhora Adda-guppi , a mãe de Nabonides, rei da Babilônia. Cf. C. J. GADD, Op. Cit., (H1,B), p.47. (Post scriptum) No [nono] ano de Nabonides, rei da Babilônia, ela morreu de morte natural, e Nabonides, rei da Babilônia, a descendência de seu útero, o favorito de sua mãe, depositou seu corpo (no esquife) (vestida com) finos trajes (de lã), linho cintilante (com) A. LU (?) dourado, pedras preciosas e caras [ele vestiu-a bem]; ele [aspergiu] o corpo dela com óleo perfumado. Eles depositaram (o esquife) [em uma] tumba segura e, na frente dela, ele (então) sacrificou gado e ovelha gorda e ele reuniu em [sua] presença os moradores de Babilônia e Borsippa (fragmentado). (ANET, p.312). Assim também GADD, Op. Cit.,p.51-53. As traduções para o português, no caso de importantes fontes textuais sobre Nabonides são minhas. Conforme a introdução de ANET (p.xvi), os colchetes indicam restaurações do texto e os parênteses, interpolações explicativas do tradutor.
[34] Eu sou o real executor das vontades de Nabucodonossor e Neriglissar meus predecessores reais! (ANET,p.309 parágrafo 5).
[35] De noite ele permitiu que eu visse um sonho [e disse] também: Ehulhul, o templo de Sin, o [que está] em Haran, construi depressa, cf. GADD, Op. Cit.,(H2,I),p.51-53. Eu sou um rei que sempre, diariamente (e) sem interrupção, está interessado na manutenção dos templos de Ezagila e Ezida (ANET, p.310 par grafo 8). "Ele (também) restaurou completamente a cidade de Haran (fazendo-a maior) do que (ela foi) antes" (ANET,p.312 par grafo 2).
[36] Um texto proveniente da classe sacerdotal da Babilônia diz o seguinte: E, ele próprio, ele começou uma longa jornada, as forças (militares) de Acad marcharam com ele; ele desviou-se em direção a Tema (recôndito) no oeste. Ele começou a expedição numa trilha (guiando) para uma (região) distante. Quando ele chegou lá ele matou o príncipe de Tema numa batalha, sacrificou os rebanhos daqueles que moravam na cidade (como também dos que) na zona rural, e ele mesmo tomou sua residência em [Te]ma, as forças de Acad [também permaneceram] lá. Ele fez a cidade bonita, construiu (lá) [seu palácio] como o palácio em Su.an.na(Babilônia), ele (também) construiu [muros] (para) as fortificações da cidade e [...]. Ele circundou a cidade com sentinelas ... (ANET, p.313s parágrafo 2). VON SODEN, Op. Cit., p.988s, levanta a hipótese de dificuldades internas e também posicionamento estratégico como indutores da política de Nabonides em relação a Teima; lá teria sido ele ajudado, também, por mercenários judeus. A estada em Teima é tematizada nas inscrições de Haran publicadas por GADD. E eu, de minha cidade Babilônia [Sin] mandou-me ir embora para longe pela estrada para Tema, Dadanu, Padakku, Hibra, Yadihu e [mesmo] até Yatribu. Dez anos vagueei entre elas; [mas] na minha cidade Babilônia não entrei. GADD, Op. Cit.,(H2,I,22-27),p.59. A. MUSIL, Northern Negd, p.224-226 levanta outra questão referente a Teima. A localização de Teima, por uma série de razões, não seria, segundo MUSIL, um ponto estratégico de valor no controle de rotas comerciais. Teima deveria ser localizado, portanto, na região de Edom. �? óbvio que a localização desta Teima citada depende dos motivos que levaram Nabonides a sair da Babilônia. Vide ainda H. CAZELLES, HIstória Política de Israel, p.208; P. R. ACKROYD, Exile and Restouration, p.20. J. BRIGHT, HIstória de Israel, (doravante HI),p.478 pensa em motivações de ordem interna para a estada em Teima. Neste caso, a localização corresponde ao Oásis de Teima no deserto arábico. Na verdade, a estada de Nabonides em Teima é cercada por certa aura de mistério. Raymond P. DOUGHERTY, A Babilonian City in Arabia, In: AJA 34, pp.206-312 faz uma descrição importante sobre o Oásis de Teima. O Oásis tem extrema fertilidade (p.299) e presta-se a operações militares (Caussin de Percebal, Essai sur l'historie des Arabs avant l'Islamisme, apud DOUGHERTY, p.296). Porém, elemento significativo é a rota de comércio que se estabelece com a Mesopotâmia através de Teima (p.300). Esta observação induz W. F. ALBRIGHT, The Conquests of Nabonidus in Arabia, In: JARS, 1925, pp.293-295 a explicar a conquista de Teima como decorrência das grandes construções que se faziam na Babilônia. Estas exerciam constante demanda por recursos, o que obrigou Nabonides a desejar o controle das lucrativas rotas comerciais do sul da Arábia (p.295). Sobre esta questão, vide ainda as informações de GADD, Op. Cit., p.79-89. GADD lembra que alguns contratos de paz com os egípcios, persas e árabes foram efetuados em Teima (p.76-78). GADD sugere também que os motivos para a ida de Nabonides até Teima (entre outras regiões do deserto arábico como por exemplo Medina) estariam vinculados à fundação de colônias para expansão do poderio militar (p.86). Nabonides veio, portanto, como invasor para Taima e Dedan e fez paz e guerra alternadamente... (p.86).
[37] O período de tempo é discutível. Os documentos de Haran falam em 10 anos. 4Q OrNab e Dn 4 falam em 7 anos.
