Reconheço o meu limite e digo que o vocábulo arrebatamento não é familiar para mim, falando em categorias bíblicas, provavelmente por causa da minha formação. Através do seu texto, deduzo que a sua pergunta aborda a questão da Parusia, termo que a teologia clássica usa para designar a segunda vinda de Cristo.

O termo grego é parousía e significa, basicamente, «presença». Trata-se de um conceito já presente na filosfia, com Platão (presença no mundo real da essência ideal), que a Bíblia toma para indicar a vinda gloriosa no fim dos tempos de Cristo.

Esse tema foi muito debatido na igreja nascente. Quando os primeiros seguidores de Cristo começaram a morrer originaram-se perguntas referentes ao destino dessas pessoas, questionamentos sobre o retorno de Jesus. É dentro desse contexto que Paulo escreve aos tessalonicenses: Quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, e à nossa reunião com ele, rogamo-vos, irmãos, que não percais tão depressa a serenidade de espírito, e não vos pertubeis nem por palavra profética, nem por carta que se diga vir de nós, como se o Dia do Senhor já estivesse próximo. Não vos deixeis seduzir de modo algum por pessoa alguma; porque deve vir primeiro a apostasia, e aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o adversário, que se levanta contra tudo que se chama Deus, ou recebe culto, chegando a sentar-se pessoalmente no templo de Deus, e querendo passar por Deus. Agora também sabeis que é que ainda o retém, para aparecer só a seu tempo. Pois o mistério da impiedade já age, só é necessário que seja afastado aquele que ainda o retém (2Tessalonicences 2,1-7).

Esse texto é muito simbólico e difícil de entender. Os estudiosos de Paulo dizem que ele mesmo teve que rever sua idéia sobre a vinda do Senhor. Talvez tenha pensando, num primeiro momento, que Jesus viria enquanto ele ainda estivesse vivo. Porém, a partir desse texto acima, podemos constatar quanto profunda é a sua teologia sobre a vinda de Cristo.

O texto usa categorias conhecidas aos contemporâneos de Paulo e, infelizmente, estranhas para nós. Quando ele fala de "homem ímpio", tem em mente o que a tradição chamou de anti-Cristo. Talvez essa palavra não seja muito feliz, pois pode provocar confusão e especulação. Paulo, na verdade, tem como base a literatura apocalíptica hebraica, sobretudo o livro de Daniel. Para Daniel o "ímpio"por excelência era Antíoco Epífânio, um rei, que viveu 200 anos antes de Cristo e que proibiu o povo judeu de praticar a própria religião (lembremos da história de Daniel, jogado na cova dos leões por ter sido fiel à própria fé). Por isso, quando Paulo trata sobre "o ímpio", provavelmente está pensando a todos aqueles que com suas ações ímpias impedem a realização do Reino. Creio que é também neste contexto que devemos entender o personagem misterioso "que retém"Jesus e não deixa ele voltar. Paulo sublinha a necessidade que esse personagem "seja afastado". Ou seja: quem não deixa que se instaure o reino de Deus impede que "Jesus venha", impede que se realize o "maranata" (veja 1Coríntios 16,22).

A tradição judaica tem um modo de rezar que nos ilumina. Na oração recitada 3 vezes por dia (Aleinu) eles incluem a frase tikkun olam (aperfeiçoar o mundo). Eles crêem que o fato do mundo ser melhor e cada um ser fiel à sua fé possa apressar a vinda do Messias. Portanto quem é ímpio e infiel está impedindo que o Senhor venha.

Obviamente erramos quando concebemos a vinda de Jesus como algo espetacular, um evento histórico único, como normalmente entendemos um acontecimento. É evidente que a vinda de Cristo é histórica e espetacular, mas acontece todo dia, em nossas comunidades, em nossas vidas, nas expressões de fé. O Juízo de Deus se verifica sempre e cada dia é o Dia do Senhor. Tudo isso suscita em nós a esperança no encontro definitivo com Cristo que, como diz Mateus, daquele dia e da hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas só o Pai (Mateus 24,36).

Uma atitude fundamental diante dos textos apocalípticos é interpretá-los dentro do seu contexto e não tomar as imagens como dados reais. Esses textos não foram escritos para serem lidos como algo objetivo, mas para serem interpretados. Cada figura vai além do próprio sentido material. Com referência a sua pergunta, isso vale sobretudo para "olhos", "nuvens" e "testemunhas".