De acordo com o pensamento de Haight, a teologia não é revelação porque a primeira exige conhecimento sapiencial, racional e crítico, isto é, uma interpretação (hermenêutica) da revelação divina, enquanto que a revelação, segundo o autor, "é expressão da fala, do encontro de Deus com os seres humanos", entendida, ora como revelação geral (comunicação do próprio Deus em todos os tempos e lugares), ora como revelação específica ou especial (comunicação da salvação que Deus oferece aos seres humanos).

Ao nosso ver, alguns artefatos criados pelo homo religiosus, tais como as crenças, os ritos, doutrinas e dogmas de fé, são, na verdade, asserções teológicas e não podem ser confundidos como revelação, uma vez que são, originalmente, criações assessórias da vivência humana e organizadas de tal forma que vêm ornamentar ou dar maior respaldo a determinadas convicções feitas a partir de uma hermenêutica própria. A depender dos contextos que se vive, dá-se a Deus alguns atributos próprios do nosso discurso (teologia) que justifica ou contesta estruturas de dominação ou, às vezes, liberta ou transforma essas mesmas estruturas. Em sendo assim, a revelação não é, pois, um conjunto de informações doutrinárias a respeito de Deus, mas um conjunto de valores e ricas experiências de fé.

Dessa forma, a teologia tem, na Revelação, isto é, na prática da fé, seu princípio determinante e, por isso, pode provocar e verificar o conhecimento teológico. Segundo o autor, a teologia não é, portanto, em si mesma, a fé, mas uma intérprete das experiências de fé. "A fé condiciona o espaço de produção do conhecimento teológico ao mesmo tempo em que a teologia re-avalia criticamente as experiências de fé". Em suma, a teologia promove, enfim, "um juízo interpretativo acerca da realidade à luz da experiência de fé".

Levando em consideração que a tarefa dos símbolos é a busca de significados, ou seja, estabelecer sentidos, e que, geralmente, são invocados quando a presença do "Outro"(Sagrado) se faz necessária, a fim de dar sentido às diversas dimensões da vida, podemos inferir, segundo Alves (apud REIS, 2008), que os símbolos são a linguagem por excelência da experiência religiosa. É, pois, na religião, o lugar propício onde predomina a linguagem simbólica, uma vez que são eles (símbolos) o que nos motiva à experiência religiosa que, por sua vez, só pode ser expressada simbolicamente através das narrativas míticas. Dessa forma, o mito procura "falar"(linguagem oral) ou "narrar"(linguagem escrita) sobre a realidade baseado profundamente na experiência, na imaginação (...), nas palavras e/ou conceitos (...)"(Reis, 2008).

Em termos de exemplificação, a narrativa de Gênesis 1 a 3 é uma descrição mítica sobre a origem do mundo e a criação e queda do homem porque sua linguagem é mítica e recorda um evento imaginário reestruturado para o in illo tempore, ou seja, ao momento das origens. De acordo com Croatto (2000), esse gênero literário não permite, portanto, uma narração histórica da realidade, mas um texto de conteúdo imaginário. Duas figuras negativas se evidenciam para nós, nessa narrativa: a mulher, símbolo de inferioridade e fragilidade e a serpente, símbolo do mal. O primeiro símbolo está relacionado à forte tendência patriarcal vigente à época, enquanto o segundo tem a ver com a representação de "Satã", opositores do bem, isto é, de Yahveh.

Estamos presenciamos, a nível nacional, a polêmica acerca da temática sobre o aborto, quando forças religiosas, de um lado o catolicismo e a rejeição ao aborto com base nas interpretações teológicas e incentivada por Campanha da Fraternidade, abaixo assinados, etc., e de outro a Igreja neopentecostal Universal do Reino de Deus que defende, explicitamente, em seus postulados teológicos, a liberação do aborto através de suas próprios meios de divulgação (sejam eles televisivos ou impressos).

O fundador da IURD, Edir Macedo, busca convencer seus adeptos com uma interpretação bíblica sobre o aborto, contextualizando com a atualidade. Na sua exegese do texto de Eclesiástes 6, versículo 3 ("Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele") busca justificar sua posição favorável ao ato do aborto. Por outro lado, para o mundo católico e ortodoxo, também, na maioria aos evangélicos, cujas teologias versam sobre a vida, seria um erro gravíssimo a afirmação de Macedo.

Primeiro porque o capítulo 6 não trata, em específico, do tema aborto. Segundo, porque o versículo 3 é apenas metade de uma frase. Num terceiro momento, uma teologia séria, comprometida com a vida, apresenta, em contrapartida, uma série de outros enxertos bíblicos (Deuteronômio 28.11; Salmo 127.3-5; Provérbios 17.6) que contrapõem qualquer interpretação de que o Eclesiástico seja a favor do aborto. E, por fim, o supracitado versículo, marcado pela figura de linguagem, é interpretado da seguinte forma: melhor é nascer morto, um aborto (sem qualquer referência ao aborto provocado), do que viver a vida sem usufruir dos resultados do próprio trabalho.

Em outras palavras, quem (aquele que) vem ao mundo e não conhece a luz (o ser informe, feto) e quem vê a luz (o bebê que cresce, se torna adulto) e não adquire honra e não desfruta das bênçãos de Deus, os dois irão para o mesmo lugar (Ecle 2.15-16; 3.19-20; 9.5-6). Nessa interpretação, não se faz, em nenhum momento do texto, menção ao ato abortivo, mas simplesmente compara o aborto àquele que não pode usufruir dessa vida. Percebe-se, dessa forma, que há um jogo de interesses das religiões por traz de cada discurso e, muitas vezes, determinados discursos apenas encobrem outras intenções, por exemplo, manter-se no poder religioso ou conquistar o poder religioso. Independentemente da interpretação bíblica, o aborto é um grande mal à nossa sociedade porque impede de nascer um ser humano já concebido e com vida.