Essa pergunta parece um pouco uma armadilha. Mas se trata de uma questão legítima e de uma oportunidade para falarmos sobre um aspecto importantíssimo da Palavra de Deus, que é a revelação e a inspiração.

 

Inspiração e infalibilidade da Palavra de Deus

Acreditamos, todos nós cristãos, que Deus nos falou através desse livro sagrado e que as palavras que Ele revelou por meio dos autores sagrados são palavras santas, inspiradas. Por isso é normal lermos ou escutar pessoas que dizem que a Bíblia é infalível, que não erra, pois Deus é Verdade e a sua Palavra tem que ser verdadeira, sem erros.

Entre os católicos há o texto da Dei Verbum, o documento sobre a Revelação do Vaticano II, que fala sobre esse tópico. Assim ele diz, no número 11:

E assim, como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras (5). Por isso, «toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para corrigir, para instruir na justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em todas as obras boas» ( Tim. 3, 7-17 gr.)

Em relação a algumas igrejas protestantes é importante a Declaração de Chicago, que é fruto de um encontro realizado em 1978, entre um grupo de teólogos evangélicos, para discutir o tema da inerrância da Bíblia. No início desse documento está escrito:

Acreditamos que negar a inerrância bíblica significa rejeitar o testemunho de Jesus Cristo e do Espírito Santo... Acreditamos que seja nossa dever afirmar a inerrância da bíblia como uma verdade no nosso tempo.

 

O caso astronômico do sol e da terra - Galileu Galilei

Para entender a abrangência deste tema podemos citar o caso de Galileu Galilei. Esse cientista italiano (1564-1642) foi condenado pela Igreja porque defendia a tese que era o sol que estava parado, enquanto que a terra girava. Ele foi condenado pela inquisição pois essa teoria heliocêntria contradizia a passagem presente em Josué 10,12-14, segunda a qual é a terra o centro e o sol dá a volta em torno dela. Galileu, cristão, se defendeu dizendo que as Sagradas Escrituras usavam metáforas e símbolos e não tinham como objetivo explicar como a natureza se comporta. A sua defesa não convenceu e foi condenado.

Há alguns anos, em 1992, ele foi "absolvido" pelo papa João Paulo II, que, com esse ato, reconheceu como válida para a Igreja Católica a posição do cientista de Pisa, ou seja, a Bíblia que ensinar para nós a fé e a moral e não astronomia e outras ciências. Essa ideia é muito bem sintetizada pela célebre frase do cardeal César Baronio, que disse, antes de Galileu: "As Escrituras explicam como se chega ao céu e não como ele funciona".

 

Exato ou verdadeiro?

A frase desse subtítulo vem do célebre livrinho de Étienne Charpentier (Para ler o Antigo Testamento >>), que é uma obra cuja leitura aconselho a todos. Esse autor faz uma proposta que, do meu ponto de vista, mostra bem como devemos responder a pergunta colocada por você. Nós, muitas vezes, dizemos "essa história é verdadeira, esse romance é verdadeiro, este poema é verdadeiro..." Como podemos dizer, sobre um romance, que é tudo verdadeiro? Não é tudo inventado pelo autor? Invés não erra quem diz "essa é uma verdadeira história", pois mesmo se nada do romance seja exato ou histórico e pode muito bem ser verdadeiro, pois pode reproduzir bem a realidade humana.

Diante dessa experiência, Charpentier nos convida a analisar as palavras "exato" e "verdadeiro". Exato é algo historicamente acontecido, que se pode documentar. Verdadeiro, invés, tem a ver com o sentido. Por exemplo, alguém pode dizer que a sua primeira carta de amor foi um deveres de matemática. É exato dizer que tal papel continha elementos matemáticos, mas é também verdadeiro que ele é uma carta de amor.

Portanto a Bíblia também é verdadeira, mas só nesse sentido. Pois nela, com certeza, encontramos coisas inexatas: o modo de contar os fatos, de trasmitir as palavras não são exatos, mas é verdadeiro, pois inclui o sentido que nela se descobriu.