[38] Sétimo ano: O rei (i.e. Nabonides, permaneceu) em Tema; o príncipe herdeiro, seus oficiais e seu exército (estiveram) em Acad. O rei não veio para a Babilônia [para as cerimônias do mês de Nisanu]; a (imagem do) deus Nebo não veio para Babilônia, a (imagem do) deus Bel não saiu para fora (de Esagila em procissão), o fest[ival do novo ano foi cancelado], (porém) as ofertas dentro (dos templos) Esagila e Ezida foram ofertadas conforme [o completo (ritual)]; o sacerdote urigallu realizou a libação e aspergiu o templo" (ANET, p.306 parágrafo 2). Os textos se repetem semelhantes a este em outros anos subseqüentes. Em outro relato, Nabonides se defende das acusações de que tinha estado doente. "Sin, o rei dos deuses, escolheu-me (lit. levantou minha cabeça) e tornou meu nome famoso no mundo acrescentando muitos (lit. longos) dias (e) anos de (cheios) capacidade mental (para a vivência normal) e (assim) guardou-me vivo - desde o tempo de Ashurbanipal, rei da Assíria, até o 6º ano de Nabonides; rei da Babilônia, o filho de meu ventre, (isto é) por 104 felizes anos de acordo com o que Sin, o rei dos deuses, prometeu para mim (lit. colocou em meu coração). (E em verdade todo tempo) minha visão esteve aguçada, minha audição excelente, minhas mãos e pés em perfeitas condições, minha dicção bem escolhida, comida e bebida concordaram comigo,... Eu estive em bons espíritos, ... (ANET,p.312 parágrafo 2). Se a hipótese da defesa estiver correta, podemos pressupor que, já no tempo do próprio Nabonides, havia uma bisbilhotice popular para tentar explicar a ausência do rei em festas importantes. Do lado do clero da Babilônia, a ausência de Nabonides representou um ato de revanchismo real contra o deus Marduk e os festivais religiosos (muito importantes). Assim, os sacerdotes escreveram sobre o pensamento de Nabonides o seguinte: Quando eu tiver executado integralmente o que planejei, eu irei guiá-lo pela sua mão e estabelecê-lo no trono. (Contudo) até que eu tenha concluído isto, até que eu tenha obtido aquilo que desejo, eu irei omitir (todos) festivais, eu irei ordenar que (igualmente) cesse o festival do ano-novo" (ANET, p.313 parágrafo 2).
[39] A falta do rei no dia de ano-novo era algo calamitoso. Sobre a festa e a importância da participação do rei, G. CONTENAU, A Civilização de Assur e Babilônia, p.119-146.
[40] [...contra a vontade dos d]euses ele fêz uma ação profana, [...] ele realizou algo inútil: [Ele fêz a imagem de uma divindade] que ninguém (jamais) tinha visto em (este) país. [Ele introduziu-a no templo] ele colocou-a sobre um pedestal[...] ele chamou-a pelo nome de Nanna, [ela é adornada como uma ... de lazu]lita, coroada com uma tiara (ANET,p.313 parágrafo 1). No relato da tomada da Babilônia por Ciro, percebe-se a existência deste conflito: Sem qualquer batalha, ele fê-lo entrar na sua cidade Babilônia (Su.an.na), poupando Babilônia (Ká.dingir-raki) de qualquer calamidade. Ele entregou em suas (i.e. de Ciro) mãos, Nabonides, o rei que não o cultuou (i.e. Marduk). Todos os habitantes de Babilônia (din. tirki) como também toda região da Suméria e Acad, príncipes e governadores (inclusive), inclinaram-se perante ele (Ciro) e beijaram seus pés, jubilantes por ele (ter tomado) o reino, com faces sorridentes. Alegremente eles saudaram-no como um mestre pelo qual, através de sua ajuda, eles vieram (novamente) para a vida a partir da morte (e) todos foram protegidos de dano e desastre e eles cultuaram seu (próprio) nome. (ANET, p.315ss). No texto dos sacerdotes de Babilônia lê-se ainda o seguinte: "[...qualquer coisa que ele (Nabonides) tinha cri]do, ele (Ciro) lançou às chamas! [Aos habitantes de] Babilônia um prazeiroso coração é agora dado. [Eles são como prisioneiros quando] as prisões são abertas. [Liberdade é restaurada para] aqueles que estão circundados pela opressão. [Todo regozijo] para olhar para ele como rei! (fragmentado)" (ANET, p.315). Sobre as divindades e a religião no mundo babilônico, G. CONTENAU, A Vida Cotidiana na Babilônia e na Assíria, p.257-319: IDEM, A Civilização de Assur e Babilônia, p.83-119.
[41] Questão já apontada por VON SODEN, Op. Cit.,p.988. J. BRIGHT, HI, p.477 pensa nos que estavam descontentes com a terrível força econômica e espiritual do clero de Marduk.
[42] ANET,p.315s.
[43] Como já observado pelo próprio texto de 4QorNab.
[44] MILTON SCHWANTES, Sofrimento e Esperança no Exílio, p.115-121. Vide Is 41.1-5, 25-26; 44.24-45.7.
[45] Este período histórico é bastante enredado, apresentando grandes lacunas. Informações sobre o período podem ser encontradas em J. BRIGHT, HI,p.463-493; H. CAZELLES, HIstória Política de Israel, p.196-210; M. METZGER, HI,p.115-131; M. NOTH, HI,p.265-276; B. ODED, Judah and the Exile, In: Israelite and Judaean HIstory, p.480-486. Para uma análise a partir dos textos judaicos do período, P. R. ACKROYD, Exile and Restouration, p.218-231.
[46] MILTON SCHWANTES, Op. Cit., p.19-23 considera que a vida destes exilados não foi nada suave (p.19). Infelizmente o autor não especifica melhor seu pensamento. Não parece que os judeus no exílio sofreram o tratamento que os prisioneiros de guerra assírios tinham levado. G. CONTENAU, A Vida Cotidiana na Babilônia e Assíria, p.23-29. Porém este assunto é bastante incerto para que se possa apresentar uma resposta definitiva. Vide ainda ACKROYD, Op. Cit., p.31-38.
[47] Sl 137 exemplarmente.
[48] Isto bem claro no Dêutero-Isaías (aproximadamente 550/540 a.C.) que era contemporâneo, não só do exílio, mas também do rei Nabonides. Vide S. VIRGULIN, Isaías e seus Continuadores, In: Introdução à Bíblia II/3, p.158-167: SCHWANTES, Op. Cit., p.88-102: ACKROYD, Op. Cit., p.134-136: MEYER, GdN, p.67s. Cronologicamente convém frisar que a profecia do Dêutero-Isaías pode refletir até mesmo a estada de Nabonides em Teima; a ausência do rei em festivais importantes da Babilônia poderia fundamentar a esperança entusiástica em torno de Ciro como libertador. Outro aspecto importante é que o rei da Pérsia tem nome (Ciro) e o da Babilônia não! Babilônia não tem rei, o castigo não é personalizado, destina-se a ela em primeira mão.
[49] Is 41.7; 44.9-20; 45.19-21; Ez 20.32; Is 46.6-8 (texto também citado por MEYER, GdN,p.39s).
[50] GEORG FOHRER, HIstória da Religião de Israel, p. 381-392.
[51] �? sabido, inclusive, que alguns mercenários judeus teriam acompanhado Nabonides em sua estada em Teima. GADD, Op. Cit., pp.86s elenca alguns argumentos que favorecem esta afirmativa. Entre eles, menciona-se a permanência de colônias judaicas nestas regiões. JANSSEN, apud GADD, destaca a colônia judaica de Elefantine como indício conjetural desta proposta. KRAELIN aprofundou-se nesta discuss�?o (Cf. GADD, p.86, nota 4). Vide ainda J. BRIGHT, HI, p.478.
