Primeiro de tudo é preciso dizer que no antigo Oriente Médio, os reis do Egito, da Fenícia e da Assíria eram contemporaneamente também verdadeiros sacerdotes. Na Bíblia, precisamente nos assim chamados livros históricos, os reis de Israel, porém, não eram sacredotes. Eles eram chefe do culto, os responsáveis da religião do estado e como tal se ocupavam de tudo aquilo que era inerente a este assunto. Dando um exemplo, o rei Davi projeta o templo e erige o seu altar. Até mesmo, em alguns momentos, o rei de Israel é apresentado enquanto realiza algumas ações de tipo sacerdotal, como a oferta dos sacrifícios, a dedicação do templo, a liturgia de algumas festas solenes (1Sam 13,9-10; 2Sam 6.13.17-18; 24,25; 1Re 3,4.15; 1Re 8,5.62-64; 1Re 9,25). Porém a partir destes textos não fica claro se era o rei que realizzava tais atos ou simplesmente comandava que fossem realizados. Parece óbvio, todavia, que os textos bíblicos do tempo posterior à monarquia (livro das Crônicas) distinguem entre os dois papéis, aquele de rei e de sacerdote, sobretudo quando condenam o fato dos reis desejarem para si o papel de sacerdotes, função que cabe aos descendentes de Araão (2Cro 26,16-20). Outro elemento que nos obriga a separar as duas funções é o fato que, no período da monarquia, em Israel os reis eram ungidos, isto é, consagrados, enquanto que os sacerdotes não eram. Tais consagrações mostravam a relação previlegiada do rei com Deus, que fazia do rei o responsável do culto, mas não pode ser confundida com a "consacração sacerdotal". Na verdade, repetindo, mesmo se em ocasiões especiais, como chefe de estado, o rei presidia as funções, mas isso não quer dizer que ele exercitasse a função sacerdotal. Tal função era dada ordinariamente a um sacerdote verdadeiro (2Re 16,15). Portando, é evidente que na Bíblia não existe rei e sacerdote ao mesmo tempo, com uma exceção: Melquisedec, de quem se fala em Gênesis 14,18-20. É uma figura misteriosa, reinterpretada no Salmo 110,4 e, no Novo Testamento, na carta aos Hebreus (capítulos 5 "“ 7).

O nome Melquisedec significa "rei justo". Trata-se de uma figura contemporânea de Abraão. Segundo a narração de Gênesis este é "rei de Salém", a antiga Jerusalém, na época ainda cananéia, e "sacerdote de El Elyon", a divinidade cananéia da cidade. Não surprende este duplo papel, comum, como já dissemos, também em outras nações do antigo Médio Oriente. Aquilo que é particular neste personagem, além do fato de ser o rei da antiga Jerusalém, é a oferta de pão e vinho que ele faz a Abraão além da bênção. Em troca, o dízimo que Abraão lhe dá mostra o seu reconhecimento ao sacerdócio de Melquisedec. É provável que o livro do Gênesis queira ligar Abraão, patriarca de Israel, à cidade santa de Jerusalém, que será tanto importante para o futuro da terra e do povo. Nesta perspectiva, Melquisedec poderia ter sido considerado já como o protótipo do rei davídico de Israel (não se pode esquecer que o livro do Gênesis, que contém também textos muito antigos, foi escrito na forma definitiva atual em época recente, quando a monarquia de Israel não existia mais e o ponto de vista das narrações foi influenciado pela experiência da história).

O Salmo 110 atribui os carácteres do sacerdócio de Melquisedec aos reis da descendência de Davi. Davi é uma figura determinante na história de Israel, que fez de Jerusalém a capital da nação dos hebreus. Não é, portanto, por acaso que, como rei e chefe do culto, a ele e à sua descendência são atribuídos os carácteres religioso e real que possuía o protótipo Melquisedec.

A interpretação do rei-sacerdote teve um papel importantíssimo também no judaísmo pós-bíblico e no Novo Testamento. Importante por que nessa interpretação se fundamenta a tradição do messianismo real. Na carta aos Hebreus, que reinterpreta o texto de Gênesis, é a Jesus Cristo que são aplicados as características de Melquisedec: ele é "sacerdote em eterno ao modo de Melquisedec"; rei de justiça (melek tzedek) e também rei de paz (melek Salem), "sem início e nem fim", ou seja, eterno; não pertence à tribo dos sacerdotes (os levitas), que com a oferta perfeita de si mesmo realiza a completa expiação dos pecados e a salvação.