A violência presente nas páginas da Bíblia é, sem dúvida um paradoxo e, nós biblistas, temos dificuldades de trasmitir uma explicação que convença. Essa violência se torna mais sublinhada se confrontada com a mensagem de vida que traz Jesus Cristo, no Novo Testamento. É nesse sentido, baseados na mensagem de Cristo, que podemos chamar a Bíblia de Livro da Vida, pois nos orienta à vida em plenitude.

 

Acredito não ser necessário recordar aqui todos os fatos violentos da Bíblia (veja esse artigo). Há muitas histórias bélicas, sobretudo durante a conquista da Terra Prometida, onde a violência é protagonista e surpreendentemente justificada como vontade de Deus. Ela aparece até mesmo em orações, como O Salmo 136, que é muito bonito e canta a história de Deus no meio do seu povo. Esse salmo nos diz que Deus “feriu reis famosos; matou reis poderosos; Seon reis dos amorreus e Og rei de Basã... porque eterno é seu amor!” (Sl 136,17-20).

 

Cada um, com sua fé, busca uma explicação para os inegáveis fatos violentos presentes na Bíblia. Já sublinhamos aqui a importância de entender a Bíblia como a revelação de Deus para nós, como um processo. Deus escolheu um povo concreto e histórico para se revelar a toda a humanidade. A revelação não aconteceu do dia para a noite, mas, como nos ensina Agostinho, foi um processo. Esse processo culminou na revelação de Cristo, desde a qual não há mais espaço para a violência. Com Cristo sabemos perfeitamente que Deus é amor e a violência nunca será expressão desse modo de ser divino. Nós, depois de Cristo, sabemos disso. Mas, durante o processo de revelação, isso não estava claro. Os hebreus aprenderam aos poucos quem é o Deus que lhes elegeu. Na medida que aprendiam, escreviam a própria história, com os olhos da fé e da compreensão daquele período. O entendimento sobre Deus se foi iluminando e culminou em Cristo. Trata-se de uma abertura progressima. Deus, ao revalar-se, foi paciente, como um pedagogo. As páginas da Bíblia trasmitem esse processo.

 

A Bíblia é um caminho que conduz à revelação plena em Cristo. Esse camino pode ser trilhado ainda hoje por nós. É por isso que a experiência narrada na Bíblia, mesmo aquelas onde a violência é protagonista, não deve ser excluída, pois serve também para nós.

 

Concluindo, a violência, na Bíblia, existe sim. Ela testemunha um processo histórico de revelação da vontade divina. O autor sagrado, mil anos antes de Cristo, pensava que a morte dos inimigos fosse a vontade de Deus. Mas, com o suceder-se da história da salvação, foi revelado que Deus é amor e a violência não pode ser julgada uma característica divina. Por isso é impensável sustentar a violência apoiando-se na Bíblia. A Bíblia deve ser entendita como um todo, onde a verdade plenamente revelada se encontra em Cristo e prevalece sobre as etapas anteriores da revelação.