[52] Aqui é bom destacar que o monoteísmo tem fortes e antiguíssimas raízes dentro do judaísmo. J. PINSKY, Monoteísmo e Modo de Produção, In: Modos de produção na Antiguidade, p.257-267 opina que o monoteísmo ético teria sido forjado nos círculos da profecia clássica. Parecer diferente e mais cuidadoso em ROWLEY, Moisés e o Monoteísmo, In: Deus no Antigo Testamento, p.103-131. De qualquer modo, numa situação de exílio é que o monoteísmo tem sua razão formal e material de ser.
[53] Em certo sentido, a teologia de 4Q OrNab �??é por assim dizer, típica, não apenas do judaísmo exílico e pós-exílico, mas também de Qumran. Sobre Qumran, J. V. der PLOEG, Qumran, In: Dicionário Enciclopédico da Bíblia, p.1254-1266.
[54] Para as informações introdutórias vide, G. BOX, Judaism in the Greek Period, p.204-212; A. BENTZEN, Introdução ao Antigo Testamento (doravante IAT), vol II,p.221-230; ERNST SELLIN & FOHRER, IAT, vol II, p.712-726 F. DINGERMANN, O Anúncio da Caducidade deste Mundo e dos Mistérios do Fim, In: Palavra e Mensagem, p.457-474: W. W. SLOAN, Panorama do AT, p.297-303: O. SPINETOLI, Daniel, In: Introdução à Bíblia, II/4, p.225-243: HANS WALTER WOLFF, Bíblia AT, p.124-128. Dn 1-6 podem ser considerados como uma unidade (SELLIN & GEORG FOHRER, p.718: DINGERMANN, p.468) desde que se considere a subestrutura literária comum (época da narrativa, personagens do enredo, lugar dos acontecimentos). Sob um prisma literário crítico, contudo, evidencia-se a falta de organicidade do material narrativo pois a lenda de Dn não tem uma fluência prosaica própria e independente. Assim também M. NOTH, A concepção de história no Apocalipsismo do Antigo Testamento, In: Apocalipsismo, p. 92.
[55] ANET, P.305-307. O texto foi publicado por T. G. PINCHES em 1882.
[56] ANET, p.312-315. Publicado por S. SMITH em 1924.
[57] W. WOLFRAM VON SODEN, Eine Babilonische Volksüberlieferung von Nabonid, In: Bibel und Alter Orient, p.86s. Este texto foi publicado originalmente em ZAW, 53, 1935.
[58] L. HARTMANN & A. A. LELLA, The Book of Daniel, p.177s; K. KOCH, Das Buch Daniel, p.97-99, 108s. Em 1925, W.F. ALBRIGHT, The Conquest of Nabonidus in Arabia, p.295 negara (!) esta identificação, exatamente porque não estavam disponíveis os textos provenientes de Qumran e há alguns traços nos textos persas sobre Nabonidus que foram traduzidos por ALBRIGHT de outra maneira, de modo a não corresponder com a loucura de Nabucodonossor. Isto em 1925.
[59] HARTMAN & LELLA, Op. Cit., p. 173; VON SODEN, Op. Cit., p.81-89, sugerem que a identificação entre estes dois personagens poderia ocorrer também no capítulo 2. Todavia, sem uma fonte paralela que favoreça seguramente esta identificação, torna-se difícil consignar esta hipótese. A exígua fundamentação histórica do texto de Dn 2 não exige um câmbio de personagens entre Nabonides e Nabucodonossor. A estátua de Dn 2 poderia indicar a época tanto de um rei quanto a de outro. Cf. ainda P. ACKROYD, Exile and Restouration, p.37, 42s.
[60] �? difícil precisar a época de surgimento tradicional de Dn4 e mesmo de 4Q OrNab. Devido à sua amplitude, desdobramento e maior complexidade teológica, Dn 4 é posterior a 4Q OrNab. J. T. MILIK, Prière de Nabonide, In: Revue Biblique 63, p.411. Contudo, mesmo 4Q OrNab �?? também é, evidentemente, um arranjo teológico judaico. �? seguro pressupor que havia uma forte tradição oral sobre Nabonides entre os deportados na Babilônia e que estes textos (Dn 4 e 4Q OrNab) são desdobramentos desta tradição. Cf. HARTMANN & LELLA, Op. Cit., p.179. O que importa é fundamentalmente, o significado teológico que estes textos dão à figura de Nabonides e à sua estada em Teima.
[61] Por um lado, é evidente que a gozação sobre o estado mental de um rei não provém da corte. Contudo, pressupondo-se que a deportação babilônica atingiu a cúpula social, cultural, militar e, principalmente, econômica de Judá, deve-se observar que as tradições sobre Nabonides não são, em primeira mão, vinculadas à população palestinense, mas a esta cúpula do exílio babilônico. A história de Nabonides tem tom pitoresco e popular na Babilônia; em que sentido, em território judaíta, seria ela popular? Outrossim, as raízes da apocalíptica parecem firmar-se no solo da sabedoria erudita. G. VON RAD, Teologia do Antigo Testamento (doravante, TAT), vol II, p.296-310 (infelizmente a tradução em português baseia-se na edição de 1960 e n�?o na de 1965 onde a argumentação da tese é ampliada). Levanta-se aqui a hipótese de que as caravanas comerciais teriam levado as informações sobre Nabonides até o solo palestino. Infelizmente não aparecem alusões claras à situação babilônica nos textos palestinos contemporâneos ao exílio (os interesses palestinos eram outros? MILTON SCHWANTES, Sofrimento e Esperança no Exílio, p.35-71). De qualquer forma, é mais acautelado afirmar que a tradição sobre Nabonides tem gênese popular, i.e., nasceu em meio ao povo babilônico em qual se incluía a deportação judaica. Na Palestina, ao contrário, esta tradição firmou-se na camada erudita, i.e., nos egressos do exílio babilônico. Dn 4 tem, portanto, finalidade pedagógica!
[62] Reviso a posição que adotei na nota 62. O caráter chistoso da gozação não traz qualquer evidência de caráter popular. Então, pode ser que G. VON RAD, Teologia do Antigo Testamento tenha razão ao vincular a apocalíptica à sabedoria proverbial. Mas, é bom salientar que o nosso texto, mesmo que tenha origem nas classes altas, pode adaptar-se facilmente ao linguajar do povo de Judá. Afinal de contas, falar do rei de outros povos soa bem para todas as classes no judaísmo pós-exílico.
