A palavra exesege vem do grego e significa literalmente "tirar fora" (ex-ago). Concretamente tem o sentido de extrair o significado, interpretar o texto. Todo leitor da Bíblia precisa interpretar aquilo que lê e isso exige um conhecimento não insignificante. A fé, de fato, não exclui a ciência. Ás vezes se sublinha a tensão entre fé e ciência, quase tentando defender que uma exclui a outra. Isso não é absolutamente verdade. Se alguém quer ler de forma profunda a Bíblia, deve, inevitavelmente, entrar no mundo das ciências bíblicas. Em prática, fazer exegese significa usar as ciências bíblicas (arqueologia, geografia, crítica textual, crítica literária, etc) para entender o texto lido.

O exegeta parte do princípio que os textos bíblicos não foram simplemente enviados do céu como escrituras sagradas, mas nasceram dentro de um ambiente histórico determinado, tiveram uma evolução histórica. Por isso, para entender um texto bíblico, é necessário conhecer a sua pré-história (o ambiente no qual nasce), o seu gênero literário (se é uma crônica, uma narração didática, uma poesia, um julgamento, etc.) e a dinâmica da formação do texto, como os autores recolheram ou escreveram as tradições orais ou escritos precedentes. Tudo isso tem como objetivo a compreensão do significado que o autor original pretendia comunicar aos seus destinatários.

Esse estudo é importante por que nós, como leitores de hoje, temos a tentação de colocar o texto que lemos, escrito há mais de 2000 anos, dentro da nossa perspectiva, do nosso ponto de vista, correndo o risco de fazê-lo dizer aquilo que efetivamente não pretendia, influenciando a interpretação com a nossa própria subjetividade. É claro que o leitor tem o seu papel na interpretação do texto e o seu ambiente deve, de qualquer forma, ser incluído na leitura bíblica, pois a Palavra de Deus é sempre viva. De fato, com essa explicação, não pretendemos excluir este importante aspecto, apenas queremos sublinhar o elemento científico da leitura bíblica.

Existem muitos modos de fazer exegese. A exegese moderna usa prevalentemente o método histórico-crítico, que tenta perscrutar a gênesis do texto em questão, o contexto em que nasceu, quem era o seu autor e os destinatários. Para encontrar respostas a tais interrogações se usam todos os instrumentos que a ciência põe a disposição: arqueologia, história, antropologia, literatura, etc. Tal método entra no conjunto das metologias chamadas diacrônicas. Algumas vezes similes procedimentos são acusados de afastarem-se do texto esquecendo a mensagem que ele contém. Por isso muitos exegetas sublinham a necessidade de deixar o texto falar. Nesse caso usam métodos chamados sincrônicos. Alguns dessas metodologias são a semiótica e a narratologia. Os exegetas que se ocupam desse método concentram a atenção sobre o próprio texto: a sua estrutura, a língua, os vocábulos, o estilo.

Os métodos sincrônicos e diacrônicos, todavia, não se excluem. Uma boa exegese deve usar todos os instrumentos oferecidos dos diversos métodos e, de cada um, tirar o máximo proveito.

Falando de maneira concreta, fazer exegese de um texto significa usar o seguinte procedimento: determinar o texto original (crítica textual), traduzir o texto, análise do texto (com o método sincrônico: crítica das formas, linguística do texto, estrutura, semântica, pragmática "“ com o método diacrónico [histórico-crítico]: crítica literária, história das tradições, história das redações). Além desse processo di explicação do texto com instrumentos técnico-científicos, a exegese deve incluir também uma explicação teológica, que exige a fé como base de interpretação. É necessário partir do princípio que "Deus na Bíblia falou por meio de homens, de modo humano"(Dei Verbum 12). Então, com o auxílio do mesmo Espírito, mediante o qual a Bíblia foi escrita, deve ser interpretada teologicamente. Essa segunda tarefa do exegeta deve ter presente 2 aspectos importantes: 1) a Bíblia consiste em uma unidade e um texto deve ser visto no conjunto de toda a Sagrada Escritura; 2) ter presente a tradição teológica, as interpretações dadas aos textos pelas comunidades no decorrer da história.

Das linhas acima fica claro que o biblista não é apenas um cientista, mas também um teólogo. Portanto fazer exegese não é apenas aplicar a ciência, mas uma expressão de fé.

Depois dessa longa introdução, vamos diretamente ao texto que você cita, Gênesis 4,16 ("Caim se retirou da presença de Iahweh e foi morar na terra de Nod, a leste de Éden"). Temos que partir de uma boa tradução. Depois é necessário sublinhar que Gênesis 4,16 faz parte de uma estrutura que começa no início do capítulo. Portanto precisa ler os versículos precedentes para entender a mensagem. Depois é necessário também prestar atenção na forma literária, uma narração no meio de várias genealogias. Além disso, ajuda muito ber como o nosso texto tem paralelos com o capítulo anterior, Gênesis 3, a história de Adão e Eva no Paraíso. Nas duas histórias temos um desenvolvimento idêntico: existe um crime, segue uma investigação e termina com o julgamento. Um passo sucessivo é conferir os textos das culturas próximas a Israel e ver se existem contatos. Essa pesquiza já foi feito e há, por exemplo, a história egípcia que conta como Seth matou o seu irmão Osiris e também no mundo fenício existe aquela de Aeon, que teve dois filhos. Um deles, Usoos foi morto por Hypauranios. Também na mitologia africana existem textos que mostram como também em sua compreensão, no início da história humana, houve uma família marcada por um assassinado entre irmãos.
Feitos esses passos iniciais se analiza o próprio versículo, palavra por palavra. Precisa definir o que significa "Retirar-se da presença de Iahweh", "terra de Nod"e "Leste de Éden". De modo sintético podemos dizer que retirar-se da presença de Iahweh pode significar que a partir da experiência de Caim o homem tem necessidade de um interlocutor e não vê mais Yahweh diretamente; todo diálogo entre Deus e o Homem acontece por meio de um enviado do Senhor. "Nod"provavelmente não é uma localidade, mas caracteriza a situação de caim, que depois do assassinato se torna um errante fugitivo sobre a terra. De fato "Nad"em hebraico significa "errante". "Leste de Éden"significa simplesmente "fora do éden". Éden não é uma localidade, mas significa "jardim" e em grego (LXX) foi traduzido como Paraíso.
Finalmente é preciso entender o sentido do texto, na sua unidade. Nesta tarefa, pode servir de ajuda a história da interpretação, o trabalho feito por tantos exegetas e teólogos antes de nós. Por exemplo há duas tendências: uma diz que a história de Caim e Abel é uma história de indivíduos, mas outros defendem que é uma história emblemática, que caracteriza a humanidade. Pessoalmente creio mais fundamentada essa teoria. Caim, que mata Abel, é protótipo do assassíno e signfica que toda a humanidade é irmã. Portanto quando alguém derrama o sangue de uma pessoa, derrama o sangue do seu irmão.
Como perspectiva é interessante o comentário de Westermann, que defende a teoria segundo a qual a História de Caim e Abel não é apenas o multiplicar-se do pecado. É invés, defende ele, o complemento da criação: além do homem e da mulher, representados em Adão e Eva, a humanidade é formada por diferentes modos de vida (agricultura e pastoreio) e diferentes povos.

Um ulterior aspecto que poderia ser desenvolvido é analizar a leitura que o Novo Testamento faz dessa história. Mas aqui paro e deixo só a sugestão de ler as seguintes passagens: Mateus 23,35; 1João 3,12; Hebreus 11,4; 12,24.