A narração que conta o fato que você lembra se encontra no livo do Êxodo, nos capítulos 11 e 12, no contexto das "Pragas do Egito". É a última praga, que definitivamente e temporaneamente convence o Faraó a deixar o povo de Israel começar a sua peregrinação pelo deserto até a Terra Prometida. No versículo 4 do capítulo 11 está escrito: Assim diz Iahweh: à meia noite passarei pelo meio do Egito. E todo o primogênito morrerá na terra do Egito, desde o primogênito do Faraó (...) até os primogênitos do gado.. De novo, em 12,12 está escrito: E naquela noite eu passarei pela terra do Egito e ferirei na terra do Egito todos os primogênitos (...). O sangue, porém, será para vós um sinal nas casas em que estiverdes: quando eu vir o sangue, passarei adiante e não haverá entre vós o flagelo destruidor.. Mais adiante (12,29), o texto bíblico diz: No meio da noite, Iahweh feriu todos os primogênitos na terra do Egito..

Desta análise do texto é claro que aquele que você chama de "destruidor", na sua pergunta, é o próprio YaHWeH, Deus. Portanto é Deus que mata os primogênitos do Egito. É óbvio que essa narração bíblica nos deixa perplexos: como pode um Deus que é todo misericórdia, cheio de compaixão provocar toda essa violência?

O tema da violência na Bíblia, do Deus violento, produz muito debate. No seu último livro, Caim, o escritor português Saramago se mostra indignado com um Deus que "brinca"com a sua criatura, que pede ao pai para matar o próprio filho (Abraão e Isaac). É apenas uma demontração de quanto difícil seja entender a questão da violência divina contada no Antigo Testamento. A questão da violência no sagrado não é um argumento irreal. Pensemos às imagens da última guerra na terra da Bíblia, em Gaza: soldados de Israel quefaziam suas orações próximas aos tanques de guerra e palestinos de Gaza que invocavam "Allah u akbar"(Deus é grande), proclamando a guerra santa (jihad). As partes em guerra pareciam invocar a bênção de Deus para derrotar o inimigo, a mesma atitude presente em muitos personagens da história de Israel contada na Bíblia. De fato, na Bíblia, as guerras feitas pelos filhos de Israel são consideradas guerras justas e santas pois são ordenadas e comandadas por Deus, que mostra o seu rosto violento. Em Êxodo 15,3 o Senhor é chamado "homem de guerra"("ish milchamà).

É interessante sublinhar que a palavra hebraica que traduz "guerra", milchamà, tem na sua raiz a palavra "pão" (lacham). De fato a guerra é uma privação do pão, o elemento primário da subsistência, que cria uma iniqua destribuição dos bens. E quando falta a justiça aparece o rosto violento.

É muito difícil dar uma explicação dessa violência descrita no livro sagrado. A Bíblia é revelação, um processo de revelação. É palavra de Deus escrita por homens que viveram num contexto de uma determinada época. Inspirados, é verdade, mas influenciados pelo próprio mundo. A visão de Deus, dentro do próprio texto sagrado, vai sendo "depurada" até chegar à revelação plena em Cristo, nos Evangelhos.

Em relação à violência, Jesus nasce num mundo bem real, onde a vilência é uma realidade enraizada e quotidiana e que acompanhará toda a sua existência. Ele não prega a violência e também não a pratica. São emblemáticos os ensinamentos de Jesus sobre a não violência: sealguém ti bate numa face, dá a outra; dos pacíficos é o Reino dos Céus. Apesar disso a questão da violência em Jesus não é assim tão simples. E deixo esses textos como conclusão e convite para ulteriores meditações:
A Lei e os Profetas até João! Daí em diante, é anunciada a Boa Nova do Reino de Deus, e todos se esforçam para entrar nele, com vilência (Lucas 16,16);
Deixo-vos a paz, minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. (João 14,27).