[63] Sigo o esquema utilizado pela Bíblia de Jerusalém e a numeração segue o Texto Massorético.
[64] Acrescentam-se aqui duas observações. A) Por que Daniel 4 utiliza o nome de Nabucodonossor e não Nabonides? Uma resposta poderia indicar a falta de proximidade histórica entre o exílio e a época redacional de Dn. A menção de Nabucodonossor seria um erro involuntário, tal qual a menção de Belsazar como último rei da Babilônia e filho de Nabucodonossor (Dn 5.2) e ainda a menção de Dario, o medo (6.1). Outra possibilidade seria a de afirmar um erro voluntário; Nabucodonossor representaria toda a Babilônia. Por este procedimento, o símbolo fica carregado pelo uso de um personagem famoso. Creio que a primeira explicação é a mais convincente. Vide N. PORTEOUS, Daniel, p. 70. B) Ainda outros relatos de sonhos de Nabonides foram conservados, dois dos quais, vide a seguir. "...a elas e orou para elas; com respeito à impendente constelação da grande estrela e da lua, eu fiquei apreensivo (porém) (num sonho) um (!) homem veio em meu socorro, dizendo para mim: 'Não há maus presságios (envolvidos) na constelação impedante!'. No mesmo sonho, quando meu real predecessOrNabucodonossor e um assistente (apareceram para mim) parados numa carruagem, o assistente disse para Nabucodonossor: 'Dize-me que bons (sinais) viste!'. (E) eu o respondi, dizendo: 'Em meu sonho olhei com alegria a Grande estrela, a lua e Marduk (i.e. o planeta Júpiter) nas alturas do céu e ela (a Grande estrela) chamou-me pelo nome". (ANET, p.309s). "No mês de Telitu, no 15º dia do 7º ano de (do governo de) Nabonides, rei da Babilônia, Shumukin noticiou (texto: tempo presente) como segue: 'Num sonho eu vi a Grande estrela, Venus (i.e, Dilbat), Sirius, a lua e o sol e eu vou investigar (agora) esta (constelação) quanto a uma interpretação favorável para meu senhor Nabonides, rei da Babilônia, como também para interpretação favorável para meu senhor Belsazar, o príncipe herdeiro!'O 17º mês Telitu do 7º ano de (do reinado de) Nabonides, rei da Babilônia, Shumukin noticiou (texto: tempo presente) como segue: 'Tenho observado a Grande estrela e irei investigar (esta) concernente a uma interpretação favorável para meu senhOrNabonides como também para meu senhor Belsazar, o príncipe herdeiro'" (ANET, p.309s, nota 5). Este segundo sonho, apesar de não ser especificamente de Nabonides, mostra a atuação de um provável BTO, termo também utilizado em 4Q OrNab e em Dn 1.20 e 2.2 substitutos por >V} e JEBR. Também o texto B de 4Q OrNab é um sonho em estado fragmentário, cf. MEYER, GdN, p.30s; A. Alfred MERTENS, Das Buch Daniel im Lichte der Texte vom Toten Meer, p.36.
[65] ºUHHZW }P<W WI GKLY }VH} ZY"LKP }LD EWLV WI }WWR GYDIHW. A mesma formulação repete-se por três vezes (respeitando-se, é claro, a mudança de pessoa gramatical) em Daniel 4.14, 22 e 29 e está presente tematicamente na conclusão do capítulo. No versículo 14 ainda se acrescenta ºUWLD JWNW JWVH} LAVY e (o mais) humilde dos homens estabelecer sobre ele. Em português, a frase é um pouco dúbia. Seu sentido, contudo, é perfeitamente claro. O altíssimo é soberano sobre ou no (P) reinado (ZY"LK feminino construto) dos homens. O reinado designa aqui o domínio do rei e contrasta com a EWLV (soberania, domínio, poderio. O derivativo árabe é sultão) de Deus. seguido de P indica o domínio sobre alguma coisa (GHCL, p.828). Deus é aquele que é o verdadeiro senhor sobre o reinado dos homens. Deus é a autoridade máxima; ele coloca e desloca os reis como lhe apraz. O reinado (ZY"LK) é dado a quem Deus quiser (o reinado é objeto da ação de dar). Assim, o rei deve aprender a andar na humildade e n�?o considerar seu poderio como algo desvinculado do supremo Deus que tudo domina. Na formulação que se repete por três vezes não há sérios problemas de crítica textual a não ser o erro no versículo 14 onde o Texto Massorético apresenta }VYH} ao invés de }VH}. Assim também no aparato elaborado por W. BAUMGARTNER, para a BHS.
[66] G. VON RAD, TAT, vol II, p.311-317; SPINETOLI, Op. Cit., p.240.
[67] Vide Dt 17.14-20.
[68] GWHD GRKP :ZWYDY NBA UNI<P :WERY O paralelismus membrorum é sinonímico; o significado de UNI< é correspondente a GWHD GRK e :WER é sinônimo de :ZWYD. Uma possibilidade mais remota de interpretação seria imaginar que este texto evocaria uma volta (conversão) do rei (aqui no caso Antíoco Epifanes) para uma pr tica que já se encontrava perdida. Antíoco deveria modelar-se pelo exemplo de Antíoco III que fora, em tempos idos, apreciado pela comunidade judaica. Vide o capítulo IV adiante e J. BRIGHT, HI, p.565s.; H. G. KIPPENBERG, Religião e Formação de Classes na Antiga Judéia, p.77.
[69] Aparece a temática, semelhante a 4Q OrNab em, por exemplo, Dn 5.4.
[70] Não encontro aqui uma crítica ao reinado em si. O redator de Dn 4 não pensa numa ausência do reinado (tradição tribalista), mas numa mudança fundamental das relações entre Deus e o rei por um lado e o rei e o povo por outro. Isto se deve, mui provavelmente, ao determinismo histórico característico da apocalíptica. Vide esta problemática de modo mais detalhado no capítulo IV adiante.
