A sua pergunta nasce a partir do texto do Evangelho de João 1. Aos enviados pelos sacerdotes de Jerusalém, que queriam saber quem era o Batista, ele responde: "Eu batizo com água. No meio de vós, está alguém que não conheceis, aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia da sandália".
Ao mesmo tempo a sua questão menciona a conhecida lei do levirato (levir, em latim, significa cunhado). Essa lei, segundo o Antigo Testamento, obriga o cunhado a casar-se com a cunhada, no caso em que ela fique viúva sem ter tido um filho homem (veja Deuteronômio 25,5-10) - tal lei é lembrada também em Mateus 22. Se todavia o cunhado não quiser casar-se com a cunhada viúva, se realiza um ritual, diante dos anciãos, no qual a mulher tira as sandálias do cunhado dizendo: "É isto que se deve fazer a um homem que não edifica a casa do seu irmão". Praticamente, segundo Deuteronômio, o gesto de tirar as sandálias significa uma privação de posse (o cunhado não tem mais direito sobre a esposa do irmão) e ao mesmo tempo é acompanhado de um gesto de desprezo em relação ao cunhado, que não teria respeitado o seu dever de dar uma descendência ao irmão. De fato, a lei do levirato tem como finalidade principal conservar o nome do falecido e a propriedade dentro do clã (veja Gênesis 38, com a história de Judá e de Tamar).
Voltando à história de João Batista, as palavras do profeta aos enviados pelos sacerdotes (não sou digno de desatar a correia da sandália) são interpretadas em dois modos diversos.
1. Humildade: João pretende dizer que aquele que vem depois dele, Cristo, é maior do que ele e que não seria nem sequer digno de desatar as sandálias, tarefa dos servos. Ou seja, o Batista diz que não é digno nem mesmo de ser servo de Cristo.
2. Lei do levirato: alguns ligam a frase do Batista com o costume ligado à lei do levirato (já Gregório Magno). Quem retem esta interpretação diz que João diz: não pensais que eu tenha que fecundar essa viúva. Não sou eu, mas Jesus! A viúva, nesse caso, seria o povo de Israel, lembrando que a relação do povo com Deus era normalmente representada como uma relação entre marido e esposa.
Embora seja verdade que o contexto do Evangelho de João seja propício à interpretação das palavras do Batista (Cristo é o esposo - João 3,29), acredito que essa interpretação, para que possa ser fundada, transforme os papéis dos personagens implicados nessa lei. De fato, segundo Deuteronômio, quem tira a sandália é a viúva e não o eventual esposo. Invés acredito que seja mais oportuno, mesmo de acordo com o contexto, interpretar essa passagem como uma clara referência de humildade de João em relação a Cristo. É provável que existissem dúvidas sobre quem era mais importante, se João ou Jesus. Provavelmente, já depois de Cristo, conviviam grupos simpatizantes de Cristo com grupos simpatizantes de João Batista. Desse modo o evangelista quis sublinhar para esse público que o centro era Cristo. Esse contraste é muito mais evidente em João 3. É verdade que também nesse capítulo trasparece o tema "esposo e esposa", mas é mais forte a questão da humildade. João, de fato, diz: "É necessário que ele cresça e eu diminua" (João 3,30).
Poderíamos, é verdade, acolher ambas as nuances de interpretação. Todavia, do meu ponto de vista, parece predominar a segunda.