Essa característica divina é conhecida como Onisciência, vocábulo formado por duas palavras latinas (OMNIA+SCIENS/ENTIS).
Como passagem bíblica, poderíamos citar Salmos 147:5: Nosso Senhor é grande e onipotente e sua inteligência é incalculável. Todavia, a passagem por excelência, que sublinha essa característica divina, se encontra no Salmo 139.
Ler, com espírito de meditação, esse salmo é o modo melhor para contemplar esse aspecto da natureza divina, difícil de entender, mas fundamental para colocar Nosso Senhor no seu lugar correto.
A Oniciência de Deus é um tema muito complexo, pois nos pode parecer uma fonte de contradições (do mesmo modo que a Onipotência e a Onipresença). Por exemplo, se sabe todas as coisas, por que é comum, na Bíblia, encontrarmos textos onde Deus pede informações? Se sabe todas as coisas, como fica a liberdade humana, no sentido, por exemplo, de vida eterna? Ou seja, ele já sabe se, quando morrermos, iremos para o céu ou para o inferno? Então do que serve o nosso esforço?
Provavelmente o nosso foco, quando se fala de oniciência, está mal centrado. Quem sabe deveríamos pensar em termos de sabedoria, de verdade, invés de conhecimento. A esse propósito, o texto abaixo, tirado do Catequismo da Igreja Católica (§2500), nos ajuda a refletir:
A prática do bem é acompanhada de um prazer espiritual gratuito e da beleza moral. Da mesma forma, a verdade implica a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela em si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência, mas a verdade também pode encontrar outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela contém de indizível, as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes de se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus se lhe revela pela linguagem universal da criação, obra de sua Palavra, de sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmo que tanto a criança como o cientista descobrem , "a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação de seu Autor" (Sb 13,5), "pois foi a própria fonte da beleza que as criou" (Sb 13,3).
A Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do Todo-Poderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb 7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol, supera todas as constelações. Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à noite, ao passo que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua formosura (Sb 8,2).
Teologicamente falando, o conhecimento de Deus tem as seguintes características:
a) É arquétipo: Deus conhece o universo como ele existe em Sua própria idéia anterior à sua existência como realidade finita no tempo e no espaço; e este conhecimento não é obtido de fora, como o nosso (Rm 11,33,34).
b) É inato e imediato: Não resulta de observação ou de processo de raciocínio (Jó 37,16)
c) É simultâneo: Não é sucessivo, pois Deus conhece as coisas de uma vez em sua totalidade, e não de forma fragmentada uma após outra (Is 40,28).
d) É completo: Deus não conhece apenas parcialmente, mas plenamente consciente (Sl 147,5).
e) Conhecimento necessário: Conhecimento que Deus tem de Si mesmo e de todas as coisas possíveis, um conhecimento que repousa na consciência de sua onipotência. É chamado necessário porque não é determinado por uma ação da vontade divina. (Por exemplo: O conhecimento do mal é um conhecimento necessário porque não é da vontade de Deus que o mal lhe seja conhecido (At 1,13) Deus não pode nem quer ver o mal, mas o conhece, não por experiência, que envolve uma ação de Sua vontade, mas sim por simples inteligência, por ser ato do intelecto divino (veja 2Co 5,21 onde o termo grego ginosko é usado).
f) Conhecimento livre: É aquele que Deus tem de todas as coisas reais, isto é, das coisas que existiram no passado, que existem no presente e existirão no futuro. É também chamado visionis, isto é, conhecimento de vista.
g) Presciência: Significa conhecimento prévio; conhecimento de antemão. Como Deus pode conhecer previamente as ações livres dos homens? Deus decretou todas as coisas, e as decretou com suas causas e condições na exata ordem em que ocorrem, portanto sua presciência de coisas contingentes (1Sm 23,12; IIRs.13,19; Jr.38,17-20; Ez.3,6 e Mt.11,21) apoia-se em seu decreto. Deus não originou o mal mas o conheceu nas ações livres do homem (conhecimento necessário), o decretou e preconheceu os homens. Portanto a ordem é: conhecimento necessário, decreto, presciência. A presciência de Deus é muito mais do que saber o que vai acontecer no futuro, e seu uso no N.T. é empregado como na LXX que inclui Sua escolha efetiva (Nm.16,5; Jz.9,6; Am.3,2). Veja Rm.8,29; IPe.1,2; Gl.4,9. Como se processou o conhecimento necessário de Deus nas livres ações dos homens antes mesmo que Ele as decretasse? A liberdade humana não é uma coisa inteiramente indeterminada, solta no ar, que pende numa ou noutra direção, mas é determinada por nossas próprias considerações intelectuais e caráter (lubentia rationalis = auto-determinação racional). Liberdade não é arbitrariedade e em toda ação racional há um porquê, uma razão que decide a ação. Portanto o homem verdadeiramente livre não é o homem incerto e imprevisível, mas o homem seguro. A liberdade tem suas leis - leis espirituais - e a Mente Onisciente sabe quais são (Jo.2,24.25). Em resumo, a presciência é um conhecimento livre (scientia libera) e, logicamente procede do decreto, "...segundo o decreto sua vontade" (Ef.1,11).
h) Sabedoria: A sabedoria de Deus é a Sua inteligência como manifestada na adaptação de meios e fins. Deus sempre busca os melhores fins e os melhores meios possíveis para a consecução dos seus propósitos. H.B. Smith define a sabedoria de Deus como o Seu atributo através do qual Ele produz os melhores resultados possíveis com os melhores meios possíveis. Uma definição ainda melhor há de incluir a glorificação de Deus: Sabedoria é a perfeição de Deus pela qual Ele aplica o seu conhecimento à consecução dos seus fins de um modo que o glorifica o máximo (Rm. 11,33-36; Ef.1,11.12; Cl.1,16). Encontramos a sabedoria de Deus na criação (Sl.19,1-7; Sl,104), na redenção (1Co 2,7; Ef 3,10) . A sabedoria é personificada na Pessoa do Senhor Jesus (Pv 8 e 1Co 1,30; Jó 9,4; veja também Jó 12,13.16).
Convido também a ler um artigo de C. D. Cole, presente na web.