[71] Isto vem confirmar a suspeita de que Nabonides não ficou nem doente nem louco. Estas duas explicações são de caráter mítico-etiológico, isto é, procuram explicar a ida a Teima e se baseiam em tradições judaicas (ou mesmo babilônicas) mais antigas. MEYER, GdN, p.95-101 relaciona a doença de Nabonides (4Q OrNab) com o exemplo de Jó! Daniel 4, por sua vez, pode ter trabalhado o tema da loucura do rei com base no antiguíssimo paradigma do rei Saul (sugestão que devo a FRIEDRICH E. DOBBERAHN; 1Sm 15; 18.6-13; 19.8-11; 20.30-40), o qual chega até a feitiçaria no encontro com a feiticeira de Endor. Com isso o reinado de Saul é decididamente rejeitado. �? verdade que o episódio de Saul não explica a zoantropia de Dn 4. Esta tradição talvez tenha origem no desenrolar do romance de Aicar, conforme indicação de SPINETOLI, Op. Cit., p.252, nota 14. Van de BORN, Aicar, In: Dicionário Enciclopédico da Bíblia, p.30s já aponta para uma tradição forte em todo o Oriente Antigo sobre Aicar. Na verdade, o romance de Aicar tem pouco a ver com o episódio da zoantropia em si. L. ROST, Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudepígrafos do Antigo Testamento e aos Manuscritos de Qumran, pp.198-202. Muito provavelmente SPINETOLI quer-se referir à continuação do romance no qual, de fato surgem estruturas proverbiais com a menção de diversos animais, o escorpião, o leão, o camelo, o burro. Para os textos de Elefantina, ANET, p.427-430. Particularmente não estou convencido seguramente desta relação entre Dn 4.30 e o romance de Aicar. Contudo, infelizmente, não tive acesso ao comentário de F. VATTIONI para poder analisar a argumentação proposta. Por esta razão, é preferível deixar esta questão em aberto. M. NOTH, A Concepção de História no Apocalipsismo do Antigo Testamento, In: Apocalipsismo, p 94 chama a atenção para as narrativas animalescas de Dn 7, as quais poderiam ser alusões mais elaboradas para o material mais antigo do cap. 4.
[72] Assim também HARTMANN & LELLA, Op. Cit., p.179.
[73] Alguns estudiosos procuram defender a datação tradicional do livro de Daniel. WHITCOMB, Livro de Daniel, In: Novo Dicionário da Bíblia, vol I, p.387-390; WALTKE, The Date of the Book of Daniel, In: Bibliotheca Sacra, vol 133, nº 532, p.319-329; KEIL, Biblical Commentary of the Book of Daniel, p.35-57; A. N. de MESQUITA, Estudo no Livro de Daniel, p.3-15. Julgamos, ao nosso ver, que o peso da evidência aponta incisivamente para uma datação posterior. Vide a exposição de S. R. DRIVER, An Introduction of the Literature of the Old Testament, p.448-515.
[74] HAROLD H. ROWLEY, A Importância da Literatura Apocalíptica, p.49-53. Um texto sobre a morte de Epifanes encontra-se em ISRAEL E JUDÁ, Textos do Antigo Oriente Médio, p.99. A data de sua morte é 164/163 a.C.
[75] A falta de alusão clara aos Macabeus poderia sugerir que o livro teria sido escrito antes que os hassidim se juntassem aos Macabeus (IMc 1.42). BOX, Judaism in the Greek Period, p.210.
[76] M. METZGER, HI, p.153-162; J. BRIGHT, HI, p.561-582; M. NOTH, HI, p.321-341.
[77] O mesmo princípio aparece formulado claramente no evangelho de Jo�?o de modo que é difícil precisar até que ponto o evangelho joanino fala de Jesus. O ponto de partida fundamental (e de modo algum exclusivo) é a situação da igreja. R. E. BROWN, A Comunidade do Discípulo Amado, p.11-95; W. G. K�?MMEL, Introdução ao NT, p.291-298. Por conseguinte, também em Daniel, a história do passado é a fonte material para a interpretação da situação contemporânea da comunidade judaica.
[78] A hermenêutica, principalmente a terceiro-mundista, tem chamado a atenção dos intérpretes para um quarto ponto, qual seja, a situação histórica do intérprete. Esta é, na verdade, a matéria-prima da hermenêutica; a compreensão do texto responde às perguntas que o intérprete levanta. Cf. R. BULTMANN, Será Possível a Exegese Livre de Premissas?, In: Crer e Compreender, p.223-229; IDEM, O Problema da Hermenêutica, In: Crer e Compreender, p.203-221. Assim também GERSTENBERGER, Exegese Vetero-testamentária e sua Contextualização na Realidade, In: Estudos Teológicos (doravante ET), 84, nº 3, p.203-213, o sofrimento indescritível e a esperança inexplicável da população mais miserável são ponto de partida para todo trabalho teológico dos teólogos latinos da libertação (p.206). Ponto de vista privilegiado tem de ser o enfoque crítico. Cf. P. DEMO, Sociologia, Uma introdução crítica, p.7-104. O procedimento de aclarar interesses e opções (se é que isto pode ser realizado) pode tornar-se pedante na medida em que as respostas devem ser pressupostas. O indivíduo conhece apenas fenômenos transitórios, como já salientou I. KANT, Crítica da Razão Pura, 219pp. Portanto, apesar das opções feitas, julgo que seja melhor entrar na problemática conflitiva num segundo momento de reflexão. Vide FRIEDRICH E. DOBBERAHN, O Método HIstórico-Crítico entre Idealismo e Materialismo, In: ET, 88, n§ 1, pp.35-56.
[79] Literatura para o período, vide, BOX, Op. Cit.,p.1-69; N. H. SNAITH, The Jews from Cyros to Herod, p.31-45; 195-204; W. R. FARMER, Maccabees, Zealots, and Josephus, p.125-158; G. BRAKEMEIER, Mundo Contemporâneo do NT, vol I, p.23-47; A. PAUL, O Judaísmo Tardio, p.24-32; 181-189; C. SAULINIER, A Revolta dos Macabeus, 74pp.; HAROLD H. ROWLEY, Op. Cit., p.44-49; D. ARENHOEVEL, O Período Pós-exílico, Período Anônimo, In: Palavra e Mensagem, p.345-362.
[80] S. R. DRIVER, Op. Cit., p.497 já o coloca no período inicial da revolta, ou seja, em 168/167 a.C.
[81] A postura dos hassidim era contrária ao templo de Jerusalém em si. Porém, Antíoco IV representava o oponente a qualquer proposta "piedosa" de vida religiosa baseada nas tradições judaicas. Sobre os hassidim, K. SCHUBERT, Os Partidos Religiosos Hebraicos da �?poca Neotestamentária, p.7-21.
[82] Alguns textos são modelos paradigmáticos de fácil ajuste. O relato da fornalha ardente (capítulo 3) e da cova dos leões (capítulo 6) são evidentes estímulos à fé periclitante numa época de crise. Cf. SAULNIER, Op. Cit., p.51s.
