Joselei, Começo respondendo a última pergunta, um pouco mais complicada.
Em relação ao fato que nos Evangelhos Jesus não chama nunca Maria de "mãe", podemos fazer as seguintes considerações:

Maria é sempre chamada pelos evangelistas "mãe de Jesus", 'meter' em grego, que traduz o termo hebraico 'em. Em português a tradução é "mãe", vocábulo normalmente usado pelo filho para chamar sua mãe. Nesse sentido, sem dúvidas, Maria é mãe de Jesus.

Nos evangelhos encontramos apenas dois textos nos quais Jesus fala diretamente com a sua mãe, ambos no Evangelho de João: no casamento em Canã (Jo 2) e quando estava na cruz (Jo 19,26-27). Nos dois textos ele fala com Maria usando a palavra 'mulher' (gyne, em grego). Este particular, comum aos dois textos, exprime a vontade do evangelista que convida o leitor a ler juntas as duas passagens, em modo que uma ilumine a outra.

Considerando estes elementos, é correto fazer a pergunta que você nos pôs: Jesus realmente nunca chamou Maria de mãe em 30 anos de vida? Por que no IV evangelho lhe chama de 'mulher'? Quer indicar uma distância entre ele e ela? Chamou-lhe sempre assim?

A resposta nos é dada através de duas considerações, feitas sempre a partir dos evangelhos. A primeira tem a ver com o silêncio da parte dos evangelhos sobre como Jesus chamava normalmente Maria. A segunda consideracão é de carácter teológico, ou seja, baseia seu fundamento sobre o significado que Jesus dá ao termo 'mulher' quando o aplica a Maria nestes duas passagens.

1. Como interpretar o silêncio dos evangelhos? Creio que a resposta encontraremos considerando o quadro geral do silêncio dos evangelhos quanto a todo o período da vida de Jesus com sua mãe antes do início de seu apostolado. Precisa ter presente que os 4 evangelhos exprimem aquilo que os 4 autores crêem de maior importância para sua catequese. Por exemplo, muitas vezes sublinham que aquilo que faz com que alguém seja discípulo de Jesus não é o parentesco familiar (a mentalidade do 'conhecimento' dos personagens importantes para obter privilégios e favores existia também no tempo de Cristo), mas ser pessoas que escutam a palavra e fazem a vontade de Deus. Este aspacto está presente em certos discursos de Jesus, que em uma primeira análise podem aparecer como um seu afastamento da própria família (cf. Mt 12,46-50; Mc 3,33-35; Lc 8,19-21).
Outro aspecto que nos ajuda a entender o silêncio é o modo com que se fala da relação de Jesus com o "Pai", sem dúvidas diferente daquela com Maria. Esta relação volta continuamente à tona por que tem um carácter transcendente. Jesus exprime com insistência a sua relação previlegiada com Deus, como 'seu Pai'. Muitas vezes, em oração, chama-lhe 'pater mou', meu pai, o que revela o seu ser filho de Deus, a sua origem divina, a sua autoridade, a verdade do seu ensinamento e também a sua intimidade com Deus. Tudo isso são coisas que quem quer conhecer Jesus precisa saber e então eis que os evangelhos repetem continuamente. Se um detalhe não fosse tão importante não seria absolutamente mencionado. O não falar de certas coisas tem a ver com realidades normais, óbvias, como é o fato que Jesus chamasse Maria de mãe.
Na medida em que se entra nos particulares isso se revela mais evidente. Quando, por exemplo, Marcos quer aprofundar o grau de intimidade entre Jesus e Deus Pai e deseja mostrar que foi Jesus mesmo quem o chamou exatamente assim, não exita em colocar na boca de Jesus o termo aramaico que ele usou para falar com Deus: 'abba' ('meu pai'): Mc 14,36. Trata-se de um particular tão importante, pois é um apelativo com o qual cada cristão se pode referir a Deus, como diz Paulo em Gal 4,2: "Deus mandou o Espírito do Filho seu nos nossos corações que diz 'abba', Pai".

Dessas considerações entendemos melhor que o silêncio dos evangelhos sobre como Jesus chamava diretamente a Maria não significa certamente que nunca lhe chamou "mãe", nem que pretendia estabelecer uma distância entre ela e ele. Simplesmente tal particular não era importante em nível doutrinal: Jesus chama a sua mãe como fazem todos os filhos.

