A sua pergunta pede que façamos uma breve introdução ao milenarismo.
É um movimento que sublinha que no fins dos tempos Cristo retornará no seu esplendor para reunir os justos e destruir os inimigos, fundando um reino glorioso na terra onde se realizarão os benefícios espirituais. O próprio Cristo será o rei e todos os justos, inclusive os santos que tornarão à vida, participarão deste reino. No fim deste reino os santos entrarão no céu com Cristo enquanto que os fracos, que também terão sido ressuscitados, serão condenados ao inferno eterno. A duração do reino glorioso na terra seria de 1000 anos.

A base desta crença se encontra na esperaça messiânica dos judeus e na literatura apocalíptica judaica. A opressão política sofrida pelo povo judeu fez nascer nele a expectativa de um messias que libertaria o povo e cujo reino seria também terreno, temporal. Os judeus esperavam um messias que os libertasse de seus opressores e restaurasse o esplendor de Israel no tempo da monarquia, sobretudo no tempo de Davi. Essa expectativa incluia a fé que Deus venceria todos os inimigos de Israel, inaugurando um reino glorioso de Israel. Os livros apócrifos de Henoch e 4Esdras indicam vários detalhes da chegada do Messias, a derrota das nações inimigas e a união de todos os israelitas no reino messiânico, que se concluiria com a renovação do mundo e a ressurreição universal.

No mundo cristão, o primeiro protagonista do milenarismo foi Papias, bispo de Herápolis. Segundo Irineu, Papias dizia que a ressurreição dos mortos seria seguida por mil anos de um reino terreno de Cristo glorioso.
A carta de Barnabá é outra fonte de inspiração para os milenaristas. Este texto fala de uma nova criação. Cada dia corresponde a mil anos. Depois que tudo é recriado, o Senhor permanece em glória no sétimo dia, que corresponde a mil anos.
Também em Irineu, Justino e Tertuliano existem evidências da crença no milenarismo, no reino terreno de Cristo glorioso, sobretudo em contraste com os gnósticos que não acreditavam em uma futura vida cristã marcada pela felicidade.

Protagonista contra o milenarismo foi Origines. Também Agostinho, que afirma: "o número 1000 deve ser entendido como expressão de perfeição e o último período de mil anos deve ser entendido como referência ao fim do mundo; o Reino de Cristo, do qual fala o Apocalipse, pode ser aplicado somente à Igreja (De Civitate Dei, XX 5-7).

No início do protestantismo houve algumas expressões de milenarismo, sobretudo na Alemanha, onde anabatistas começaram a viver juntos, colocando tudo em comum, chegando a praticar exageros. Isso fez com que tal idéia fosse condenada pelas Confissõe de Augsberg (capítulo 17) e pela Confissão Helvética (capítulo 11). Hoje o milenarismo é presente em algumas igrejas, como a Igreja Cristã Milenarista.

Nos textos bíblicos somente no Apocalipse de João aparece referências a esta linguagem típica da apocalíptica judaica. No capítulo 6 lemos: Vi então um Anjo descer do céu, trazendo na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. Ele agarrou o Dragão, a antiga Serpente "“ que é o Diabo, Satanás "“ acorrentou-o por mil anos e o atrirou dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais as nações até que os mil anos estivessem terminados. Depois disso, ele deverá ser solto por pouco tempo. Vi então tronos, aos que neles se sentaram foi dado poder de julgar. Vi também as vidas daqueles que foram decapitados por causa do Testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e dos que não tinham adorado a Besta, nem sua imagem, e nem recebido a marca sobre a fronte ou na mão; eles votaram à vida e reinaram com Cristo durante mil anos. Os outros mortos, contudo, não voltaram à vida até o término dos mil anos. (...)
Quando se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá para seduzir as nações dos quatro cantos da terra, Gog e Magod, reunido-as para o combate; seu número é como a areia do mar... Subiram sobre a superfície da terra e cercaram o acampamento dos santos, a Cidade amada; mas um fogo desceu do céu e os devorou. O Diabo que os seduzira foi então lançado no lago de fogo e de enxofre, onde já se achavam a Besta e o falso profeta. E serão atormentados dia e noite, pelos séculso dos séculos.
(Apocalipse 20,1-10)

Como entender esse texto do Apocalipse? Primeiro de tudo é importante notar que não se está falando do reino de Deus em si, mas o pratagonista é o Diabo. Ou seja, os mil anos não se referem ao Reino de Deus, mas à pena contra Satanás. O texto tem a intenção de descrever o que acontece com o Inimigo por excelência. Ele fala de uma pena transitória, indicada com um número de anos exato e simbólico, como é típico do Apocalipse. Esse número não significa que o escritor do Apocalipse pensasse que o tempo que durava a pena fosse exatamente de mil anos. Em 1Enoch, onde também se fala de um período de pena para Satanás, o tempo é, invés, de 70 gerações (10,12) ou de 10 mil séculos (18,16) ou ainda de dez mil anos (21,6). O confronto com o livro de Enoch mostra que a intenção dos textos opacalípticos é indicar um número que sifnifique um período completo, induzendo os leitores à certeza que a atividade de Satanás é limitada no tempo e é transitória.

Acredito que pensar num Reino de Deus que dure um determinado tempo é um modo de simplificar negativamente a mensagem bíblica. Quando Jesus afirma que o seu Reino não é deste mundo (João 18, 36) está nos alertando para não interpretar a história de forma horizontal, mas teologicamente. Ou seja, o Reino de Deus convive com as pressões do Mal e não é distinto do mundo em que vivemos: não podemos separar Reino de Deus e mundo, pois a Bíblia nos ensina a integrá-los. Com o milenarismo corremos o risco de inibir o compromisso cristão com a vida social, inerente à fé. Projetando tudo num futuro, o presente fica sem importância e o compromisso bíblico de realizar o Reino de Deus nas nossas vidas fica enfraquecido, com a esperança centralizada sobretudo numa intervenção ex maquina. Invés a mensagem bíblica tem a ver com a restauração de todas as coisas, que se inspira na vitória de Cristo na cruz.