[83] Apesar disso devo concordar com M. BUBER, Profecia e Apocalíptica, In: Profetismo, p.239 que o apocalíptico não tem uma audiência especificamente destinada a ele; ele fala para dentro de seu livro, melhor, ele não fala, ele apenas escreve; ele não escreve um discurso, ele escreve um livro. Por que, então encontramos a leitura cifrada em Dn? Seria o objetivo confundir os que estavam no poder para evitar perseguições (como sugere ROWLEY, Op. Cit., p.49, entre outros)? Não acredito que este fosse o caso, pois, uma vez aceita a datação do livro, os exemplos apresentados nele são por demais evidentes. O mais provável é pensar que o livro foi composto para a leitura por qualquer pessoa, até mesmo judeu-helenista. O livro apresenta para estes também, os exemplos de como foi a perseverança da fé e sua vitória em tempos idos de perseguição. �?, em certo sentido, uma retomada do conceito da promessa, conteúdo teológico fundamental da fé de Israel.
[84] No que diz respeito ao capítulo 4, em parte discordo de ROWLEY, Op. Cit., p.44 quando diz acho mais fácil dar um significado inteligível a qualquer parte do livro, se o localizarmos nos dias dos Macabeus, e nada que exija uma época anterior. Isto não significa que o autor tirou as histórias de sua própria cabeça. Significa que usou velhas histórias e tradições, e adaptou-as a seu propósito. Realmente considero a tendência do relator em manter-se fiel às tradições recebidas não permite que o capítulo 4 se encaixe perfeitamente na época macabéia. O capítulo 4 é um mal-estar literário; somente entrou no livro de Dn através de um grande enxugamento traditivo e afunilamento querigmático.
[85] ROWLEY, A Importância da Literatura Apocalíptica, p.50.
[86] Dn 7.8, 25; 8.23-25; 11.36. De fato, sua característica essencial é uma insolência sem limites (cf. IMc 1.21-24); seu orgulho desafia Deus, pois não compreende que o poder que lhe é dado é passageiro e que só é permitido em função do objetivo providencial da perseguição (2Mc 5.11-17). Aliás, sua vontade de introduzir em Jerusalém uma nova liturgia e um novo calendário mostra seu desejo de definir normas que competem somente a Deus(Dn 7.25). Suas pretensões o levaram a colocar-se no lugar do Criador: ... SAULNIER, Op. Cit., p.55. BENTWICH, salienta não tanto a figura de Antíoco, mas da política funesta em que se envolvera parte da população judaica, In: ROWLEY, Op. Cit., p.36s. nota 32 (vide ainda a p.48). Aliás, seguindo a sugestão mencionada em KEIL, Biblical Commentary of the Book of Daniel, p.140, pode-se compreender a loucura de Nabucodonossor como um trocadilho entre Antíoco epjanhV (ilustre, manifesto, evidente) e Antíoco epmanhV (louco, furioso).
[87] KEIL, Op. Cit., p.140-142 superestimou estas questões a ponto de rejeitar não só a identificação entre Nabonides e Antíoco como também toda datação posterior. �? óbvio que isto é um absurdo.
[88] Já alguns intérpretes chamaram a atenção para o descrédito que Dn confere à revolta macabéia a partir de Dn 11.34. Vide G. VON RAD, TAT, vol II, p.311, 317. �? verdade que os hassidim estiveram ligados durante algum tempo aos Macabeus; contudo, os rumos da ação política e revolucionária dos Macabeus não cativaram os piedosos que se contentaram suficientemente com a liberdade religiosa reencontrada a partir da ação macabéia. Cf. SAULNIER, A Revolta dos Macabeus, p.31; SCHUBERT, Os Partidos Religiosos Hebraicos da �?poca Neotestamentária, p.35.
[89] A história, em Daniel é periodizada e se espera a poderosa atuação de Deus para instaurar seu reino. Contudo, o tempo determinado para a intervenção divina pertence unicamente a Deus (capítulos 7-11). A ênfase forte da apocalíptica é que Deus é agora, mais do que nunca, o senhor do tempo (portanto, da história) além de ser senhor do espaço. Vide NOTH, A Concepção de história no Apocalipsismo do AT, In: Apocalipsismo, p.79-98. Com respeito ao artigo de NOTH, devo observar que não vejo uma distinção tão aguda entre Dn 2 e Dn 7 como ele quer ver. Dn 2 foi elaborado (a partir de imagens mais antigas) sob a égide de Dn 7, por isso, de modo algum há um avanço conceitual em Dn 7ss que tenha abandonado seus próprios pontos de partida, acabando num trilho perigoso e falso (p.97).
[90] Para outros temas presentes na literatura apocalíptica, vide ROWLEY, A Importância da Literatura Apocalíptica, p.157-187.
[91] ROWLEY, Op. Cit., p.157-163 ; Daniel 11.36.
[92] º}PUIY }AF" }AFR }VRH }LTBA ZNIUY GWIWP }L WI GP} ZBTOZ} }BYEK. A pedra foi cortada da montanha sem (instrumentalização) pelas mãos e destroçou o ferro, o bronze, a argila, a prata e o ouro (Dn 2.45).