2. Vamos agora ao segundo ponto, isto é, ao fato que no Evangelho de São João aparece Jesus chamando Maria com um vocábulo realmente particular: mulher. Isso deve ter um significado importante. Em outras palavras, nas 2 passagens em que João conta que Jesus, um filho, chama a própria mãe de 'mulher', o evangelista pretende revelar ao leitor alguma coisa que ele tem em mente.
Por que Jesus chama Maria de 'mulher'? Porque para João (e se entende aqui toda a assim chamada 'escola de João', que inclui também as cartas e o Apocalipse) 'mulher' é um vocábulo que tem um grande significado teológico. Significa 'igreja', a comunidade dos que crêem em Cristo, dos discípulos que o escutam. Esta comunidade tem em Maria o seu modelo e a própria mãe. No Apocalipse ela é chamada 'esposa do cordeiro', sua 'noiva'.

Como entender idéia de Maria-Igreja que contém o apelativo "mulher" dado por Jesus a Maria nos dois textos do Evangelho de João?
Sabemos que quando Jeus dá um nome muitas vezes revela uma missão (assim é, por exemplo, com Cefas "“ Pedro). O apelativo mulher, portanto, tem a ver com a função de Maria. A maternidade de Maria em relação a Jesus, sempre claramente relembrada dos evangelistas, nestas duas passagens tem, por vontade de Jesus, as características da "mulher".
No episódio das bodas de Canã, Maria tem uma função de mediação: falicita o contato de Cristo com os homens e assim ajuda a eles a tomar consciência da pessoa de Jesus, de quem ele é. Embaixo da cruz, ou seja, na "hora" de Jesus, esta função materna passa também ao discípulo amado e a todos os seus discípulos: a partir do mistério pascal, Maria se torna, na vida de cada discípulo de Jesus, a mãe que auxilia o crescimento de Jesus nele. Nesse sentido a maternidade de Maria é maternidade eclesial.

A genealogia de Maria

Em relação a sua pergunta sobre a genealogia, precisa notar que as genealogias são muito usadas também no Antigo Testamento e constituem um gênero literário através do qual se pretende ligar um personagem à historia que lhe precedeu, com a intenção de sublinhar que as suas façanhas e sua presença fazem parte de um plano divino de salvação que se exprime através de fatos, vidas e personagens que viveram antes dele. Um personagem forma uma nova etapa desta história da salvação e ao mesmo tempo a desenvolve. As genealogias que encontramos em Mateus e Lucas têm a ver com Jesus e não com Maria. Com elas os evangelistas (cada um com suas particularidades) com a paternidade legal de José, conduzem Jesus a Adão, que é o primeiro homem da 'primeira' humanidade, como Jesus é o primeiro da 'nova' (em Lucas); a Abraão, primeiro homem do povo de Israel e a quem foram confiadas as promessas; a Davi, o rei a quem Deus prometeu um reino e uma descendência eternas e de quem a tradição hebraica diz que virá o Messias. Nesse 'compêndio', que é a genealogia, se mostra o que Jesus representa: a realização da história da salvação e das promessas divinas.
A partir dessas observações podemos compreender por que não temos uma genealogia de Maria: não é ela, mas Jesus o objeto, o conteúdo da Boa Notícia, o Evangelho.

Quanto à genealogia de José, a incongruência que você notou mostra um problema de difícil solução. Alguns manuscritos antigos testemunham essa dificuldade e tentam corrigir o texto. Mas parece que o texto correto é exatamente como temos hoje nos dois evangelhos, nas nossas versões da Bíblia. O problema é como explicar a diferença entre Jacó e Eli como ascendentes de José. Não podemos dar uma resposta definitiva. Aquilo que é certo é que, antes da composição dos evangelhos, existiam ao menos duas listas genealógicas de Jesus e que os dois evangelistas usaram cada um uma das fontes. Alguns estudiosos, tentando explicar a diferença dos dois textos, recorrem à lei do levirado: pensam que Jacó e Eli eram irmãos, mas que um deles teria morrido antes de gerar um filho. Como ordena a lei (Dt 25,5-10 que aparece também em Mt 22,24), quando um homem casado falece sem deixar filhos, o seu irmão mais velho deve se casar com a viúva para lhe dar filhos. Tal lei visava dar descendência a toda família. Os filhos nascidos de tais casamentos eram efetivamente considerados filhos do primeiro marido, que tinha falecido. Jacó e Eli podem ter sido dois irmãos, tendo um deles falecido e deixado a esposa viúva. O outro então teria se casado e os filhos nascidos do segundo matrimônio podem ter sido atribuídos ao primeiro marido ou eventualmente também ao segundo. De qualquer forma essa é uma hipótese que não pode ser confirmada e a questão permanece aberta.