[93] FRIEDRICH E. DOBBERAHN, O Método Histórico-Crítico entre Idealismo e Materialismo, In: ET, 88, nº 1, p.35-36 quer salvaguardar uma atividade humana decorrente do éscaton como componente pretérito. Diz ele, já desde o início, o conceito de escatologia está, no AT e NT, viculado à exigência de conversão e chamado para o seguimento e mais adiante, a concepção esctológica não subtrai ao esforço humano sua necessidade nem sua concretitude. Pelo contrário: segundo o AT e o NT, a concretitude da ação ética é o testemunho do éscaton em seu componente pretérito; e mais: a fé no que já aconteceu escatologicamente não pode senão converter-se em testemunho ético concreto (p.47). Não creio que esta interpretação faça jus à apocalíptica inter-testamentária e especificamente à teologia de Daniel. De fato, o componente escatológico pretérito da fé apocalíptica em Daniel não levou os piedosos a qualquer ação ética concreta, a não ser a ênfase nos ritos judaicos distintivos da lei (oração, jejum, pureza ritual). O anúncio escatológico da apocalíptica não se corporificou em nada, além do sectarismo essênio e farisaico. Além do mais, o grupo social no qual Daniel se encontrava, os hassidim, espera o reino de Deus fora da revolução macabéia, id est, a intervenção divina ocorre, em si, fora e independente dos processos históricos. De outro lado, não está explícito em Dn qualquer exigência discipular fora dos ritos mencionados antes. Daniel só pode ser visto, sob este prisma, como um apologeta da teologia deuteronomista e mais propriamente do judaísmo contra o qual Jesus se opõe. Também no caso do NT deve-se recordar que a expectativa da parusia iminente (que não deixa de ser escatologia) produziu sectarismo religioso (vide 2 Ts) e descaso forte aos problemas mundanos. Creio que isto é parcialmente verdadeiro no que se refere a Paulo (ou digamos, às comunidades no raio de alcance do apóstolo) e ao cristianismo nascente. �? verdade que João já reflete um processo escatológico pretérito bem mais consistente do que Paulo. Apesar de não explicar todo este fenômeno, convém lembrar, neste contexto, que João se encontra no final do processo de teologização da fé cristã. Vide BULTMANN, A Escatologia do Evangelho de João, In: Crer e Compreender, p.121-134. Por isso, creio que DOBBERAHN altera o seu conceito de escatologia no decorrer de sua exposição; a alteridade de Deus que se encontra em crassa contradição com a presente ordem do mundo (p.45) deve excluir Jesus de Nazaré como paradigma escatológico. Não há como, a não ser de modo mítico (sem ver aqui significado pejorativo, cf. BRUGER, Mito, In: Dicionário de Filosofia, p.274s), falar em éscaton como componente pretérito. A mesma problemática em VON RAD, TAT, vol II, p.110-115, o qual procura defender uma escatologização do pensamento histórico já no Profetismo. A escatologia seria, não mais as últimas coisas num futuro distante, mas a predição dos profetas se torna escatológica somente quando projetam Israel fora dos acontecimentos salutares passados e transpõem o fundamento da salvação num ato futuro de Deus (p.114). O problema aqui imposto é notar que o conceito de escatologia que VON RAD, BULTMANN e DOBBERAHN (entre outros) utilizam, por estar prismatizado pela fé cristã, não se adapta ao específico da literatura apocalíptica. A escatologia em Daniel é anúncio da derrocada opressora, não a partir de analogias histórico-salvíficas passadas, mas sim, a partir da demonstração de ciclicidade dos poderios mundiais, fundamentado na soberania absoluta de Deus (e aqui está a cartada decisiva da fé apocalíptica). A opressão contemporânea cairá tal qual caíram os poderosos antes. A escatologia apocalíptica incorpora em si uma visão globalizante; Javé não é mais o deus particular e exclusivo de Israel (a salvação é estendida a todos os piedosos), senão o senhor do cosmo e dos destinos humanos. E não se diga que este assunto é de somenos importância. Jürgen MOLTMANN, Teologia da Esperança, pp. 151-156 (especialmente) já questiona como será relacionada a palavra da promessa e seu cumprimento e o anúncio apocalíptico. MOLTMANN chega a perguntar: �??Não será a periodicização apocalíptica da história universal segundo o plano de Javé uma interpretação histórico-universal de esquemas cosmológicos antigos e estranhos a Israel? (p.153). Mesmo neste caso, a palavra da promessa depende de que eu creia que tal palavra seja promessa. Logo, é a própria fé quem estabelece os parâmetros da alteridade. Mas, este problema deverá ser retomado adiante (cf. nota de rodapé 102).
[94] As experiências de relativo sucesso durante o período persa apenas reforçam a idéia do fracasso. Israel, sob o controle grego, realmente naufraga como nação política independente nos moldes do império davídico-salomônico. Cf. Martin NOTH, HI, p.275-318.
[95] GEORG FOHRER, História da Religião de Israel, p.466s chama bem a atenção para a angeologia como intermediária de um Deus pós-exílico distante do contato humano.
[96] Isto explica, em parte, a rápida aceitação do livro, até mesmo dentro do cânon hebraico.
[97] A teologia revolucionária (ou não dever-se-ia dizer, a ausência da teologia revolucionária) a partir da apocalíptica, é um filão riquíssimo de pesquisa que, infelizmente, não tive condições de profundar detalhadamente. Sabe-se que a comunidade de Qumran preparava-se para o combate final dos filhos da luz contra os filhos das trevas. Cf. ROST, Op. Cit., p.177-183. A comunidade apenas aguardava o aviso, o toque de combate que Deus deveria indicar. Que significado teria então, naqueles dias de domínio romano, a frase o reino de Deus já chegou a vós (Mt 12.28)?
[98] GEORG FOHRER, História da Religião de Israel, p.464-466.
[99] Ibid., p.461s.
[100] Isto explica a crise helenista em que Israel estava mergulhado quando da revolta macabéia. Devo salientar que a própria revolta dos Macabeus também é uma tentativa de responder a este problema. Ao contrário do hassidismo, o projeto macabaico estribava-se no nacionalismo israelita (ligado ao reinado, à lei e ao templo; Cf. SAULINIER, A Revolta dos Macabeus, p.41-46). Por isso, I Macabeus é monossilábico ao falar da soberania de Deus. A união de alguns hassidm à revolta se dá sob o zelo da lei (I Macabeus 2.42ss.). Fica claro, contudo, que aqui já se abrem os caminhos ideológicos para três fortes correntes teológicas do judaísmo neotestamentário, o essenismo, o farisaísmo e o movimento dos grupos revoltosos anti-romanos. Vide K. SCHUBERT, Os Partidos Religiosos da �?poca Neotestamentária, p.23-52; 57-81. A respeito do livro de SCHUBERT, pesquisas mais recentes parecem lançar dúvidas sobre o Apocalipsismo da comunidade de Qumran. Vide o artigo de H. STEGEMANN, Some Aspects of Eschatology in the Texts of the Qumran Community and in the Theaching of Jesus, In: Biblical Archaeology Today, p.408-426.
[101] Ou seja, tomando o exemplo da 2ª Guerra Mundial, não se pode dizer que apenas os que se empenham na luta pela resistência tenham adotado a postura correta. Além dos colaboracionistas haviam aqueles que estavam presos nos campos de concentração. A teologia de Daniel é adequada para os concentrados. Nem importa, para os tais, a posição política pretérita que estes tenham antes adotado. No momento próprio de suas vidas encarceradas, não há outra coisa a fazer, exceto aguardar e rogar pela intervenção divina. O livro de Daniel reflete tal ponto de vista.
[102] R. BULTMANN, Profecia e Cumprimento, In: Crer e Compreender, p.183-202 julga que seja exatamente esta inconclusividade presente no fracasso a ponte que permitiria ligar o AT ao NT. O AT, na história dos fracassos, seria lido a partir de Jesus Cristo e ainda mais, os fracassos apontariam para uma dimensão de transcendência dos mesmos que seria possível apenas em Cristo. Devo acrescentar que não apenas o AT tem uma história dos fracassos, mas também o NT a tem. A transcendência do AT pelo NT somente ocorre de modo mítico (o que é em parte defendido por BULTMANN, Novo Testamento e Mitologia, In: Crer e Compreender, p.11-45). A hermenêutica dos fracassos históricos não qualifica, em hipótese alguma, o NT como cumprimento do AT. Qualquer afirmativa de cumprimento salvífico só é possível de modo mítico (p.e., o corpo mítico (sic) de Cristo representado pela Igreja ou nos elementos sacramentais). Vide a discussão já posta na nota de rodapé 94. A mesma ingenuidade bultmanianna aparece em G. GUTI�?RREZ, Teologia da Libertação, p.129-136, onde ele diz não há duas histórias, uma profana e outra sagrada 'justapostas' ou 'estreitamente unidas', senão um só devir humano assumido irreversivelmente por Cristo, senhor da história" (p.129). Ora, se não há duas histórias, como é possível falar em algum senhor da história? Que disparate é este? Cristo somente é senhor da história em termos mitológicos, volto a enfatizar. �? necessário compreender que Jesus Cristo (ou qualquer entidade que pressuponha a fé como elemento interpretativo fundamental) faz parte de um anti-mundo e de uma anti-história (para não usar termos como trans-história ou Historie und Geschichte). A história humana que vivenciamos é a história da morte de Deus; a religião ou fé não tem qualquer vinculação histórica fora do mito. E aqui é preciso concordar com Bultmann. A fé cristã não depende nem pode depender de fatos históricos porque já não os temos mais. Fé depende do kerigma. Carlos Arthur DREHER, na avaliação das minhas reflexões, entendeu que esta posição por mim defendida me excluiria do próprio horizonte da fé cristã exatamente pela ausência de parâmetros com os acontecimentos humanamente vividos (dita história). Ora, ocorre que a fé cristã não trafega no horizonte histórico. O avanço histórico não produz a fé ou, a fé não é resultado da história. A fé não é resultado de uma evolução humana inelutável. Fé acontece como acontecimento extra nos (daí deriva a a-historicidade, a mitologia da fé cristã). Para mim, querer afirmar a fé a partir de, como resultante dos eventos históricos é fabricar um devir sagrado na história profana. A história é essencialmente profana; é a história dos humanos e não do divino. Esta mesma problemática analisada a partir de outro contexto pode ser percebida no artigo de W. GROLL, Visão Luterana da Teologia da Libertação, In: Reflexões em torno de Lutero, vol III, p.67-85. Jean-Paul SARTRE, A Idade da Razão, 365pp. também percebeu claramente este problema especialmente quando retratou, como segue, o diálogo entre Brunet (membro do partido comunista) e Mathieu (professor de filosofia):
Pronto. Era preciso responder. Sim ou não. Entrar para o Partido, dar um sentido à vida, escolher ser um homem, agir, acreditar. Seria a salvação. Brunet não despregava os olhos dele.
-Recusas?
-Recuso- disse Mathieu desesperado. -Recuso. Pensava: 'Veio oferecer-me o que tem de melhor!' Acrescentou:
-Não é coisa definitiva. Mais tarde... Brunet deu de ombros.
-Mais tarde? Se você aguarda uma revelação interior para escolher, você se arrisca a esperar muito. Você pensa que eu estava convencido quando entrei para o Partido? Mathieu sorriu tristemente.
-Eu sei. Põe-te de joelhos e terás fé. Talvez você tenha razão. Mas eu, eu quero acreditar primeiro (p.147).
[103] Neste sentido pode-se afirmar que a apocalíptica encontra-se firmemente ancorada na tradição profética. Cf. VON RAD, TAT, vol II, p.97-115.
[104] E. K�?SEMANN, Os Inícios da Teologia Cristã, In: Apocalipsismo, p.231-254.
[105] R. BULTMANN, Seria o Apocalipsismo a Matriz da Teologia Cristã? In: Apocalipsismo, p.255-261.
[106] O Reino de Deus na pregação de Jesus se concretiza no anúncio e vivência da vontade de Deus. Esta vontade está presente para todos os que ouvem a pregação da Palavra de Deus. Por isso, Jesus declara aos seus interlocutores que o Reino está no meio de vós. Não se trata de um reino postergado para o futuro e sim, do reino que se cumpre no tempo presente. Sobre este assunto veja T. W. MANSON, O Ensino de Jesus, pp. 129-235.
[107] KIPPENBERG, Religião e Formação de Classes na Antiga Judéia, p.73-87 (especialmente as pp.81ss) destacou os motivos econômicos embutidos na revolta macabéia (sem, contudo, negar os aspectos religiosos). A situação de tributação tinha-se tornada insuportável para a população palestinense e isto desembocou na revolta contra o domínio dos seleucidas. Poderia tratar-se, perfeitamente, de uma revolta camponesa! Se assim for, o lugar social de Dn e sua teologia não é de caráter "popular"; é teologia "burguesa" (o que viria reforçar a tese de VON RAD sobre a origem sapiencial da apocalíptica). Isto explicaria a distância tomada em relação à revolta. Evidentemente esta é uma hipótese tentadora. A bem da verdade, outros aspectos precisariam vir a lume. A revolta dos Macabeus parece ter-se iniciado por instigação sacerdotal baseada em motivos religiosos (1Mc 2). De outra sorte, também a população citadina, especialmente a aristocracia judaica, estava interessada em mudanças no sistema político. Até mesmo os hassidim participaram inicialmente da revolta com o intuito de preservar a sagrada fé judaica. �? verossímil que a revolta não fosse, ao menos inicialmente, balizada pela população camponesa. É seguro porém, afirmar que o campesinato depois participou da revolta (1Mc 7.46; 2Mc 8.1). Não poderia ser caracterizado aqui o abandono revolucionário dos hassidim como descomprometimento com as mudanças estruturais que o campesinato tinha em vista? Em outras palavras, saíram os hassidim da revolta por que os camponeses nela entraram? Ou será que a saída deles se deu porque viram interesses políticos com os quais não compartilhavam na atuação dos Macabeus? Num outro ângulo deve-se salientar que o livro de Dn não se posiciona contra a revolta; considera-a indiferente diante da soberania de Deus. Isto pode excluir os hassidim daqueles que foram atingidos pela revolta, mesmo quando inflamada pela massa camponesa. Remotamente pode ser que Dn 4.24 tenha em vista a situação de tributação violenta durante o reinado de Antíoco IV. A definitiva solução desta problemática ainda não pode ser dada.
[108] Observe-se que também no NT é bastante comum esta hermenêutica tipológica. Vide exemplarmente, Mt 17.9-13; 1 Co 10; Gl 4.21-31; Hb 7.